Donos de restaurantes driblam a crise com preços mais atraentes
Para atraírem de volta a clientela, os proprietários quebram a cabeça para cortarem custos dos pratos sem afetar a qualidade
Sócios da rede Botequim Informal, Gustavo Gill e Leonardo Rezende decidiram expandir os negócios para apostar em um conceito de restaurante que vem fazendo sucesso mundo afora. São casas de estilo mais despojado, mas com chefs jovens e criativos na cozinha. Somam-se a essa equação preços bem mais competitivos que os da concorrência. Pronto, a receita está no ponto. A primeira empreitada da dupla fora do mercado de bares, a Pici Trattoria, em Ipanema, tem fila na porta diariamente desde a inauguração, há nove meses. Mesmo com a crise que afeta o setor, há quem espere até duas horas por uma mesa, nos dias mais movimentados, para provar as receitas do chef Thiago Berton (ex-braço- direito de Rafa Costa e Silva, do Lasai), que criou um almoço executivo com entrada, prato e sobremesa a 42 reais. “Desde o início, a gente queria ter giro no salão em vez de mesas vazias e contas altas”, explica Rezende. Para isso, foi necessário se dedicar a um detalhe primordial: a engenharia do cardápio. “São cálculos que vão além de comprar o ingrediente mais barato. Precisamos, por exemplo, combinar uma massa feita na casa com uma carne mais cara, para que o custo-benefício funcione para os dois lados”, diz ele. Animada com o sucesso da fórmula bom, bonito e mais barato, a dupla abriu recentemente a Brasserie Mimolette, no Shopping Leblon, e tem planos de inaugurar mais duas casas com esse formato ainda em 2017.
A experiência de Gill e Rezende revela uma mudança crucial de mentalidade no mercado de restaurantes cariocas. Comer fora virou mais que um programa: tornou-se um investimento, que deve valer cada centavo. Agora, mais do que nunca, é preciso apostar na experiência do cliente. Cobrar altas cifras por uma salada caprese, uma massa ao molho de queijos ou uma fruta do dia, que chega a 24 reais no Gero, pode ser visto como ofensa pelo freguês. Tanto que, em algumas casas, o movimento caiu mais de 50% no último ano. Para atrair os comensais de volta, a estratégia dos restaurantes que esperam diminuir o peso no bolso da clientela inclui uma série de ações, como negociar mais com os fornecedores, reduzir o número de funcionários da equipe, abrir a casa em novos horários e até trocar os insumos mais caros. “Todos os dias, eu faço compras pessoalmente para buscar o que há de melhor e mais barato. Recentemente, consegui comprar cavaquinha a 10 reais o quilo. Com isso, um prato que sairia por 100 reais ficou por 60”, diz o chef Romano Fontanive, comandante das três casas com a grife Gabbiano. Janjão Garcia, dono do Lorenzo Bistrô, no Jardim Botânico, decidiu abolir do cardápio ingredientes como cordeiro, camarão e foie gras, que atingiram preços insustentáveis. Tudo para não perder a qualidade com uma possível troca de fornecedor. E aos sábados, na tentativa de voltar a ver a casa cheia, ele ainda baixou o valor do bufê de almoço, que passou de 89 reais por pessoa para 79 reais.
Gerir um restaurante é uma ciência complexa. Além dos custos fixos, os gastos se multiplicam na forma de despesas não previstas, como perdas e furtos. Há, portanto, muitas maneiras de gastar, mas só uma de ganhar: o cliente tem de entrar, consumir e pagar. Para isso, é bom que não chova e que o trânsito ajude, entre outros fatores. Trata-se de um ramo sensível a toda sorte de imprevistos. Não à toa, 35% dos estabelecimentos fecham as portas antes de completar dois anos de vida, segundo cálculos da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Fernando Sá, que por anos cuidou das finanças do Grupo Troisgros, acredita que, além dos altos custos de aluguel e tributos, parte do problema está na má administração. “É preciso trabalhar duro, acompanhar de perto as compras, fazer uma cotação de preços mais apurada, controlar perdas, fazer ficha técnica detalhada. Ou o dono não aguenta. A perda de lucratividade está nos detalhes”, alerta. “Além disso, hoje só quem oferece uma experiência completa, com bom ambiente, pratos atrativos e preços justos, tem chance de sobreviver.” É por esse caminho que tem seguido Felipe Bronze. Chef premiado, ele mantém no Leblon o restaurante de alta gastronomia Oro, onde uma refeição, sem bebida, não sai por menos de 320 reais. Já no Pipo, seu negócio de perfil mais informal, o comensal fica satisfeito gastando em torno de 70 reais. “Antes de abrir, pensei num tíquete médio acessível e faço tudo para ficar nesse limite, mas sem perder nosso DNA criativo. No Oro, a lógica é inversa. Crio o que quero e ponho o valor que custar”, explica. Para conseguir qualidade e bom preço, Bronze precisa pensar no negócio como um todo e fazer ajustes. A equipe é mais enxuta e varia entre seis e oito garçons. Ele também se permite ter flexibilidade no cardápio. “Quando a carne aumentou, teríamos de reajustar em 12% o arroz de costela. Preferimos tirar o prato e explicamos ao cliente o motivo”, lembra.
O horizonte para os comensais é favorável. Numa espécie de efeito colateral positivo da crise econômica, as ofertas estão sendo servidas. A alternativa do chef Pedro Siqueira foi entregar mais benefícios pelo mesmo preço. Sócio do Puro e do Massa, ele, que já cobrava 49 reais pelo cardápio executivo no almoço, com entrada, prato e sobremesa, nas duas casas, incluiu no pacote o couvert e o café sem mexer no preço. “Também aproveito integralmente os produtos com que trabalho. Pontas de polvo, aparas de peixe e pernas de lula que não entraram nos pratos do jantar são preparadas como uma ótima caldeirada para o almoço”, conta. Pelo mesmo valor, Rafael Freitas consegue ofertar menus executivos no almoço e no jantar do Adegão Português, em Ipanema, inclusive nos fins de semana. “São pratos que conversam com as receitas tradicionais da rede, mas diminuímos a margem de lucro de alguns deles em até 20% para adequar o preço aos custos de preparo”, explica o chef, que, aos 28 anos, procura ampliar a clientela da rede cinquentona.
Dois ícones da cozinha japonesa na cidade, o tradicional Azumi, em Copacabana, e o sofisticado Ten Kai, em Ipanema, só abriam para o jantar. Em agosto, durante a Olimpíada, resolveram testar o horário do almoço. Com menus a 50 reais, a medida deu certo. “O cardápio precisa ser viável em termos de custo, mas também atrativo. Por isso, não economizamos na qualidade dos peixes. Negociamos o aluguel e passamos a controlar melhor os gastos fixos”, explica Cesar Hasky, proprietário do Ten Kai. Dona do Espírito Santa, em Santa Teresa, a chef Natacha Fink viu despencar sua clientela pela metade no último ano — e no seu caso o aumento da violência nas favelas do bairro foi um fator agravante. Uma das soluções foi diminuir a equipe de 43 para 21 funcionários. “Também passei a fechar às terças e abrir às segundas, dia em que a maioria dos restaurantes não funciona”, explica. “Outra medida foi comprar vieira na concha, mais barata que a solta, para reduzir custos sem perder qualidade”, acrescenta. Com isso, os preços da casa caíram em média 30%. Sinal dos tempos, em que não faltam aos apreciadores da boa comida oportunidades de fazer valer cada centavo que gastam.
Um roteiro com as melhores ofertas da cidade
Aconchego Carioca. Kátia Barbosa acaba de reformular o menu executivo, com clássicos como bobó de camarão e arroz com rabada ao preço fixo de R$ 31,80 – o valor ainda dá direito a entrada.
Adegão Português. O menu executivo é válido no jantar (inclusive no fim de semana). Entrada, prato e sobremesa saem por R$ 49,90 em Ipanema, com opção de bacalhau. Na Barra, fica ainda mais barato: R$ 43,00.
Azumi. Das 12h às 15h, são servidas onze opções de teishoku (o executivo oriental) na típica caixinha de madeira, cada uma a R$ 50,00. Uma dica reúne sashimis, frango empanado, omelete, cozido de legumes e acelga em conserva.
Espírito Santa. A cada dia, a chef Natacha Fink oferece no almoço uma opção vegetariana (R$ 35,00) e outra com frango ou carne (R$ 39,00), compostas de prato principal e suco. Se incluir salada ou sobremesa, o preço sobe para R$ 49,00.
Esplanada Grill. O almoço executivo está disponível na unidade da Barra de segunda a sexta. Leva à mesa entrada, grelhado de 250 gramas com acompanhamentos e sobremesa por R$ 78,00. Uma opção é o bife de chorizo, que, sozinho, sairia por R$ 114,00.
Farid. Na casa recém-aberta no Leblon, uma refeição completa com pratos árabes pode sair por módicos R$ 27,90 (esfiha, quibe com salada e pudim) no almoço. A combinação mais cara fica em R$ 36,90, com filé-mignon no prato principal.
Gabbiano al Mare. O serviço executivo agora oferece o percurso completo por R$ 55,00. Uma combinação possível leva à mesa carpaccio de peixe, bife rolê de filé-mignon com cogumelos e queijos, e, para fechar, minitorta sacher com sorvete.
Gurumê. O japonês oferece duas opções de almoço executivo em que qualquer prato principal sai por R$ 35,00. Se quiser incluir a sobremesa, o cliente pagará um pouco mais: R$ 42,00.
La Nave Bistrô Bar. O chef Daniel Pinho utiliza ingredientes de uma horta própria e de pequenos produtores no almoço de segunda a sexta, quando um menu completo (entrada, prato e sobremesa) custa R$ 42,00. As receitas variam semanalmente.
Lorenzo Bistrô. No almoço, três etapas custam R$ 52,00. As receitas mudam mensalmente e podem levar à mesa bruschetta, seguida de risoto de salmão com vagem francesa e limão-siciliano e, por fim, uma sobremesa. O preço do bufê de picadinho do almoço de sábado também baixou: foi de R$ 89,00 para R$ 79,00.
Massa. Toda semana, o chef Pedro Siqueira cria um menu para o almoço. Das 12h às 17h, serve, de segunda a sexta, entrada, prato principal e sobremesa por R$ 49,00. Fettuccine com ragu de porco é um exemplo do que se pode encontrar.
Nam Thai. O chef David Zisman se esmera no preparo de uma boa seleção de sugestões para o horário do almoço, quando entrada, prato e sobremesa saem por R$ 59,00. Para a etapa principal, por exemplo, são seis opções em média. Só o prato com entrada ou sobremesa vale R$ 53,00.
Pici Trattoria. O italiano tem bons preços no menu regular, mas no almoço da semana a conta cai ainda mais. O menu do dia, com entrada, prato principal e sobremesa, custa R$ 42,00.
Puro. Primeira empreitada do chef Pedro Siqueira, também serve almoço completo a R$ 49,00. Pode-se encontrar como prato principal caldeirada de frutos do mar com farofinha de pão e arroz.
Rancho Português. A casa cobra R$ 55,00 durante a semana por entrada e prato no almoço. Não chega a ser uma pechincha, mas o serviço inclui sempre uma ou mais receitas de bacalhau, a especialidade do lugar. Uma dica, o preparo espiritual, desfiado e gratinado, está entre as sugestões.
Sawasdee Bistrô. Serve uma refeição completa no almoço por R$ 55,00. Só o prato e a sobremesa saem por R$ 46,00, e entrada mais prato por R$ 49,00.
Ten Kai. O sofisticado japonês em Ipanema passou a abrir no almoço com uma fórmula atraente: entrada, prato e sobremesa por R$ 50,00.