Pesquisa revela o que mudou na forma de comer e beber fora de casa

Levantamento realizado por VEJA RIO com 150 chefs e restaurateurs da cidade mostra que estamos diante de uma nova experiência à mesa - ao menos até a vacina

Por Fernanda Thedim e Carolina Barbosa
Atualizado em 14 ago 2020, 19h19 - Publicado em 14 ago 2020, 07h00
Novos tempos no Rancho Português: garçons de máscara e face shield (Leo Lemos/Veja Rio)
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Os restaurantes vêm evoluindo, historicamente, para se moldar às sociedades que alimentam. Nascidos no século XVIII, os primeiros abriram seus salões voltados para servir sopas e caldos que ajudavam o indivíduo a “restaurar” (do latim, restaurare) as energias. O modelo se firmou após a Revolução Francesa, que viria a sacudir Paris e o mundo, momento em que a aristocracia decaída liberou hábeis serviçais de cozinha, que passaram a trabalhar nessas casas onde gente de toda a parte vinha forrar o estômago.

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Juntando a fome com a vontade de comer, com o perdão do trocadilho, o hábito de fazer refeições fora ganhou força e virou uma experiência cercada de ritos, muitos implantados pelo visionário chef francês (claro) Georges Auguste Escoffier (1846-1935). “O restaurante é uma instituição em permanente adaptação às necessidades humanas”, define o historiador Enrique Rentería, autor de O Sabor Moderno: da Europa ao Rio de Janeiro na República Velha.

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(Redação/Veja Rio)

Essas palavras se encaixam à perfeição com o que ocorre nos dias de hoje, dos salões às cozinhas, que estão se transformando para ajustar-se às exigências do planeta pós-pandemia. A experiência de comer fora agora envolve etapas que fariam Escoffier tremer nas bases, tantas são adaptações impostas pela cartilha de combate ao novo coronavírus. Em cenas que podem soar distópicas, garçons circulam paramentados de máscaras e com aquelas viseiras transparentes, as face shields, toalhas e guardanapos de pano foram banidos, garfos e talheres são esterilizados e embalados, o cardápio pode ser consultado no celular, a conta é paga por aplicativos – e não se preocupe: há álcool em gel por toda parte.

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Pesquisa exclusiva realizada por VEJA RIO, em parceria com o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro, ouviu 150 chefs e restaurateurs da cidade, mais da metade deles com pelo menos uma década de estrada, para saber como estão lidando com este novo normal. A boa notícia é que a imensa maioria (96,2%) aumentou os procedimentos de limpeza no salão para se proteger do vírus.

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(Redação/Veja Rio)

Em 75,9% dos casos, os estabelecimentos foram inclusive mais longe, investindo em equipamentos e procedimentos além dos exigidos por lei e que elevam a segurança à mesa. É evidente que tantas mudanças ao mesmo tempo produzem um impacto – seja nos negócios, cuja operação ficou mais cara, seja na experiência de pisar em lugares tão modificados pelas circunstâncias.

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Às vezes algo sutil, como a ausência do sorriso de boas-vindas do garçom, hoje escondido pela máscara, chama atenção. “São imagens que remetem em algum grau a um ambiente hospitalar”, compara o advogado Guto Braga, conselheiro da Academia Brasileira de Gastronomia, que está conformado: não tem jeito.

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Os donos de restaurante sabem que fazer essa lição é um exercício de cidadania obrigatório para manter o negócio vivo. “Temos um público mais velho que, para voltar, precisa estar muito confiante em nossas práticas de higiene”, reconhece Murilo Sena, gerente-geral do Rancho Português, em Ipanema, onde tapetes desinfetantes foram instalados na entrada e se faz limpeza à base de cloro no salão a cada duas horas.

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O salão do Bazzar: divisórias de vidro separam os clientes (Leo Lemos/Veja Rio)

No Bazzar, em Ipanema, fora dispensers de álcool em gel, máscaras para toda a equipe e mesas afastadas umas das outras – esse o menu básico para abrir as portas -, os clientes têm a temperatura aferida na entrada e são protegidos por divisórias de vidro. A rede Mamma Jamma, com cinco unidades na cidade, também adotou a barreira em policarbonato de cristal. Já o cardápio é eletrônico com sistema QR Code, tudo pensado para o contato humano ser o menor possível. “Se o consumidor quiser, ele só vai falar com o garçom para anotar o pedido”, conta o sócio Marcello Poltronieri.

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Na Mamma Jamma: app para acessar cardápio (Leo Lemos/Veja Rio)
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Restaurantes em todo o planeta estão se ajustando às necessidades postas pela nova realidade. Com dezenove operações em diversos países, o francês Daniel Boulud abriu uma área ao ar livre – outra iniciativa em alta nestes tempos – no requintado Daniel, em Nova York, e passou a servir refeições a preços mais em conta, esta uma adaptação exigida pela crise. “Sabemos que isso não será permanente. Queremos voltar ao padrão de antes, mas por ora não é possível”, afirma o chef e restaurateur.

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Segurança reforçada temperatura aferida na porta também na Mamma Jamma (Leo Lemos/Veja Rio)

E as mudanças no cenário não param por aí. Em cidades como Amsterdã, Londres e Madri vê-se proliferar o “modelo de bolhas”, como já começa a ser chamado. Cada mesa é isolada, em geral ao ar livre, por paredes transparentes, formando um ambiente individualizado. A ideia aportou no Rio neste mês, na Cidade das Artes, onde foi inaugurado o Sushi das Artes. Muito parecido com uma versão holandesa debruçada sobre canais, o novo espaço, que tem entre os sócios a apresentadora Fernanda Gentil e o empresário Felipe Palermo, consiste em trinta cabines preparadas para até quatro comensais, instaladas à beira de um lago. No interior das casinhas, os pedidos são feitos via aplicativo.

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Fernanda Gentil e Felipe Palermo: à frente do Sushi das ArtesQuem quiser ir ao banheiro poderá embarcar em um carrinho de golfe. “A ideia é colocar músicos tocando violino entre as cabines, promovendo uma experiência completa, segura e prazerosa”, conta Renata Monteiro, presidente da Fundação Cidade das Artes.

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Prepare-se também para cardápios mais enxutos: segundo a pesquisa, 55% dos estabelecimentos reduziram o número de pratos como medida para racionalizar os gastos, inflados nestes dias em razão dos novos protocolos. O número de opções no cardápio do gastrobar Nosso, em Ipanema, baixou de 26 para dezesseis ó e alguns preparos ganharam versões mais simples, a fim de otimizar os processos na cozinha. “Vamos nos moldando conforme a necessidade”, fala o chef e sócio Bruno Katz.

NOSSO – bar / restaurante
O polvo do Nosso: acompanhamentos simplificados (Leo Lemos/Veja Rio)

Nas cinco casas do Grupo 14zero3, chefiadas por Elia Schramm, a redução foi de 10% a 15%. “Tinha um prato de lagosta e outro de lagostim. Por ora, tiramos um deles”, exemplifica o cozinheiro. O menu na Casa Camolese, no Jardim Botânico, é outro que está mais compacto. “Foi preciso reorganizar as receitas de modo a utilizar o mesmo insumo em mais preparos”, conta Danni Camilo, gerente de operações. O bem-sucedido croquete de pato foi substituído, por exemplo, por recheios variados, sempre com um ingrediente da semana. Calma que isso tem um lado positivo. “Menus mais enxutos garantem aos consumidores alimentos mais frescos. Sem contar que, assim, as casas podem se dedicar às receitas em que realmente são boas”, aposta Guto Braga.

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O chef Elia Schramm: o menu ficou mais enxuto (Leo Lemos/Veja Rio)

As mesas cariocas, como as de tantos lugares do planeta, estão mais vazias, uma vez que muita gente ainda não resgatou o hábito de comer fora, preferindo ficar em casa para se proteger do vírus. Aquela refeição casual do dia a dia no restaurante virou um programa especial de fim de semana agora. Mais da metade dos estabelecimentos registra uma taxa de até 25% de ocupação. “Este é, de longe, nosso momento mais desafiador. Os negócios estão concorrendo com o medo, algo que não tem métrica, é individual e não se precifica”, analisa Cristiana Beltrão, à frente do Bazzar. Para a restauratrice, os anseios dos comensais mudaram. “Conceito e novidade andam perdendo terreno para segurança e credibilidade”, diz ela.

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Exemplo holandês: os “restaurantes-bolha” se popularizaram por lá (Getty Images/Reprodução)

Em muitos restaurantes, observa-se um vigoroso tilintar de talheres em prol da sobrevivência, mas outros sucumbiram à crise. Estima-se que, desde o início da quarentena, de 10% a 15% de bares e restaurantes tenham encerrado suas atividades na cidade. Entre eles estão Mosteiro, O Navegador, Puro e Pizzaria Bráz (da Barra). Mas o mercado não está parado. À frente de outras cinco operações, o chef Pedro de Artagão acabou de abrir um bar no Leblon.

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O tradicional Hipódromo, na Gávea, dará espaço a uma nova unidade do Brewteco, rede dedicada às cervejas artesanais com outras três unidades no Rio. O CT Brasserie, sob a batuta de Claude Troisgros, vai deixar o VillageMall e migrar para o Rio Design, no mesmo bairro. No Hotel Fasano, o Al Mare vira Gero, que, por sua vez, será reinaugurado em setembro. O imóvel de Ipanema, na Rua Aníbal de Mendonça, onde funcionava o restaurante desde 2002, seguirá com o grupo, sediando uma unidade do Gero Panini, mais descontraído, como ditam os novos tempos. “O mundo está vendo que o caminho é o da maior simplicidade, e isso não é só na gastronomia”, acredita Rogério Fasano.

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(Redação/Veja Rio)

Neste mundo tão mudado, dominar princípios de gestão será cada vez mais necessário para qualquer chef, conforme mostra a pesquisa de VEJA RIO: 84% dos profissionais do ramo acreditam nessa tendência. “A saúde financeira é tão importante quanto a elaboração de um menu. “Escolher ser cozinheiro hoje, portanto, é uma decisão que envolve mais do que se dedicar à comida”, explica Bruno Katz. Além do delivery, que entrou com tudo na vida do carioca nestes tempos de pandemia (81% dos pesquisados afirmam que continuarão a investir nele), o momento atual deixará outros legados. “O cuidado com higiene e segurança será cada dia mais valorizado. Trata-se de uma preocupação que veio para ficar”, diz Marcello Poltronieri, da Mamma Jamma. E assim vai se escrevendo mais um capítulo na saborosa história da gastronomia.

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(Redação/Veja Rio)
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