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Por que os torcedores do Flamengo estão divididos?

Decisões tomadas pela diretoria do clube, que insistiu em voltar aos campos durante a pandemia, estão longe de ser unanimidade entre os rubro-negros

Por Cleo Guimarães
Atualizado em 20 ago 2020, 12h10 - Publicado em 14 ago 2020, 07h00

Após algumas rodadas de almoços e reuniões com as autoridades, os dirigentes do Flamengo conseguiram o aval para a equipe voltar aos campos. Era 18 de junho quando o time enfrentou o Bangu no Maracanã na quarta rodada pelo Campeonato Carioca, que havia sido suspenso por causa da pandemia. Dentro do estádio, a vitória por 3 a 0 foi da tropa então comandada pelo técnico Jorge Jesus.

Do lado de fora, o placar era outro: enquanto transcorria a partida, duas mortes foram registradas no hospital de campanha montado ao lado. A pressa da diretoria do clube em retomar a competição com a curva do novo coronavírus ainda em elevação rachou a maior torcida do país. “O clube vem tomando caminhos estranhos. É triste se associar a esse tipo de comportamento, ao negacionismo, e sei que milhões de flamenguistas pensam como eu”, manifestou-se a ex-jogadora Isabel Salgado, o maior nome da história do vôlei rubro-negro, ao lado de Jacqueline Silva.

O time comemora o título no último campeonato carioca Marcelo Cortes / Flamengo (Marcelo Cortes/Divulgação)

À polêmica decisão de retornar aos gramados soma-se um outro episódio que vem reverberando entre os torcedores. Pouco mais de um mês antes do tal jogo contra o Bangu, a diretoria do Flamengo começou a pôr em prática medidas para contenção de gastos no clube – o mais saudável financeiramente do Brasil, com receita bruta de 950 milhões de reais em 2019, como atestou o balanço patrimonial auditado pela Ernst & Young.

O relatório foi apresentado em 31 de março, mostrando que não havia maiores preocupações nesse campo pelos próximos noventa dias, mesmo com a paralisação imposta pela pandemia.

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Passados apenas 46 dias, o Flamengo demitiu 62 funcionários, a maioria recepcionistas, seguranças, motoristas, roupeiros, fisiologistas e profissionais das divisões de base. “Toda empresa demite, faz parte. Mas é inaceitável que se faça isso sem necessidade e no meio de uma pandemia. O cenário é outro. Foi vergonhoso”, dispara o economista Sergio Besserman, ex- presidente do IBGE e um dos fundadores da Fla Diretas, a primeira torcida a surgir em defesa da redemocratização, no fim da ditadura militar.

Uma ala de torcedores viu nas dezenas de demissões falta de sensibilidade da atual diretoria, comandada pelo presidente Rodolfo Landim, 63 anos. Ex-engenheiro da Petrobras, ele deixou a estatal em 2006 para dirigir três empresas de Eike Batista, à época no auge, e mostrou que não teme brigas grandes: ao sair, alegou quebra de contrato e entrou na Justiça para cobrar 270 milhões de dólares do ex-patrão – o juiz deu ganho de causa a Eike. Eleito presidente do clube no fim de 2018, Landim levou para a Gávea sua experiência no mundo corporativo.

O ex-craque Tostão: “O Flamengo está gerando muita antipatia” (Alexandre Battibugli/Divulgação)

Sua gestão vem sendo marcada por incontestáveis vitórias em campo – e decisões polêmicas fora dele. Em agosto do ano passado, deu-se uma sincronia de fatos que deixou uma banda dos 43 milhões de torcedores ressabiados: enquanto se discutia a possível contratação milionária do jogador italiano Mario Balotelli, dirigentes faziam acrobacias jurídicas para adiar o início dos pagamentos de indenização aos parentes das vítimas do mais trágico episódio da história do Flamengo – o incêndio que matou dez atletas adolescentes e feriu outros três, em fevereiro de 2019, no centro de treinamento Ninho do Urubu.

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O Flamengo chegou a recorrer da decisão judicial que impôs pensão mensal de 10 000 reais para cada família. No total, daria um custo de 1,5 milhão de reais por ano. A história dos garotos do Ninho, que ainda está se desenrolando (até agora, o clube selou acordo com sete das dez famílias, em valores que mantém em segredo), reserva mais um capítulo: cinco dos sobreviventes, todos com idades entre 14 e 16 anos, foram dispensados pelo departamento de futebol menos de um ano após a tragédia.

Isabel Salgado, do vôlei: “O clube vem tomando caminhos estranhos” (Leonardo Aversa/Divulgação)

Ao justificar o afastamento dos rapazes, Landim disse: “Não vou intervir porque não é meu papel” – e citou critérios puramente técnicos para a decisão. “A diretoria precisa repensar certas atitudes, tem muita antipatia sendo gerada”, afirma o ex-craque Tostão, que escreveu seu nome na história do futebol na Copa de 70. “A impressão que dá é que o Flamengo quer passar como um trator por cima de todo mundo.”

Agora, com a crise sanitária, o clube reiniciou os treinamentos no Ninho do Urubu mesmo antes de receber o aval da prefeitura e do governo do estado. “Por que não voltar o futebol? Só porque a curva da pandemia é ascendente?”, perguntou Landim, ao ser questionado sobre a pressão que vinha fazendo nas esferas do poder pelo retorno às atividades. Na mesma tarde do jogo com o Bangu, outro lance: Jair Bolsonaro atendeu a um apelo de Landim, com quem havia se reunido no dia anterior.

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O presidente editou a Medida Provisória 984, que alterou provisoriamente a forma de comercialização dos direitos de transmissão do futebol brasileiro e estabeleceu ao mandante, o clube que sedia o jogo, a prerrogativa de vender as partidas – antes, os dois times em campo respondiam pela negociação. “É compreensível que o presidente do Flamengo defenda os interesses do clube com o presidente da República ou com quem quer que seja. É um mérito desta gestão saber lidar com os órgãos do poder”, pondera o sociólogo Ronaldo Helal, filho do ex-presidente do Flamengo George Helal.

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A articulação individual, uma jogada-solo sem conversa com outros clubes, não foi bem digerida. “Os times ficaram incomodados mais pela forma como tudo foi feito, sem diálogo, às escuras. Essa diretoria deveria se preocupar em construir mais pontes”, afirma o advogado Pedro Trengrouse, coordenador do curso de gestão de esportes da FGV.

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Mesmo com uma temporada vitoriosa, dinheiro em caixa e uma equipe despontando como uma das melhores da história do clube, internamente o Flamengo vive uma divisão na cúpula. É bem sabido que o diretor de relações internacionais, Luiz Eduardo Baptista, o Bap, não tem boa convivência com o vice-presidente de futebol, Marcos Braz. Conhecido pelo bordão “gelo no sangue”, por causa de sua frieza na hora de negociar, Braz é benquisto pelos jogadores, com quem mantém relação próxima, e admirado pela torcida em razão das contratações certeiras – entre elas, a do ex-técnico Jorge Jesus. A do atual treinador, o catalão Domènec Torrent, ex-auxiliar de Pep Guardiola, ainda está sob avaliação: o clube teve o pior início de campeonato brasileiro desde 1997, perdendo as duas primeiras partidas, sem marcar gol.

Os dois dirigentes se estranham há tempos e, ao que tudo indica, Rodolfo Landim está do lado de Bap, de quem sofre forte influência em sua gestão. “O que ele fala, o presidente assina embaixo”, diz um conselheiro do clube. Além das constantes quedas de braço com Braz, Bap tinha relação atribulada com Jorge Jesus.

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Chegou a pedir a cabeça do técnico na derrota por 3 a 0 para o Bahia em jogo do Campeonato Brasileiro, em agosto passado. O diretor de relações internacionais também não poupou críticas à escalação para a final do Mundial, em dezembro, contra o Liverpool. O técnico português, conhecido por não admitir interferências, não escondeu a irritação e recebeu o apoio de todo o time – e de Braz, o queridão da torcida e do estelar elenco rubro-negro.

É com esse clima de caldeirão nos bastidores que o Flamengo tenta repetir em 2020 a trajetória bem-sucedida do ano que passou.

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