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Uma nova geração de ceramistas cariocas redescobre a arte milenar

Numa busca que se equilibra entre o moderno e o belo, trabalhar com cerâmica requer tempo, paciência e uma boa dose de resiliência

Por Fabio Codeço
Atualizado em 14 ago 2020, 21h47 - Publicado em 14 ago 2020, 06h00

O processo começa com a modelagem da peça com a massa ainda maleável. Depois, é necessário esperar secar completamente para, então, levar ao forno em duas fases. A primeira transforma barro em cerâmica, quando ele se solidifica e não volta mais ao estado natural. A partir daí, ainda poroso, está pronto para receber o esmalte e retornar às altas temperaturas em um processo que pode levar um mês. Ufa.

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Como outras atividades manuais, a cerâmica requer tempo, paciência e boa dose de resiliência – nem sempre o resultado final se aproxima do planejado. “É uma atividade quase terapêutica, que a cada peça te desafia”, define a carioca Flor Bertarini, 32 anos, que há três montou um ateliê no Horto, onde produz acessórios de cozinha e outros utilitários em formatos minimalistas. Ela compõe uma jovem geração de ceramistas cariocas que trocou o emprego pelo prazer de buscar criações únicas com o barro.

Os ateliês vêm se espalhando pela cidade. Recentemente, pelo menos uma dezena abriu as portas exibindo os mais diversos estilos. À frente de um deles está Joana Toledo, 40 anos, que já aos 13 frequentava oficinas de cerâmica. Na hora de escolher a faculdade, porém, optou por psicologia, carreira que exerceu por uma década.]

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Fechar o consultório e investir definitivamente em cerâmica exigiu coragem e esforço para se atualizar. Há cinco anos, ela foi aprofundar os estudos em São Paulo, voltou e inaugurou o ateliê que leva seu nome, em 2017, em Botafogo. Ali, produz e vende, por encomenda ou pronta-entrega, peças que chegam a mesas de restaurantes como Naturalie Bistrô e Chez Claude. Como outros colegas, Joana também dá aulas. “Muitos chegam em busca de uma terapia, o que o trabalho manual proporciona em algum grau”, diz.

A ceramista ganhou impulso em um movimento que começou há cerca de dez anos, quando jovens chefs e restaurateurs antenados, baseados no Rio, passaram a ver a louça como parte essencial da experiência gastronômica ó e não mais apenas como mero recipiente. Aí o mercado para profissionais como Joana disparou. Quase não existem restaurantes contemporâneos na cidade sem um bom conjunto de louças de cerâmica, não raro confeccionadas sob medida.

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A quarentena tratou de dar novo empurrão aos ceramistas. Com tempo de sobra em casa, as pessoas passaram a valorizar mais os objetos de decoração. Criada no ano passado por Renata Curado, a coleção Recadinhos, de copinhos com dizeres como “vai passar” e “breathe” (respire, em inglês), ganhou significado renovado durante a crise sanitária. A ideia original era chamar atenção para aquele momento de pausa para o cafezinho.

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“Na pandemia, um cliente postou fotos dos copos, viralizou e os pedidos explodiram. Tenho feito cinquenta por semana e não estou dando conta da demanda”, celebra a designer, que abriu seu ateliê no início de março, dias antes do princípio da quarentena.

O tema também inspirou Katia Andrade, profissional de informática e aprendiz que, aos 58 anos, encontrou na cerâmica seu refúgio. Através de sua marca ela cria peças como os pratinhos quadrados que trazem marcados seus dias de confinamento. “A cerâmica me dá a liberdade de fazer o que vem à cabeça. Crio as peças seguindo minha intuição”, conta.

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A produção de objetos utilitários tem sido o caminho encontrado para quem quer empreender nessa área e ter retorno financeiro que lhe permita viver da cerâmica – atividade, aliás, cara. Um forno não custa menos de 17 000 reais e um torno (o equipamento que faz girar a massa para modelar) não sai muito mais barato do que isso. Sem falar no gasto com a luz elétrica que alimenta as longas fornadas. Ainda assim, proliferam profissionais que buscam na cerâmica um meio de expressão artística. Há oito meses, o fotógrafo Derek Mangabeira, 30 anos, participou de uma aula experimental no ateliê Cerami.k, no Humaitá, e foi fisgado.

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“Eu já trabalhava com arte em diferentes plataformas, mas foi a primeira vez que pude, de fato, manifestar de forma completa aquilo que estava pensando”, conta Derek, que criou a marca Abjeto. Ele desenvolve objetos inspirados na estética japonesa wabi-sabi, valorizando as imperfeições no processo criativo de esculturas e instalações.

Desde os primórdios da cerâmica, na pré-história, ela vem ganhando os mais diferentes usos e as mais diversas formas. A jornalista Camila Oliveira, 29 anos, dona da Ruta, marca que funciona em sua casa, no Flamengo se dedica à fabricação de anéis, brincos e colares artesanais. “Da modelagem manual à montagem, eu cuido sozinha de todo o processo”, fala a empreendedora, que toca uma produção pequena, grande parte dela de peças únicas.

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Há também nessa atuante geração carioca gente que se dobrou à cerâmica mais tarde. “Na quarentena, o que era hobby virou job e, pela primeira vez, me dediquei inteiramente ao ateliê”, diz a dentista, e agora ceramista em tempo integral, Rosana Bazzo, 51 anos.

Dona da Olaria Carioca, que funciona dentro de sua casa, em São Conrado, ela acaba de criar uma interessante linha decorativa a partir de descartes, cerâmicas quebradas, vidro fundido e madeira.

Muitos desses artistas em algum momento se esbarraram em um mesmo endereço: o número 732 da Rua Lopes Quintas, no Jardim Botânico. Foi dali, do ateliê de Alice Felzenszwalb, que saiu grande parte da turma atual. Formada no Art Institute of Chicago e na ativa desde 1972, Alice é mentora de nomes consagrados da cerâmica contemporânea brasileira, como a dupla Gilberto Paim e Elizabeth Fonseca.

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Com toda a experiência, ela faz uma ressalva aos recém-chegados. “Observo muita gente que, em seis meses, já começa a vender e passa a terceirizar todas as etapas. A cerâmica requer estudo e alta dedicação pessoal”, ensina a professora da técnica milenar, que remonta ao período neolítico. Por sua durabilidade e resistência (o material é usado até em peças de ônibus espaciais), ela traz registros de civilizações que viveram milhares de anos antes da era cristã, utilizando os objetos de barro como vasilhames para armazenar água e alimentos.

A evolução da cerâmica ao longo dos séculos — até os dias de hoje — proporciona uma viagem única pelo belo.

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