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Jovens músicos cariocas fundam república artística durante a pandemia

Dora Morelenbaum, João Gil, Julia Mestre, Lucas Nunes e Zé Ibarra ficaram imersos um mês no mesmo endereço. O resultado: canções e discos promissores

Por Pedro Tinoco
Atualizado em 14 ago 2020, 21h35 - Publicado em 14 ago 2020, 06h00

Acalanto nas noites da quarentena, as lives da cantora Teresa Cristina costumam abrir espaço para surpresas musicais. Seu público no Instagram é frequentemente apresentado a talentos como a pernambucana Silvia Borba e a paulistana Raquel Tobias, e não raro brindado com visitas do calibre de Caetano Veloso e Chico Buarque. Em julho, Teresa e plateia se encantaram com uma garotada carioca que passou parte da quarentena sob o mesmo teto produzindo freneticamente. Sempre anunciada com aquele sorrisão da anfitriã e o bordão “minha comunidade hippie”, a turma participou da live mais de uma vez, a pedidos.

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Suas aparições chamaram atenção para uma doce e proveitosa aventura: os amigos Dora Morelenbaum, João Gil, Julia Mestre, Lucas Nunes e Zé Ibarra ficaram imersos um mês no mesmo endereço, em uma rotina que se intercalava entre faxina, cozinha e muita música boa. A temporada acabou, mas deixou frutos que você talvez vá gostar de ouvir.

João Gil e Júlia Mestre: casal sincopado (Arquivo Pessoal/Arquivo pessoal)

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Hippies mesmo eram os Novos Baianos. Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Baby Consuelo & cia viveram juntos por anos, na década de 70, primeiro amontoados num apartamento em Botafogo e, depois, no Cantinho do Vovô, sítio em Jacarepaguá. “Esse apelido de comunidade hippie é piada da Teresa e a gente entrou na brincadeira”, conta Dora Morelenbaum, 24 anos, que avalia: “Aparecer nas lives foi uma experiência muito legal”.

A “comunidade” começou a ser formada no fim de junho, quando os pais de Julia Mestre, 24, trocaram  temporariamente o apartamento da família em Copacabana por um recanto na serra. Ela teve então a ideia de convocar os amigos. “Topei na hora”, lembra Zé Ibarra, 23, que viu ali a chance de retomar os trabalhos com Lucas Nunes, 24, seu companheiro na banda Dônica. “Precisávamos estar juntos para acabar o segundo disco da banda, e a pandemia tinha complicado as coisas”, diz Zé.

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Próximos desde a infância, colegas de turma na Escola Parque, Lucas, Dora (que é sua namorada), Zé e Julia começaram a quarentena coletiva em 21 de junho ó João Gil, 30 anos, namorado de Julia e íntimo dos demais recém- chegados, não precisou de maiores incentivos para aderir. Alguns dos sobrenomes no grupo dão pistas sobre a origem do pendor musical do quinteto. Dora é filha da cantora Paula e do violoncelista Jaques Morelenbaum.

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O casal, prestigiado em palcos e estúdios, integrou por anos a Banda Nova, grupo que acompanhava o maestro Tom Jobim. João é neto de Gilberto Gil. Faz inclusive aniversário no mesmo dia que vovô, 26 de junho, e integra, com o tio José e o primo Francisco, o trio Gilsons. Muito pela atuação na Dônica (banda em que tocam com Tom Veloso, Miguel Góes e Felipe Larrosa Moura), Zé Ibarra e Lucas Nunes são os artistas mais conhecidos entre os amigos unidos no isolamento. Julia, a anfitriã, tem cara de menina, mas trajetória de gente grande: lançou o EP Desencanto em 2016, teve uma composição sua (Love Love) cantada por Ivete Sangalo no Carnaval e, no ano passado, veio com o disco Geminis, coleção de canções suaves e incisivas, na qual sobressai Mudar o Mundo.

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Com os donos da casa longe, os cinco montaram à sua maneira o cenário ideal – ou a própria bagunça, dependendo do ponto de vista. No imóvel de três quartos, o ambiente onde dormiam os pais de Julia virou um estúdio caseiro. A cama foi levantada para dividir o espaço: de um lado a ilha, com os equipamentos; do outro, a captação do som e os instrumentos.

“A gente trocava ideias, conversava sem parar sobre som, sugestões de disco, e o Zé sempre reclamava, já que a discussão na sala, onde ela dormia, avançava pela madrugada”, entrega Lucas, o homem dos múltiplos instrumentos (o tecladista e guitarrista, além de dominar técnicas de gravação, revelou-se “o cara da limpeza” e um craque no preparo de pudim, brigadeiro e outras doçuras).

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Regras de convívio foram acertadas. “A combinação era não sair do apê. Quando alguém tinha que descer para resolver alguma coisa, na volta passava pela sala do descarrego, a despensa ao lado da máquina de lavar, onde tirava a roupa, o sapato da rua, e partia para o banho”, fala Julia. Dora, vegetariana, se apoderou da cozinha, não sem enfrentar alguma resistência. “Teve treta, mas Dora Morelenbaum é grande mestre-cuca e assumiu bem o papel. Acabamos aderindo a seu menu, mas sei que Julia comeu pelo menos um bife escondido”, entrega João, com ar sério que não disfarça a ironia.

Entre tantas tarefas, sobrou bastante tempo para a música. Além do trabalho artístico de cada um, a estada inspirou a criação do coletivo Lambe Lambe. “Tocamos sanfona, flauta, piano, saíram algumas músicas, não sei se um dia virão à tona. Foi interessante, a gente fingiu que era alguma coisa. “Às vezes, fingindo assim, acaba sendo”, devaneia Zé Ibarra.

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Zé e Lucas cumpriram o desafio de finalizar o segundo disco da Dônica, após mais de dois anos de idas e vindas. O álbum Hoje, Ontem está pronto, à espera de condições normais de temperatura e pressão para ser lançado. Dora, dona de impecável voz de passarinho, terminou seu disco de estreia, Vento de Beirada, com produção de Lucas e arranjos do pai, Jaques Morelenbaum.

Dora Morelenbaum: aos 24 anos, primeiro disco pronto (Arquivo pessoal/Arquivo pessoal)

Julia jogou nas redes, em 31 de julho, o clipe de uma nova canção, Cores e Nomes, com participação de Dora nos vocais, Lucas nos teclados, João na produção, e do próprio apê, em certas cenas. João Gil reencontrou o tio José e o primo Francisco – o trio Gilsons já fez até show em um drive-in -, e Lucas ainda foi convocado a voltar ao estúdio para um trabalho com Caetano Veloso.

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Foi no apartamento de Copacabana onde morava a adolescente Nara Leão, nos anos 1950, que germinou a bossa nova. No sítio em Jacarepaguá, em que os músicos do grupo Novos Baianos formaram uma autêntica comunidade hippie, foram gestados o disco Acabou Chorare, de 1972, e um punhado de clássicos da MPB. A experiência de Dora, João, Julia, Lucas e Zé foi mais breve e seus efeitos no cancioneiro ainda serão sentidos.

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Mas não duvidem do potencial da trupe. São boas mostras do que eles são capazes as canjas nas lives de Teresa Cristina salvas no Instagram. No dia 9 de julho, em tributo a Moraes Moreira, que morreu neste ano, a turma entoou Cosmos e Damião, dos Novos Baianos. Dois dias mais tarde, eles voltaram a atacar na homenagem de Teresa a Tom Jobim.

Zé Ibarra e João Gil: parceria entre os músicos das bandas Dônica e Gilsons (Arquivo pessoal/Arquivo pessoal)

A galera entrou em cena com Zé Ibarra, voz e violão, interpretando Eu Sei que Vou Te Amar. Depois, também nos vocais e nas cordas, Julia e Dora resgataram Esperança Perdida, preciosa parceria de Tom com Billy Blanco, de 1955. Teresa Cristina, a anfitriã das lives, resume assim o que sente quando ouve essa nova geração: “É uma sensação de que o Brasil está salvo”. Tomara!

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