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Médica carioca deu destaque ao Brasil na corrida pela vacina da Covid-19

Aos 52 anos e diretora do Instituto de Saúde Global da Universidade de Siena, na Itália, Sue Ann Clemens esclarece de onde vem seu otimismo

Por Pedro Tinoco
Atualizado em 17 set 2020, 16h04 - Publicado em 14 ago 2020, 06h00

Na Itália, a médica carioca Sue Ann Clemens, 52 anos, dirige o Instituto de Saúde Global da Universidade de Siena, onde dá aulas e criou o primeiro curso de mestrado em vacinologia. Era maio deste ano e, como consultora sênior da Fundação Bill & Melinda Gates, ela estava de viagem marcada para o Panamá – tomaria parte de discussões sobre a erradicação da pólio naquele país. Tinha outras reuniões agendadas no Japão, na Coreia do Sul e nos Estados Unidos. Antes do périplo, faria uma escala no Rio de Janeiro.

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E fez. Mas os planos se embaralharam por causa da pandemia e a temporada na cidade se estendeu. Em 5 de maio, Sue Ann recebeu um telefonema do colega Andrew Pollard. Coordenador de pesquisas da Universidade de Oxford para o desenvolvimento de uma das mais promissoras vacinas contra a Covid-19, ele lhe fez um daqueles convites irrecusáveis: conduzir uma parte dos estudos clínicos do imunizante no Brasil. “Vim, como faço no início do ano, para matar a saudade e lecionar no Instituto Carlos Chagas. O professor Andrew brinca, dizendo que dei sorte de estar por aqui”, conta a médica.

O pesquisador da prestigiada universidade inglesa sabia com quem estava falando. Quarenta dias após sua ligação, os estudos começaram no centro de triagem e testes ligado à Universidade Federal de São Paulo. Em 3 de julho foram abertas as instalações no Rio e, duas semanas mais tarde, chegou a vez de Salvador.

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A montagem das três estruturas, erguidas à custa de investidores privados (a Fundação Lemann, em São Paulo, e o Instituto D’Or, no Rio e na Bahia), e a obtenção da autorização da Anvisa foram alguns dos feitos em tempo recorde capitaneados por Sue Ann. A previsão é de que 5 000 voluntários participem dos testes brasileiros da vacina de Oxford – 1 500 deles no Rio.

O Brasil foi o primeiro país fora do Reino Unido a abrigar a fase 3 do estudo clínico em humanos, quando a eficácia da fórmula é observada em um número elevado de pessoas. O estado de emergência mundial não levou os pesquisadores a queimar etapas, mas os fez pisar no acelerador. Prognósticos mais otimistas permitem imaginar que, se tudo acontecer como o esperado, a vacina de Oxford poderá ser liberada para aplicação até meados de 2021, algo impressionante – o período de quatro anos para o desenvolvimento da vacina contra a caxumba foi o mais curto registrado até hoje.

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A fórmula da universidade inglesa, uma das mais adiantadas entre cerca de 160 projetos similares em andamento, é uma plataforma de vetor viral (partículas inativadas do vírus que provoca a doença penetram no organismo do paciente de carona em um inofensivo adenovírus). A instituição havia usado esse método contra outro tipo de coronavírus, responsável pela epidemia de Mers, o que também ajudou a ganhar tempo. Uma parceria de Oxford com a multinacional farmacêutica AstraZeneca já deu início à produção. “A companhia está fabricando no risco, para abastecer os testes clínicos e poder fazer uma distribuição em grande escala assim que houver autorização”, explica Sue Ann.

O Brasil tornou-se um atraente campo para testes por triste circunstância – a elevada incidência da doença -, somada ao fato de cumprir rapidamente os pré-requisitos necessários à pesquisa. “A oferta surpreendente de voluntários, a pronta resposta das empresas financiadoras, os esforços da Anvisa e de outras instâncias públicas para dar celeridade aos trâmites, tudo desta vez conspirou a favor”, comemora Sue Ann, que estendeu a permanência em sua casa no alto do Jardim Botânico ao lado do marido, o médico alemão Ralf Clemens, outro perito em vacinologia.

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“Tínhamos de incluir o Brasil nessa história para garantir o acesso à vacina”, ela explica. No centro de testes carioca, ocorrem triagem, coleta de sangue e a vacinação. O processo de auditoria é constante, para que todos os dados apurados estejam de acordo com as normas internacionais. “Todos os dias temos reuniões de clínica e logística e muitas conversas com a equipe de Oxford, que monitora a base. A preocupação com rigor da informação, confidencialidade e segurança é enorme”, conta a doutora.

Nascida e criada em Laranjeiras, onde passou a infância nos parquinhos do Palácio Guanabara e do Parque Guinle, Sue Ann Costa Clemens foi assim batizada para facilitar a vida de parentes americanos. Ela se lembra com ternura de um microscópio que ganhou de presente (“outro dia fui procurar e não achei”) e das temporadas na fazenda no interior paulista, onde acompanhava a avó em caçadas a cobras.

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“Ela recebia do Instituto Butantan caixas especiais para guardar as cobras, a gente se embrenhava no mato e minha avó as pegava, sem medo algum, para enviá-las ao instituto. Dizia que fazia isso para salvar vidas”, conta. Logo chegaria a vez da neta. Formada em medicina na Universidade Souza Marques, com mestrado na UFF e doutorado na Unifesp, onde atua como pesquisadora, Sue Ann fez uma bem-sucedida carreira internacional, até se estabelecer na Itália, onde vive há treze anos – tem também casa na Alemanha e, mais recentemente, arrumou um “cantinho” em Portugal.

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Em meio a tantas incertezas, ela, uma devota da ciência, enxerga o futuro com esperança. “Estudos na Alemanha, de três, quatro anos atrás, apontavam que a próxima epidemia viria do coronavírus. A surpresa foi a pandemia, mas a resposta da ciência está sendo rápida. A descoberta do vírus se deu em dezembro de 2019 e, em abril de 2020, a vacina de Oxford já estava na fase 1, a primeira dos testes com humanos”, frisa.

Como consultora e, já em tempos de Covid-19, empossada chefe do comitê científico da Fundação Bill & Melinda Gates, Sue Ann vai ajudar a pôr de pé mais quinze centros de testes na América Latina (alguns no Brasil), para a realização de testes clínicos de outras vacinas anti-Covid que chegarão à fase 3 nos próximos meses.

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“É preciso haver uma coalizão entre os países. O Brasil pode ter protagonismo na produção mundial, através das estruturas da Fiocruz e do Instituto Butantan”, aposta. Se tudo der certo, a próxima visita da doutora Sue Ann ao Rio será bem mais tranquila.

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