O emocionante reencontro entre avós e netos após a vacina contra a Covid
Imunizados, idosos experimentam a volta à vida fora de casa e relatam a intensidade de rever familiares dos quais ficaram separados por longos meses
Ao se instalar entre nós, a pandemia chacoalhou o planeta em proporções inéditas, provocando mudanças desde o modo como as pessoas produzem até o jeito como vivem e interagem. No campo específico dos afetos, o abraço apertado ou aquele beijo com que o brasileiro sela o ato de se cumprimentar — às vezes com um, dois ou até três deles — passaram ao rol dos gestos a ser evitados em prol da proteção individual e coletiva.
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Aí a inventividade humana fez nascer o “oi” com toque de cotovelos e até um de pé com pé, nada à altura do bom e velho toque. Sobretudo para os mais velhos, inicialmente os mais vulneráveis à força destrutiva do vírus, o isolamento virou questão de sobrevivência básica — e inaugurou-se um longo inverno sem encontros, em que os avós penaram sem ver os netos ao vivo e em cores, muitos em plena fase do desabrochar para a vida. Felizmente agora, a imensa maioria acima dos 60 anos, imunizada, já respira aliviada, ainda que cercada dos cuidados que a situação segue impondo.
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No Rio, até meados de maio, 97% dos idosos já haviam recebido a primeira dose da vacina e metade passara pela agulhada final. “Tive uma emoção que nunca havia sentido antes, sem exagero. A esperança voltou”, comemora a atriz Zezé Motta, de 76 anos, que, sim, experimentou o deleite do reencontro com os netos.
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A imunização de Zezé, orgulhosa portadora das duas doses carimbadas na carteirinha de vacinação, trouxe de volta parte de sua velha rotina e, com ela, os dois netinhos. “Eu sempre fui aquela avó que faz todas as vontades das crianças. Ficar afastada esse tempo todo foi muito difícil, triste mesmo”, reconhece a atriz, que recorreu às onipresentes videoconferências para continuar em contato com o mundo exterior. “Testemunhei o veloz crescimento da Pérola, hoje com 2 anos, em uma tela de computador”, fala Zezé.
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Celulares e computadores, à sua maneira, se tornaram palco de reuniões, encontros de parentes e amigos, festas de aniversário e de casamento — um paliativo na busca de algum calor humano, que se escasseou. E o afastamento físico pesou nas duas pontas da pirâmide etária.
“O único jeito de ver minha avó sem risco era por vídeo. Contei nos dedos o prazo da segunda dose para poder estar pertinho dela de novo”, relata a atriz Juliana Paes, 42 anos, sobre o doce reencontro com dona Íris Couto, 96, que sofre de Alzheimer e vive em Niterói, aos cuidados de Regina Célia, de 66, mãe da artista, também imunizada. “Ela nem é chegada num chamego, mas a saudade era tanta que a primeira coisa que minha avó disse quando me viu foi: ‘Te amo’. Meu coração derreteu”, desabafa Juliana.
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Como 75% das vítimas da Covid-19 no Rio têm acima de 60 anos, o avanço da imunização contra o vírus representa a possibilidade real e segura para que a turma dessa faixa volte a encontrar parentes mais próximos e receber afagos que, como nunca, se mostram tão valiosos. Para que o retorno ao contato olho no olho não leve a mais contágio, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) divulgou, em março, um guia com diretrizes voltadas aos idosos vacinados.
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Segundo os especialistas, duas semanas após a derradeira espetadela é possível visitar ou ser visitado por pessoas não vacinadas, desde que elas não possuam nenhuma comorbidade — ou seja, consideradas de baixo risco para o desenvolvimento de formas graves da doença. Mas máscaras e distanciamento são uma proteção ainda bem-vinda.
“Reencontros já são possíveis, mas aconselho que haja o menor número de pessoas e que ocorram em lugares bem ventilados”, frisa a presidente da Sociedade de Infectologia do Rio de Janeiro, Tânia Vergara. “No Brasil, ainda estamos num patamar alto de infecções e mortes. Temos de fazer a nossa parte para evitar a propagação do novo coronavírus”, lembra a médica.
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A agência americana CDC recomenda que reuniões que incluam idosos vacinados devam juntar até dez pessoas, sempre de um mesmo núcleo familiar.
A regra vem sendo aplicada até com mais rigor pela atriz e cantora Jéssica Ellen, 28 anos: os demorados almoços que no início de 2020 registravam dezenas de primos e tios na casa da avó Madalena Pereira, de 79 anos, se resumem hoje a modestas reuniões de, no máximo, três convivas. “Não é como antes, mas certamente é melhor do que nada”, resigna-se a atriz, que viu um fosso se abrir entre ela e dona Madalena. “Sempre fomos muito conectadas e, na pandemia, a diferença de gerações se revelou. O celular dela nem câmera tem, era difícil saber como ela estava. Agora ganhamos um pouco de liberdade”, diz Jéssica, que retomou as idas à casa da avó, devidamente imunizada.
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A crise pandêmica também não deu trégua ao ator Luis Lobianco, 39 anos, e sua avó Izabela Aguiar, 98. Por causa da idade avançada e da audição comprometida, ela não se adaptou às chamadas por vídeo. “Até insisti por um tempo, mas não deu”, ele conta. Apesar da extrema lucidez de dona Izabela, Lobianco teve receio de que se sentisse abandonada e caísse em melancolia. “A vacina foi a salvação, pra ela e pra mim, estava sentindo uma falta gigantesca”, reconhece o ator, já sonhando longe, com um rega-bofe para celebrar o centenário da matriarca, em 2023.
A preocupação dos jovens com a geração mais velha, que em boa parte ficou radicalmente quarentenada, se justifica. Mesmo antes de a pandemia exibir sua face, solidão, desamparo e, consequentemente, depressão já eram males que rondavam esse grupo. A última Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE, de 2019, mostrou que a doença atinge 13,2% dos brasileiros entre 60 e 64 anos — justamente a faixa com mais infectados pelo novo coronavírus. A necessidade do distanciamento social naturalmente acentuou o problema.
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De acordo com um estudo publicado no ano passado na revista britânica The Lancet, o isolamento é um fator de risco para doenças físicas e mentais em pessoas acima dos 65 anos, elevando a probabilidade de ansiedade, doenças cardíacas e AVC. “Precisei recorrer a sessões de terapia on-line e a muita oração para manter a fé viva”, diz Zezé Motta. Muito ativa, antes ela mal sossegava no Rio, fazendo shows por todo o país. Do dia para a noite estava trancada em casa, perdeu a mãe de 95 anos e diversos amigos para o vírus — e ainda viu formar-se uma barreira entre ela e os netos de 2 e 11 anos. “É duro demais para o coração de uma avó”, enfatiza.
Se em certo ponto da pandemia a metade dos idosos cariocas relatou sensação de tristeza ou mesmo depressão, em uma pesquisa promovida pelo Instituto de Comunicação e Informação em Saúde, da Fiocruz, agora as estatísticas caminham em outra direção — e isso é bom. “O retorno gradual às atividades sociais e a retomada do contato com familiares vão impactar na qualidade de vida e no bem-estar da maior parte dos idosos, tanto no aspecto físico como no mental”, avalia o médico Felipe Sudo, especialista em psicogeriatria.
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Uma sensação que Cristina Torres, 75 anos, começou a experimentar bem recentemente, após os quinze dias da segunda dose da CoronaVac. “Foram meses sem sair de casa, acenando para os vizinhos da varanda e falando com a família pelo celular”, rememora a professora aposentada, que passeava pela Nova Zelândia quando a quarentena foi decretada no Brasil. Ao aterrissar no Galeão, rumou direto para o isolamento, literalmente, no apartamento em que mora sozinha, em Laranjeiras. “A injeção foi a minha recompensa. Poder reunir meus netos novamente e vê-los animados e felizes me enche de vida e planos”, festeja.
O período de afastamento foi igualmente doloroso para as crianças. Absortas por telas das mais variadas — de smartphones, computadores e TVs — desde a eclosão do vírus, elas têm maior capacidade de adaptação, mas, por outro lado, não lidam tão bem com rupturas que signifiquem uma guinada na rotina. Ainda mais quando se trata de entes tão próximos e afetuosos, acostumados a entretê-los e abraçá-los. “Os avós existem para dar carinho e acolhimento. E, hoje em dia, eles têm muito mais energia, conseguem acompanhar o cotidiano dos netos, participam de várias atividades. Além de reforçar os vínculos familiares, essa relação só traz benefícios para ambos os lados”, explica o psiquiatra infantil Fabio Barbirato.
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Os cinco netos da professora aposentada Cristina Torres estão bem cientes de quão precioso é tal laço. “É muito bom saber que a casa dela está aberta de novo. Foi chato ficar afastado e, agora, não queremos mais sair de lá”, ressalta Felipe Torres, 14 anos, que faz coro com os primos Maria Eduarda, 16, Rafael, 13, Arthur, 7, e Luiza, 6.
No Brasil, não há cidade com maior concentração de habitantes acima dos 60 anos que o Rio de Janeiro. Esse contingente cresceu 47,5% na última década, alcançando 1,5 milhão de pessoas, enquanto o grupo que compreende crianças e jovens de até 19 anos recuou 15,3% e possui menos gente — 1,4 milhão de cariocas, segundo números divulgados em outubro pela consultoria de marketing e negócios SeniorLab em parceria com o IBGE.
Em outra frente, o IBGE lançou dados que serviram de base para o estudo Impactos Sociais da Covid-19, da FGV Social, que concluiu que, por ser uma cidade turística, era natural que o vírus se espalhasse como rastilho de pólvora em terras cariocas, afetando nos primeiros tempos, majoritariamente, a turma mais velha e vulnerável à doença. O descuido na largada em relação à testagem os deixou em situação ainda mais delicada. “Nossos idosos ficaram desprotegidos. Apenas 12% das pessoas acima dos 60 passaram por testes de detecção do novo coronavírus no último ano”, destaca o economista Marcelo Neri, da FGV Social, que pondera: “Se por um ângulo a pandemia foi devastadora no Rio para essa faixa etária, por outro, mais otimista, a vacinação é agora promissora para essas pessoas”.
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Os efeitos da vacinação são perceptíveis em países como Israel e Estados Unidos, onde a flexibilização das atividades tem avançado de forma gradual em meio a índices controlados de contaminação. Apesar de as curvas ainda oscilarem e o ritmo da vacinação ser aquém da demanda — no Rio e no restante do Brasil —, a morte de cariocas entre 80 e 89 anos retrocedeu quase 65% de dezembro passado a março de 2021, de acordo com a ONG Impulso Gov, com base em dados do Registro Civil.
A Secretaria Estadual de Saúde mostra também que, entre março e abril, a proporção de idosos com mais de 70 anos internados por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) respondeu por 27,3% das hospitalizações, abaixo dos 34,6% de antes da vacinação. “Confesso que estava com tanta saudade do meu neto que tomei a vacina e fui encontrá-lo. Não vejo a hora de voltar a passear de mãos dadas no shopping e ir ao cinema. Ele é meu companheirinho da vida”, define a secretária aposentada Rita de Medeiros, 73 anos, avó de Davi, de 7, que ainda busca manter uma cautelosa rotina contra a Covid-19. “Senti tanta falta que chegava a acariciar o rostinho dele pelo celular, mas o telefone jamais vai substituir um cheiro no cangote”, diz.
Mesmo com os bons resultados trazidos pela imunização, especialistas são unânimes em afirmar que desafios persistem no horizonte. Novas e mais severas variantes do vírus circulam na cidade e vêm atingindo adultos jovens de maneira muito mais frequente que na primeira onda. “As vacinas reduzem as formas graves da doença e os óbitos, mas as pessoas imunizadas podem se infectar e transmitir o coronavírus.
Precisamos ter uma cobertura maciça para relaxar com as medidas de proteção individual”, defende a médica Tânia Vergara, que acha prudente, por ora, manter o cotovelo com cotovelo no lugar de beijinhos e abraços — e as máscaras. A estimativa é que a proteção coletiva contra o novo coronavírus aconteça quando cerca de 160 milhões de brasileiros, entre 70% e 80% da população, estiverem vacinados.
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Até lá, é seguir regiamente as recomendações, desfrutando as pequenas e prazerosas liberdades que o momento permite. “Agora que já tomei as duas doses, só penso nas tardes livres que terei com os meus netos”, suspira Zezé Motta. Eles e os outros pimpolhos que ficaram privados de tão incondicional amor só têm a ganhar. Como cunhou o escritor americano Alexander Haley (1921-1992): “Os avós salpicam uma espécie de pó estelar sobre a vida das crianças”.