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Acervo de Vinicius de Moraes revela seu minucioso processo de criação

Guardados na Casa de Rui Barbosa, mais de 11 000 documentos reunidos pelo compositor por décadas chegam à internet

Por Pedro Tinoco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 21 Maio 2021, 19h45 - Publicado em 21 Maio 2021, 06h00

Marcus ainda não tinha 10 anos quando, em 1922, lançou o jornal O Mexerico. Era o redator-chefe da publicação, uma brincadeira editada a lápis e dividida com os três irmãos, Lygia, Laetitia e Helius. Quase três décadas depois, em 1949, trabalhando como diplomata e lotado em Los Angeles, nos Estados Unidos, ele recebeu uma carta simpática de Charles Chaplin, com elogios para a primeira edição da revista Filme, fundada pelo poeta. Tanto o registro da infância quanto a mensagem de um dos maiores astros da história do cinema foram preservados com desvelo, atravessaram décadas e agora vão ganhar o mundo no Acervo Digital Vinicius de Moraes.

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Com lançamento previsto para 27 de maio, o site acervo.viniciusdemoraes.com.br, desenvolvido pelos herdeiros, disponibilizará mais de 11 000 documentos manuscritos ou datilografados que, desde fins dos anos 1980, foram doados e catalogados nos arquivos da Fundação Casa de Rui Barbosa, em Botafogo. Cartas, esboços de letras de clássicos mundialmente conhecidos da MPB e muitos poemas de amor, além de originais de peças teatrais, roteiros de cinema e livros, compõem o rico e multifacetado legado deixado por Marcus Vinitius da Cruz de Mello Moraes (1913-1980).

Obras em progresso: as letras rabiscadas de músicas como Tarde em Itapoã, Pela Luz dos Olhos Teus e Insensatez -
Obras em progresso: as letras rabiscadas de músicas como Tarde em Itapoã, Pela Luz dos Olhos Teus e Insensatez – (./Reprodução)

Eterno parceiro de Tom Jobim, com quem compôs o hino Garota de Ipanema (a segunda canção mais executada da história, atrás apenas de Yesterday, dos Beatles), fundador da bossa nova, entre outras bossas, Vinicius (ele trocou o “t” pelo “c” no sobrenome aos 9 anos) ganhou popularidade como poeta boêmio: sempre com o cigarrinho em uma mão e o uisquinho na outra. O monumental acervo, que tratou de guardar por décadas na casa da família, na Gávea — no início com a ajuda fundamental de sua irmã Lygia —, revela um personagem mais complexo que o da imagem acima. “Ele escreveu muito, trabalhou muito. O trato com a palavra é um ofício duro, não basta acordar inspirado para fazer um soneto”, frisa a cineasta Julia Moraes, neta do poeta e coordenadora do projeto.

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Não à toa, o precioso arquivo joga luz sobre seu cuidadoso processo de criação, detalhista ao extremo. Entre as 266 letras de música presentes estão manuscritos rabiscados e anotados de clássicos como Insensatez, com Tom Jobim, Tarde em Itapoã e Pela Luz dos Olhos Teus, ambas com Toquinho, seu último parceiro, 33 anos mais novo — uma das qualidade de Vinicius estava justamente aí, se renovar de tempos em tempos, interagindo com diferentes gerações e reinventando suas inspirações.

Cartas preciosas: afago do amigo Pablo Neruda e agradecimento de Charles Chaplin -
Cartas preciosas: afago do amigo Pablo Neruda e agradecimento de Charles Chaplin – (./Reprodução)

De Canto de Ossanha, glorioso afrossamba da parceria com Baden Powell (1937-2000), há quatro versões, que vão mostrando o desenrolar minucioso das mudanças até a canção final e agora se abrem nas telas de celulares, computadores e tablets. Xará do tio-avô, o designer Marcus Moraes participa do projeto do Arquivo Digital Vinicius de Moraes como coordenador técnico. “A casa da Gávea era o porto seguro. Quando voltava de viagem ou se separava, entre seus nove casamentos, ele caía lá na Rua das Acácias. Jantava com a mãe e deixava os caderninhos na garagem”, revela o sobrinho-neto. “Esse acervo é significativo porque ele guardou o que achava mais precioso”, completa.

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O tesouro a caminho da web registra em 1948 as primeiras menções a uma “peça negra” — Orfeu da Conceição, marco inaugural da parceria entre Tom e Vinicius, ganharia o palco em 1956. Também foi preservado o roteiro decupado de Orfeu Negro (1959), o filme do francês Marcel Camus que, inspirado na obra de Vinicius, levou o Oscar de produção estrangeira e a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Ainda há cartas, muitas cartas. Na correspondência de poeta para poeta, ele guardou 41 missivas trocadas com Manuel Bandeira (dezesseis dele, 25 do autor de Vou-me Embora pra Pasárgada). Pediu conselhos pelo correio a outro mestre, João Cabral de Melo Neto, e dividiu afagos com o amigo chileno Pablo Neruda. Dos parceiros musicais, o arquivo traz sete cartas de Tom, duas de Baden, dez de Carlos Lyra e oito de Antônio Maria.

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O diplomata na sede da Unesco, em Paris, 1963: “Vinicius escreveu muito, trabalhou muito” -
O diplomata na sede da Unesco, em Paris, 1963: “Vinicius escreveu muito, trabalhou muito” – (VM Cultural DR/Divulgação)

Para um apaixonado por cinema, as mensagens de Chaplin e do cineasta Orson Welles deviam soar como troféus, devidamente guardados pelo poeta. “Alguns herdeiros hesitam em liberar as obras e acham que assim defendem seus direitos autorais. Na verdade, a divulgação aumenta a exposição do trabalho e isso é benéfico em vários aspectos”, diz Rosângela Florido Rangel, chefe do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, que abriga na Fundação Casa de Rui Barbosa acervos de inúmeros luminares da cultura nacional. A lista vai do simbolista Cruz e Souza a Clarice Lispector, passando por Antonio Callado, Carlos Drummond de Andrade e Machado de Assis.

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No novo site, os documentos de toda uma vida reunidos por Vinicius de Morais vão ganhar ainda a companhia de uma série de podcasts sobre sua obra, além de um minidocumentário dedicado ao processo de pesquisa e digitalização desse extenso retrato de uma das fases mais profícuas da cultura brasileira. Vinicius vive. No ano passado, no lançamento da encíclica Fratelli Tutti, carta do Papa Francisco aos católicos, o pontífice citou “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”. Trata-se de um conhecido verso de Samba da Bênção, composição do poeta com Baden Powell. O mergulho em seus arquivos pode trazer outros ensinamentos. “Há muito a conhecer sobre ele além dos estereótipos estabelecidos”, garante a neta Julia Moraes. A bênção, Vinicius de Moraes.

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