Como funciona o golpe do almoço grátis
Chefs como Felipe Bronze e Rafa Costa e Silva denunciam contas falsas no Instagram que oferecem refeições em suas casas para roubar dados dos clientes
“Não existe almoço grátis.” A célebre frase, popularizada pelo Nobel de Economia Milton Friedman, mas de origem bem mais antiga, nunca fez tanto sentido no universo gastronômico quanto nestes tempos de pandemia, em que um novo golpe começou a circular nas redes sociais. Funciona assim: criam-se perfis falsos semelhantes ao de restaurantes conhecidos, como Oro, de Felipe Bronze, Naturalie Bistrô, da chef Nathalie Passos, Capim Santo, da chef Morena Leite, e Lasai, do chef Rafa Costa e Silva. Daí começam a seguir pessoas que seguem as contas oficiais ou que tenham interesse no assunto. Uma mensagem do tipo inbox é enviada com uma tentadora promessa de jantar gratuito, sorteios ou voucher de cortesia para saborear dois dos pratos mais pedidos da casa, entre outros. Para aceitar, basta informar o nome completo, número de celular com DDD. Parece simples, né? Eis a pegadinha – e o prato cheio para a artimanha.
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A partir daí, envia-se um código via SMS com seis dígitos (há quem ligue antes para dar explanações sobre a experiência gastronômica que supostamente vem a seguir). Clona-se o WhatsApp da pessoa e, já com os dados, começa-se a pedir dinheiro às pessoas mais próximas da agenda de contatos. Aplicada em larga escala, a arapuca atinge proporções inacreditáveis. Dono do Oro e do Pipo, esse último em São Paulo, Bronze já viu os perfis enganadores de seus endereços se multiplicarem. “As pessoas querem acreditar que existe almoço e agora jantar de graça. Com o salão fechado, tivemos oito tentativas de golpe e depois mais umas dez. É algo incontrolável. A gente denuncia e criam mais contas novas”, conta. “Logo no início, no auge da pandemia, fiz um alerta num post. Todo mundo na lona, quebrado, vai oferecer algo de graça? Acreditem no contrário. Se o restaurante ligar te pedindo ajuda para sobreviver”.
Recentemente, o chef e apresentador teve um transtorno: uma cliente relatou num boletim de ocorrência que recebeu uma mensagem de um restaurante chamado Oro de “onde acredita ter partido o golpe”. Conclusão: seu gerente foi à delegacia explicar que não tinha ingerência sobre isso. “As pessoas não têm a menor noção de como tudo se desenrola e não vão sequer checar o número de seguidores, ver se o perfil é oficial, se o que estão oferecendo condiz com o modelo de menu que sirvo, querem apenas transferir a responsabilidade pelo fato de terem sido enganadas tentando ganhar um brinde”, completa.
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À frente do Lasai, o chef Rafa Costa e Silva já contabiliza cerca de quinze perfis com variações de nomenclatura sobre seu Lasai, instalado num belo casarão em Botafogo. Após encontrar o caminho das pedras para conseguir que o Instagram deletasse doze deles, deparou-se com mais três nos últimos dois dias. “É uma saga infinita”, desabafa. “Fiquei impressionado com um perfil falso que fez até a reserva para um casal vir jantar. Eles chegaram todos arrumadinhos num horário combinado com o golpista, expliquei que não estávamos oferecendo nenhum jantar gratuito, mas ainda que topassem pagar, eu sequer tinha vaga para acomodá-los”, surpreende-se. “Hoje, nossa maior interação nas redes sociais e telefone é com gente querendo saber como fazer para pegar a sua refeição ou viver sua experiência gratuita”, diz.
Nathalie Passos, do Naturalie Bistrô, vive o mesmo dilema. “Nosso dia a dia de trabalho virou um transtorno. Abarrotados de mensagens e ligações sobre o golpe, acabamos não vendo perguntas e dúvidas sobre o nosso negócio mesmo, como funcionamento em feriado, se teremos encomendas de ceias de Natal, por exemplo. Sabemos que é muito chato, mas o público precisa entender que também somos vítimas. Nosso nome vem sendo usado como um meio de se aplicar o golpe”, afirma. “Há modelos mais amadores, no entanto alguns são tão profissionais que enganam muita gente”.
No Capim Santo, no VillageMall, que já identificou mais de vinte perfis falsos, uma aba pop-up foi adicionada ao site para avisar acerca da armadilha. Temos feito stories diariamente informando nossos clientes sobre o assunto e deixamos um destaque fixo no Instagram. Fora isso, respondo mais de cinquenta mensagens por dia”, diz Erika Fischer, responsável pelas redes da marca. Ou seja, se algo muito fácil e saboroso nestes moldes lhe aparecer, fuja, pois como se vê, “é uma cilada, Bino”!
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