Continua após publicidade

As destemidas fotógrafas que capturam os melhores ângulos dentro do mar

Grupo se junta a uma comunidade global de profissionais que vem dominando o cenário no mar — antes predominantemente masculino

Por Fábio Codeço Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 20 ago 2021, 10h22 - Publicado em 20 ago 2021, 06h00
Ana Catarina (no detalhe): fôlego em dia para fotografar Maya Gabeira -
Ana Catarina (no detalhe): fôlego em dia para fotografar Maya Gabeira - (Ana Catarina; Reprodução/Instagram/Divulgação)
Continua após publicidade

Em abril, uma combinação de direção com intensidade do vento fez acordar a Laje da Besta, uma onda rara que atingiu 5 metros em plena Baía de Guanabara, atraindo uma tribo de surfistas caçadores das grandes alturas, os big riders, como Pedro Scooby, Carlos Burle e Michelle des Bouillons, a primeira mulher a deslizar sua prancha naquele ponto.

+ Águas passadas: as histórias da Baía de Guanabara e suas transformações

Eles vinham monitorando havia semanas indicadores climáticos à espera da “tempestade perfeita”, que faria despertar a massa d’água gigante. A raridade do fenômeno, aliada ao cenário cinematográfico, com o Pão de Açúcar ao fundo, chamou merecida atenção nas redes.

Mas era do outro lado da baía, na Ilha Mãe, em Niterói, que quebravam ondas ainda mais magníficas. E justamente lá, em lugar surpreendente, estava Yana Vaz, fotógrafa aquática especializada em flagrar imagens estupendas do surfe, flutuando na água e empunhando sua câmera acondicionada em uma caixa estanque (aparato que veda hermeticamente o equipamento para não entrar água).

+ Por que o Rio lidera o ranking de intolerância contra religiões de matriz africana

Com a mira certeira, não deixou escapar nenhuma manobra de Lucas Chumbo e Pedro Calado vencendo seus tubos com mestria. “Naquele dia, o swell encontrou com o maral e resultou em uma precipitação épica, só vista em mares como o do Taiti, o da famosa e temida onda Teahupoo”, afirma, cheia de jargão, a profissional de 43 anos.

Moradora do Recreio, Yana integra um grupo cada vez mais numeroso de destemidas cariocas que desafiam as correntezas e o universo masculino do surfe e de outros esportes aquáticos para buscar ângulos únicos dentro do mar. Neta de Yara Vaz, pioneira na difusão da ginástica, e filha de pai mergulhador, Yana já tinha boa intimidade com a água quando se tornou atleta de body­board — foi sagrada campeã mundial em 2017.

Continua após a publicidade

+ As rotas etílicas despontam como opção turística no interior do Rio

Mas sentia falta de registros de suas piruetas sobre a prancha. Foi quando começou a carregar na mochila uma câmera para lugares como Puerto Escondido, no México, onde acabou por fazer fotos da maior onda já surfada de bodyboard, pelo niteroiense Kalani Lattanzi.

Tais cliques a catapultaram para o mercado, no qual logo despontaria. Hoje uma profissional premiada, com um portfólio que inclui “picos” como Pipeline e Waimea, no Havaí, e imagens de tirar o fôlego para programas do canal Off, ela acompanha alguns dos mais notórios big riders do Brasil.

+ Garçons trans: na linha de frente, com orgulho e profissionalismo

Seu trabalho demanda alto domínio das técnicas de fotografia, mas não só. “Filmar na água exige estabilização, você não pode tremer nem praticamente respirar”, explica Yana, que tem mestres profissionais do calibre de Henrique Pinguim e Paulo Barcellos.

Continua após a publicidade
O registro de Yana Vaz (no detalhe): em busca de ângulos únicos dentro do mar -
O registro de Yana Vaz (no detalhe): em busca de ângulos únicos dentro do mar – (Yana Vaz; Leo Lemos/Divulgação)

Para enfrentar a força das marés com câmera em punho, é preciso imenso preparo físico. Uma única saída de duas horas pode queimar cerca de 800 calorias, o equivalente a um treino de crossfit.

“Como ficam horas e horas no mar atrás de uma imagem executando movimentos variados, é vital trabalharem condicionamento cardiopulmonar, cardiovascular e neuropulmonar para evitar lesões”, lista Andrea Orlandi, preparadora física que já treinou muitas dessas profissionais.

+ Preservar é preciso: Rio ganha ‘santuário marinho’ da paisagem

Para aguentar o batente, elas obedecem a uma rotina intensa de atividades físicas, que inclui natação, corrida, muay thai e treinos funcionais e de apneia — este auxilia atletas a permanecer o maior tempo possível submersos.

Continua após a publicidade

“Estar segura e confortável na água é imprescindível, senão você não consegue fotografar. É preciso ter força e conhecimento técnico, porque não há tempo de pensar muito na hora de clicar”, ressalta Ana Catarina, 38 anos, outra desbravadora dos oceanos.

+ Templo boêmio, a La Fiorentina volta em grande estilo

Tanto esforço traz grandes compensações. Quem segue a profissão passa a viver definitivamente mais próximo da natureza e tem a chance de visitar os lugares mais fotogênicos do planeta, sem exagero. Após doze anos cumprindo uma rotina burocrática como funcionária pública, Ana Catarina decidiu mudar radicalmente seu estilo de vida.

Começou a se aventurar com a câmera nas férias, fora do mar, mas foi a água que a fisgou. No início de junho, lá estava ela, na Indonésia, eternizando grandes momentos da campeã Maya Gabeira. Rumou depois para as Ilhas Maldivas, para registrar um grupo de mulheres surfistas em ação.

+ Precisa disso? O choque é de (muita) ordem na Feira da General Glicério

Continua após a publicidade

Neste mês, seguiu para El Salvador, com a missão de fotografar uma campanha do governo para impulsionar o turismo no país através do surfe. Ela, que também promove cursos e work­shops, calcula que as mulheres representem atualmente 80% de suas turmas.

“Quero ver cada vez mais meninas neste universo”, reforça a mestre, referência para garotas como Sam Manhães, 20 anos, promessa da mais nova geração. Foi Ana Catarina quem a presenteou com sua primeira caixa estanque, prêmio que recebera em um concurso disputado contra catorze homens.

Anna Verônica (no detalhe): os trabalhos no mar vão dar origem ao filme By Women -
Anna Verônica (no detalhe): os trabalhos no mar vão dar origem ao filme By Women – (Ana Verônica; Reprodução/Instagram/Divulgação)

União e solidariedade são um traço nesse movimento de mulheres que mergulham de cabeça no mundo do surfe. A canadense Bryanna Brad­ley tem se dedicado a registrar a crescente comunidade delas nas águas geladas de Tofino, distrito da Ilha de Vancouver, na costa do Pacífico, onde mora.

Nestas bandas do Atlântico, Anna Verônica, que deu seus primeiros cliques em um período sabático quando questionava se queria continuar na estabilidade do mundo corporativo — “podia comprar a melhor bicicleta de todas, mas não poderia pedalar” —, lança neste mês o filme By Women, um documentário que mostra a construção, em quatro cidades (Rio, Santos, Guarujá e Cabo Frio), de uma prancha de surfe feita 100% por mulheres, da laminação à quilha — “deve ser a primeira do Brasil”, frisa.

Continua após a publicidade

+ Viajar é preciso; Antonio Bokel que o diga

Até bem pouco tempo atrás, quase não se notavam mulheres fotógrafas na raia aquática, nem tampouco a presença feminina nas ondas. Mas, como se vê, a maré mudou.

“Elas trazem uma delicadeza no olhar e na forma com que encaram o mar, mas também persistência, coragem e equilíbrio psicológico. Esse movimento é muito importante para o crescimento do esporte como um todo”, avalia Sebastian Rojas, que, com 36 anos de carreira, é um dos pais da fotografia aquática no Brasil.

+ Para receber VEJA Rio em casa, clique aqui

De fato, essa tomada de posição por trás das lentes ocorre ao mesmo tempo que as mulheres surfistas buscam mais espaço no esporte. Em 2018, Maya Gabeira precisou pressionar a Liga Mundial de Surfe para que seu recorde da maior onda já vencida por uma mulher, em Nazaré, Portugal, fosse reconhecido — até então, só marcas masculinas eram registradas.

E assim se inaugurou uma nova categoria de recorde, batido por ela mesma em setembro do ano passado. “Acho que a gente acaba se espelhando em atitudes de outras mulheres. E a Maya mostrou que tudo é possível”, resume a amiga Ana Catarina, orgulhosa integrante da invasão feminina pelos sete mares.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de 35,60/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.