Voz do Milênio, Elza Soares morre aos 91 anos de causas naturais, no Rio
Cantora, que recebeu o título em 1999 da Rádio BBC, de Londres, se despende trinta e nove anos após a morte de Garrincha, também num dia 20 de janeiro
Trinta e nove anos depois da partida de seu grande amor, Garrincha, no dia 20 de janeiro de 1983, morreu na tarde desta quinta-feira (20), aos 91 anos, a cantora Elza Soares. Segundo nota divulgada pela família, a morte aconteceu em casa e de causas naturais. “A amada e eterna Elza descansou, mas estará para sempre na história da música e em nossos corações e dos milhares fãs por todo mundo. Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim”, diz o comunicado, assinado por Pedro Loureiro, Vanessa Soares, familiares e a equipe da cantora.
O corpo da cantora será velado nesta sexta-feira (21), no Teatro Municipal. A cerimônia deve ser inicialmente fechada para parentes, e aberta ao público às 12h. O sepultamento será à tarde, no Jardim da Saudade Sulacap, que também fará uma homenagem à cantora na capela VIP. Foi decretado luto oficial de três dias, tanto na cidade quanto no estado do Rio.
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Nas redes sociais, artistas e personalidades de todas as áreas lamentam a morte de Elza. O cantor e compositor Zeca Pagodinho postou em sua conta no Twitter: “Descanse em paz, Elza Soares. O mundo do samba, e de toda a música brasileira, te agradece e reverência pela sua vida e sua arte!”.
O ator Lázaro Ramos também usou a rede social para lamentar a perda da cantora: “Elza, Elza, Elza. Só lágrimas neste momento. Tanto que queria falar e agradecer, mas não há palavras suficientes que possam expressar o tanto que sinto com sua partida. Obrigado por inspirar tanto e por não se calar nunca. Obrigado, Deusa maior”.
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Também o prefeito do Rio postou uma homenagem a cantora: “Que tristeza. A história de vida dessa mulher é simplesmente incrível. Nossa ‘voz do milênio’ nos deixou hoje. Tive a honra de contar com o apoio de Elza Soares, uma referência da cultura brasileira. Meus sentimentos aos parentes, amigos e a enorme legião de fãs de Elza!”
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Considerada “a melhor cantora do milênio” pela Rádio BBC, de Londres, em 1999, Elza Soares foi descrita como “uma mistura explosiva de Tina Turner e Celia Cruz” pela revista Time Out e ficou conhecida no mundo todo como a Rainha do Samba.
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Vida marcada por tragédias e altos e baixos na carreira
Uma das maiores cantoras da história da música brasileira, ela teve uma vida marcada por tragédias e altos e baixos na carreira. Nasceu na favela da Moça Bonita, atualmente Vila Vintém, no bairro de Padre Miguel, Zona Oeste do Rio. De família muito pobre, foi obrigada a se casar quando tinha apenas 12 anos com Lourdes Antônio Soares, conhecido de seu pai que havia tentado abusar da menina — segundo ela, sem conseguir. O pai de Elza acreditava que ela havia perdido a virgindade — o que ela negou a vida inteira — e obrigou-a viver com um rapaz que mal conhecia.
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Tiveram sete filhos juntos, e dois deles morreram ainda crianças, de fome. Elza era dona de casa. Com o marido doente, Elza foi trabalhar, primeiro como operária de uma fábrica de sabão e depois em um manicômio, o Instituto Municipal Nise da Silveira. Ele se recuperou e ela voltou a ser dona de casa. Quando a cantora tinha 21, ele teve outra tuberculose e morreu.
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Elza cantava desde pequena. Mas foi só depois de ficar viúva que passou a se arriscar na música. Em 1953, tentou a sorte no programa de rádio Calouros em Desfile, comandado pelo compositor Ary Barroso. Usava uma roupa da mãe, bem maior que ela, e foi ridicularizada pelo apresentador quando subiu ao palco: “De que planeta você veio, minha filha?”. A resposta ficou imortalizada: “Do mesmo que o senhor, seu Ary: do Planeta Fome.” Depois, cantou Lama, de Paulo Marques e Aylce Chaves, e foi tão bem que Barroso anunciou: “Senhoras e senhores, nasce uma estrela!”.
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A carreira ainda demorou uns bons anos para engrenar. Ela foi cantora de um conjunto de baile. Seu primeiro álbum, Se Acaso Você Chegasse, foi lançado em 1960. Começou cantando samba, mas ao longo da carreira foi se aproximando de estilos como o jazz (de onde vinham seus famosos scats que encantaram Louis Armstrong), funk, rap e música eletrônica.
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Em 1962, Elza já era uma cantora reconhecida ela e o craque de futebol Garrincha se conheceram e se envolveram. Ele era casado e, um ano depois, deixou a esposa para viver com a cantora — a lei brasileira ainda não previa o divórcio. Quando os dois decidiram viver juntos, em 1966, e tornar público o relacionamento, o público não perdoou e culpou Elza pelo fato de o jogador ter deixado a mulher, Nair, com quem tinha sete filhas — ainda que ele tivesse uma amante, Iraci, com quem tinha um casal de filhos. A imprensa também a acusava de estar acabando com a carreira de Garrincha.
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O relacionamento foi marcado por perseguições sofridas pelo casal, o alcoolismo do craque, episódios de violência doméstica e tragédias. Em 1969, o jogador estava dirigindo quando sofreu um acidente de carro que culminou com a morte da mãe de Elza, Rosaria. Em 1982, depois de muito sofrimento, Elza finalmente deixou o jogador. Garrincha viria a morrer no ano seguinte, meses depois, em consequência de uma cirrose. Em 1986, o único filho deles, Garrinchinha morreria, aos 9 anos, também em um acidente de carro.
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Nos anos 1980, viveu uma fase de ostracismo, até que procurou Caetano Veloso e contou que pensava em desistir de cantar. Ele, então, a convidou para participar da faixa Língua, de seu disco Velô (1984), o que trouxe visibilidade para a cantora novamente. No ano seguinte, ela lançou o álbum Somos Todos Iguais.
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Outro momento de renascimento foi com Do Cóccix Até o Pescoço (2002), com direção artística de José Miguel Wisnik, que deu novo fôlego a sua carreira. A virada definitiva — e um tanto tardia — veio com A Mulher do Fim do Mundo (2015), produzido por Guilherme Kastrup. Misturando sonoridades, o trabalho traz canções com temáticas atuais, como violência doméstica, transexualidade e negritude, compostas especialmente para a cantora. O álbum ganhou um Grammy Latino e colecionou críticas positivas, além de ter reacendido o interesse do público na artista, que se tornou porta-voz de grupos oprimidos.
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Reconhecida como a grande cantora que era e símbolo negro, Elza encantou gerações mais jovens e se apresentou em casas importantes, tendo sido também atração do Rock in Rio. Deus É Mulher (2018) seguiu a mesma pegada do anterior e mostrou que a cantora estava consolidada no panteão das deidades da música brasileira. Seu último trabalho foi o álbum Planeta Fome (2019), que fazia referência à resposta a Ary Barroso e à trajetória sofrida da artista.
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O último show de Elza foi em 19 de dezembro de 2021, em Belém. No Rio, ela se apresentaria no festival Universo Spanta, na Marina da Glória, em janeiro, que foi adiado para o ano que vem por causa da nova onda de Covid-19. A agenda da cantora tinha shows marcados até agosto. Na segunda (17) e na terça (18), dois dias antes de sua morte, ela gravou um DVD no Theatro Municipal de São Paulo.
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Nos últimos anos, devido ao agravamento de um problema de coluna, a artista tinha dificuldade de locomoção e era colocada por sua equipe no palco, onde apresentava sentada em um trono. Nada que afastasse de seu ofício: como profetizou a música A Mulher do Fim do Mundo, Elza cantou até o fim.
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