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Grafiteira leva cultura do subúrbio para o Porto do Rio

Amora Moreira, criadora da Amorinha, sampleia Zona Norte, hip hop, funk, carnaval, fotografia, design, história em mural e livro infanto-juvenil

Por Gabriela Azevedo*
11 out 2021, 19h01
Grafite de Amora no Porto do Rio
Grafite de Amora no Porto do Rio: estética de personagens de anime e cultura suburbana carioca do bate-bola (./Divulgação)
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A artista visual e grafiteira Luciana Moreira, conhecida como Amora, ou Amorinha (@amori.nha), acaba de fazer novas intervenções visuais no Passeio Ernesto Nazareth, no Porto do Rio. O convite veio do projeto Distrito de Arte do Porto, que inaugura neste fim de semana fazendo da Região Portuária a maior galeria de arte urbana a céu aberto da América Latina, com 11.000 metros quadrados grafitados.

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No grafite de Amora é possível ver a estética dos personagens do anime Doraemon, a cultura black no funk e soul do Bootsy Collins, a cultura suburbana carioca do bate-bola e a arte de samplear. O muro, de 24 metros por sete metros, foi pintado em uma semana, com o auxílio do artista urbano Leandro Ice e de Camila Sente.

“Consegui inserir muitas das minhas referências, como se fossem camadas de mim mesma”, diz a artista, que se autodenomina sampleadora visual, já que em seus trabalhos mistura diferentes técnicas e materiais. Criada entre os bairros de Cascadura e Sampaio, na Zona Norte do Rio, Amora, de 24 anos, integra dois coletivos: o Ppkrew, crew formado por mulheres, e o Tijolin Studio, coletivo de animação do Complexo da Maré.

Foto mostra a artista Amora Moreira com desenhos de uma caixa de som, corações, e outros
Amora Moreira: artista se define como sampleadora visual (./Divulgação)

Ela não se lembra de quando começou a ver a arte como uma perspectiva, mas suspeita da influência dos ofícios da família. A mãe e a avó são costureiras, por isso, sempre houve tecidos espalhados pela casa. Já o avô paterno trabalhava no barracão da Imperatriz Leopoldinense, escola de samba de Ramos, bairro da Zona Leopoldina. Quando criança, frequentava os desfiles com os pais e pegava as coisas que ficavam pelo chão para inventar coisas novas. 

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“Nunca imaginei trabalhar com algo que não envolvesse criatividade. Porém, não sabia com o que poderia trabalhar, então procurava em revistas e documentários. Sempre gostei de assistir ao canal Discovery Channel. Por mais que fosse científico, tinha quadros onde as pessoas faziam as coisas do zero. Também tive uma infância com muitos recursos criativos. Meu pai trabalhava no banco Itaú, mas me estimulava a desenhar e a inventar coisas novas a partir do papelão. Meu caminho até a arte foi uma nuvem onde eu fui achando coisas”. 

Cosme da Conceição Moreira, 55 anos, conta que a criação das três filhas com a companheira, a costureira Monalisa Moreira, sempre envolveu criatividade e brincadeiras:

“Aqui em casa a gente brinca com tudo, não tinha separação entre brinquedos de menino e menina. Inventamos histórias e outras coisas para brincar. Sempre incentivei as meninas a desenharem também. Quando a Luciana nasceu, comprei uma câmera semiprofissional e tínhamos o costume de revelar as imagens toda semana”.

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A escola ampliou as referências. Amora cursou o Ensino Médio no Colégio Pedro II, onde participou do programa de iniciação científica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estagiando em dois museus: o Museu Nacional, onde trabalhou como mediadora, e o Museu da República, em que atuava na seção de restauros.

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Segundo ela, estar nestes dois ambientes a levou a questionar a invisibilização da história do povo preto: “Fiquei revoltada quando percebi que o passado das pessoas negras não estava presente, ou era apenas na narrativa da escravidão”.

No Museu da República, intercalava entre a seção de restauro e o acervo fotográfico, onde ficava a coleção do prefeito Pereira Passos. “Ele fez muitas mudanças na cidade. Gostava muito de ver essas fotos, mas me perguntava onde estavam os registros do subúrbio. Então, encontrei o fotógrafo Augusto Malta, que tinha muitas imagens das periferias do Rio”.

Amora começou então a fazer colagens, primeiro no papel, depois em uma mesa digitalizadora, os tablets onde os ilustradores desenham, e daí começou a fazer este processo no computador.

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“Com 17 anos eu tirava fotos para desenhar por cima. Fiz muitos trabalhos no papel, recortava as imagens e colava por cima da foto. Levei um tempo para aprender a desenhar pelo computador. Com 20 anos, consegui fazer um curso gratuito de animação. Na época eu fui muito influenciada pela banda GorillaZ, que colocava desenhos em cima de cenários reais”.

colagem de fotos da Avenida Suburbana, Zona Norte 
Releitura Cascadura: colagem de fotos da Avenida Suburbana, Zona Norte (./Divulgação)

Luciana ingressou na graduação em Escultura da Escola de Belas Artes da UFRJ. Ao mesmo tempo, iniciou-se no grafite. Começou a vender cadernos artesanais para se manter na faculdade e comprar tinta para grafitar. Mas não se adaptou: “Eu me sentia um ET naquele ambiente, fui a primeira da minha família a estudar em uma universidade pública. Comecei a grafitar e a levar esta arte, as técnicas digitais e a minha vivência para os trabalhos da faculdade, mas percebia que não eram bem aceitos”, conta ela, que fez então o pré-vestibular da Uerj e passou a cursar Design. 

Sentia um incômodo também na própria cena do grafite, ambiente dominado por homens:

“Entrei no grafite levada por um ex-namorado, como acontece com a maioria das grafiteiras. Mas não queria ser conhecida como ‘a garota do fulano’, não queria ser dependente de uma terceira pessoa. Foi quando parei de sair com caras grafiteiros. Já existiam mulheres na cena, mas eu tinha a sensação de que não existiam, porque os homens não falavam delas. Assim, comecei a procurar as minhas meninas”. 

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Foi no curso Afrografiteiras, da Rede Nami, que criou vínculos pessoais e artísticos com artistas como Larissa Almeida, a Lolly, e fundaram o crew só de mulheres:

“Eu e Amora desenvolvemos uma relação muito pessoal, e também trabalhamos muito bem juntas. Nossa amizade foi um encontro cósmico. O grafite era uma diversão, mas acabou sendo uma união profissional. A krew é um movimento muito político. O corre da rua e da amizade estão reunidos”, diz Lolly.

Amora gosta muito da estética hip-hop old school, por conta dos DVDs de hip hop dos anos 2000. Ela menciona Michael Jackson e Missy Elliot como artistas de referência para seu processo artístico, mas segue ampliando o repertório, especialmente nacional: 

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“Minhas principais influências na música são internacionais. Quando era criança, ouvia DVDs de hip hop. Continuo ouvindo muita música black, mas faço um resgate da minha história. Atualmente estudo sobre a música brasileira, pois temos muitos estilos. Além disso, descobri o sample e entendi que muitas músicas que eu ouvia tinham trechos de produções do Brasil. É incrível, me remete ao que faço nas minhas colagens. Nada do que eu faço é criado, tudo eu tiro de algum lugar. E gosto de deixar minhas referências explícitas”. 

Colagem mostra foto modificada do avô de Amora
Releitura: Miguel Arcanjo, avô paterno da artista (./Divulgação)

A artista relata que não sabia que suas produções estavam ligadas ao afrofuturismo, movimento cultural que se manifesta através de diversas áreas a partir da perspectiva negra e utiliza elementos da ficção científica e da fantasia para criar narrativas de protagonismo negro, por meio da celebração de sua identidade, ancestralidade e história.

“Eu gosto muito da ideia da sankofa, de resgatar as coisas do passado para construir o futuro. Por isso, incorporei o afrofuturismo em meu trabalho. Imaginar um futuro diferente com tecnologias negras é incrível e dá muita motivação. A ideia de fazer as pessoas protagonistas é algo que me encanta”, conta ela, que reconstruiu as imagens da família. “Dá uma sensação gostosa folhear o álbum da família”.

Foto e ilustração de Amora Moreira de duas meninas na estação de Cascadura
Duas meninas na estação de Cascadura: foto e ilustração de Amora Moreira (./Divulgação)

Amora percebeu que as temáticas do cotidiano e da negritude eram importantes através da resposta das pessoas. Recebe mensagens de pessoas que viram “Amorinhas” na rua e que se identificaram:

“Quando comecei a desenhar as Amorinhas, falavam que eram muito parecidas comigo, mas só me dei conta quando nasceu minha irmã mais nova, Poliana. Ela é muito parecida comigo e é a cara das Amorinhas. Mas outras crianças negras também reconhecem as semelhanças com a minha arte. As pessoas gostam de ser reconhecidas”.

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Amora ilustrou Crianças nas Sombras, de Hedjan CS, que a Kitembo Edições Literárias do Futuro lança neste 12 de outubro. O livro infanto-juvenil tem como protagonistas a jovem Dandara e sua amiga Moara, numa trama de suspense nos corredores escuros de um conjunto habitacional da Zona Norte. “Percebemos que podemos ser protagonistas. Eu preciso celebrar o que somos”.

*Gabriela Azevedo, estudante de jornalismo da PUC-Rio, sob supervisão de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.

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