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Cariocas que removeram próteses de silicone encontram apoio na internet

Vítimas da Síndrome de Asia relatam como sofreram com a doença silenciosa

Por Thamiris Pinheiro
Atualizado em 11 dez 2020, 16h20 - Publicado em 11 dez 2020, 16h03

É só rolar o feed das redes sociais para ver personalidades, influenciadores e amigos exibindo orgulhosamente novos traços estéticos, indicando clínicas e procedimentos. Uma comunidade menos numerosa, mas crescente, vem alertando para os impactos de intervenções cirúrgicas em busca de um padrão de beleza inalcançável. Estes grupos e indivíduos se organizam para incentivar um retorno a tempos mais simples, em que não era preciso tanto para se sentir bem com o próprio visual, e propõem que a diversidade de traços, corpos, cores e qualquer aspecto ligado à aparência seja respeitado e valorizado.

O Brasil é o segundo país que mais realiza cirurgias plásticas estéticas, de acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps, sigla em inglês). Somado com os números de Estados Unidos, líderes do ranking, são quase 30% dos procedimentos globais. Él também é o segundo colocado no índice dos países líderes no uso das redes sociais, ambiente em que o culto à imagem e a cultura da intervenção estética é tão propagada. Iniciativas dissonantes, como o grupo Explante de Silicone, tentam combatê-la.

A página no Instagram conscientiza mais de 100 mil seguidores sobre os perigos do implante de próteses mamárias, procedimento estético cirúrgico campeão de adeptos no Brasil – cerca de 20% do total realizado anualmente no país, segundo o último Censo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBPC). Com postagens sobre estudos que relacionam próteses de silicone a doenças autoimunes, riscos de rompimento e atrofia, entre outros males, a conta foi criada há dois anos para expandir o debate que já ocorria em um grupo privado no Facebook. Lá, as mulheres se sentiam mais à vontade para compartilhar as experiências de busca pelo corpo ideal e de arrependimento, que resultaram na reversão da cirurgia de implante de silicone.

Uma delas é a palestrante de saúde e bem-estar Mel Magal, que acaba de realizar o explante, aos 65 anos, após quase quatro décadas com silicone nas mamas. O sonho de colocar próteses surgiu aos 20, após ser mãe e sentir mudanças no corpo, e foi realizado cinco anos depois, quando conseguiu juntar o dinheiro necessário. Ela conta que no início ficou em “lua de mel” com os novos seios, mas que logo eles começaram a inchar e incomodar. Outros sintomas apareceram, como alergias, dores nas articulações, queda de cabelo e até lapsos de memória, mas ela não os relacionava às próteses.

Era o começo da Síndrome Asia, sigla em inglês para Síndrome Autoimune/Inflamatória Induzida por Adjuvantes, também conhecida como doença do silicone. A Asia é caracterizada por um conjunto de reações desenvolvidas por pacientes que introduzem agentes externos, como o silicone, óleo mineral e algumas substâncias de vacinas.

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O implante transformou a vida de mel num pesadelo: “Eu tive que parar de trabalhar como consultora de cosméticos pois não tinha mais rendimento nem memória. Quando ia a algum lugar, tinha que estar sempre com os braços cruzados porque se alguém me encostasse era uma dor absurda. Uma vez eu tive que me agachar no chão porque uma pessoa me esbarrou com a bolsa dentro do supermercado, eu chorei de dor ali. Foi quando decidi que tinha que remover o mais urgente possível”.

No entanto, quando buscou atendimento, foi desencorajada pela maioria dos médicos em que passou. As indicações eram para que ela trocasse as próteses em vez de removê-las, pois o procedimento seria muito complicado ou a cicatriz ficaria muito grande. A falta de apoio médico na decisão de se livrar do silicone é uma reclamação constante entre mulheres que fazem essa escolha.

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A servidora pública Danielle Barreiros, de 35 anos, nunca tinha se incomodado com o tamanho dos seios a ponto de se submeter a uma cirurgia até que em 2011, após passar por uma perda familiar, se deixou convencer por amigas a fazer a intervenção, como uma forma de se sentir bem. A insatisfação com as próteses começou quando nasceu sua primeira filha e não conseguir amamentar. Prematura, a criança teve que ficar internada, e precisava do leite materno:

“Eu tinha muito leite, mas não fluía. A impressão que dava é que, por as próteses serem muito grandes, de 350ml, meus dutos mamários estavam muito pressionados. Tive que começar a alimentação artificial e isso me deixou muito abalada, não só porque amamentar era um sonho para mim, mas também porque minha filha precisava disso”, lamenta.

Ao longo dos últimos quatro anos, Danielle passou a conviver com sintomas que pareciam não ter explicação. “Eu não conseguia pentear o cabelo sem sentir muitas dores no corpo, segurar o celular já ficava uma coisa difícil para mim. Eu também sentia muita dificuldade para lembrar as palavras, era como se tivesse uma nuvem na minha cabeça que impedisse as palavras de fluírem. Isso foi se agravando ao ponto de dificultar o meu trabalho e a minha vida familiar”, desabafa.

Ao procurar ajuda médica, Danielle chegou a ouvir de um profissional que a Síndrome Asia não existia, e que ela devia procurar um psicólogo. Foi no grupo Explante de Silicone que ela encontrou apoio. Ao descobrir sobre a doença do silicone, realizou a remoção das próteses, em outubro. E os problemas cessaram.

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“O que eu achei mais errado é que só depois que eu fiz o implante o cirurgião plástico me entregou um manual de garantia das próteses que relatava uma série de reações possíveis, como resposta imune neurológica, degradação e até intoxicação. Em nenhum momento ele leu comigo esse manual antes do implante. Se eu tivesse tido essas informações, eu tomaria uma decisão de forma mais consciente, sabendo os prós e os contras e fazendo um julgamento melhor”, avalia.

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Através de relatos de mulheres que tiveram as mesmas reações e fizeram a cirurgia de remoção, fotos dos resultados e até uma lista com indicação de médicos que entendem a escolha e realizam o procedimento, Danielle tomou coragem e recorreu ao cirurgião plástico Bruno Herkenhoff, que atua há mais de 10 anos no Rio de Janeiro. Segundo o Dr. Herkenhoff, os atendimentos aumentaram com a procura do explante de silicone, o que atribui ao maior acesso à informação e à troca de experiência entre as mulheres. “A partir do momento que operei a primeira paciente de explante e ela colocou a experiência dela em um dos grupos, falou que teve foi boa e que correu tudo bem, foi uma indicação atrás da outra”, ele conta.

O médico afirma que o silicone é um material muito seguro, mas que alguns pacientes podem sim desenvolver uma reação ao corpo estranho e apresentar sintomas da Síndrome Asia. Sobre a falta de informação médica, a principal queixa das mulheres, ele acredita que se deva à escassez de estudos sobre o tema.

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“É uma doença relativamente nova em termos de conhecimento, não tem tantos trabalhos falando dela e, por isso, nem todo médico aceita ou reconhece a Síndrome Asia. A taxa de pacientes que desenvolvem problemas em relação ao silicone não é tão grande assim, mas existe uma parcela que acaba desenvolvendo, e é importante dia alertar quem procura o consultório para colocar a prótese de silicone”, opina.

+No pós quarentena, uma nova relação com a beleza

Apesar de existirem grupos de apoio, contrariar a ditadura da beleza ainda é um tabu. Segundo Larissa de Almeida, uma das criadoras da página Explante de Silicone, empoderar as pessoas é a principal forma de mudar esse cenário:

“Falta manejo dos cirurgiões plásticos quando nos recebem nos consultórios. Eles muitas vezes nos deixam inseguras, dizem coisas desagradáveis, antiéticas, opinam sobre nossos corpos de maneira agressiva. O que a gente faz para mudar isso é se unir, mostrar que é possível sim ter uma mama natural e bonita, e mostrar a importância de priorizar mais a saúde do que a estética”.

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+Plástica na quarentena

As intervenções estéticas não cirúrgicas, que eram consideravelmente mais baixas, aumentaram a partir 2014 e chegaram a se igualar com os procedimentos em que é preciso “entrar na faca”, segundo a SBPC. A progressão das tecnologias de saúde e advento de novas práticas são apontados como alguns dos motivos. Nem mesmo o isolamento social devido à pandemia da Covid-19 fez essa tendência desacelerar. O Google Trends indica que a procura por termos como preenchimento labial e de olheiras teve um aumento superior a 100% neste período.

Itens do setor de cosméticos e cuidados pessoais tiveram um aumento de receita considerável durante a quarentena. O consumo de máscaras faciais, por exemplo, cresceu em mais de 90%, mostrando que até mesmo dentro de casa, a preocupação com a aparência é uma constante na vida dos brasileiros.

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* Thamiris Pinheiro, estudante de Jornalismo da PUC-Rio, sob orientação da professora Itala Maduell e revisão final de Veja Rio.

 

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