Dudu Azevedo: “O carnaval é uma cultura que não tem amantes o ano inteiro”
Diretor de carnaval da Beija-Flor, que perdeu o emprego com a pandemia, defende calendário prolongado de eventos para gerar renda e vagas
O tecnólogo Luiz Eduardo Lima Azevedo, o Dudu, de 43 anos, foi um dos tantos brasileiros que ficaram sem emprego em 2020, com a pandemia da Covid-19. Funcionário da telefônica Claro por 15 anos com carteira assinada, ele fazia a manutenção do sistema de telecomunicações da operadora, e foi desligado em julho. Na sequência, teve de lidar com incertezas em outra frente de vida de trabalho: o carnaval.
Diretor de Carnaval da Beija-Flor de Nilópolis desde abril de 2019, Dudu Azevedo nunca imaginou trabalhar exclusivamente no mundo do samba, ambiente que costuma ser instável: “Quando chega janeiro, todo mundo quer ir para uma escola de samba, mas o carnaval é uma cultura que não goza de amantes o ano inteiro”. Até por isso, diz que é preciso fomentar o carnaval como cultura genuinamente brasileira, e defende um calendário prolongado de folia ao longo do ano, articulado a festivais musicais e feiras gastronômicas, com uma ressaca para descanso após o desfile:
“O desfile é apenas a data final do calendário. O turismo interno pode se agendar para que os eventos aconteçam sempre. Pega um galpão no Boulevard Olímpico, em agosto faz uma festa de lançamento de enredo na Cidade do Samba, divide as escolas em dois dias, a partir dali as pessoas já escolhem seus sambas, e as escolas já começam a viver o novo ano do carnaval”, propõe. Seria uma forma de envolver ainda mais as comunidades, acredita: “Lançou um enredo, aí faz um trabalho com a comunidade para abraçar esse enredo, cantar o samba, vibrar com fantasia quando receber… Com isso, a pessoa se sente envolvida pelo clima do carnaval e chega na avenida aguerrida para um grande desfile”, completa Dudu, deslumbrado com o trabalho social que a Beija-Flor faz em Nilópolis, com creches, educandários, aulas de dança, de bateria e distribuição de cestas básicas desde 1980.
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A intelectualidade negra é o tema do enredo “Empretecer o Pensamento é Ouvir a Voz da Beija-Flor”. Enquanto não tem desfile, no Instagram da maior campeã na Era Sambódromo tem a “Sexta-Feira Preta”, com indicações de livros, filmes e peças; e, na TV Beija-Flor, o mascote Beija-Florzinho conta a trajetória de personalidades como o líder sul-africano Nelson Mandela, a escritora Carolina Maria de Jesus e a passista Pinah, em animação criada para o público infanto-juvenil no quadro “Grandes Histórias para Pequenas Pessoas”. Dudu destaca o papel de Gabriel David, conselheiro da Beija-Flor e filho do presidente, Anísio Abraão David, no desenvolvimento do enredo:
“O Gabriel tem trabalhado bastante, escutado ativistas, historiadores, para entender mais ainda. A gente não quer falar de escravidão no enredo, ficamos com medo de parecer sensacionalista. A gente quer dar protagonismo ao negro, ver o negro ser reconhecido competente quando é competente, e não ser deixado de lado por causa da cor. Esse trabalho faz com que o racismo não seja esquecido”.
O diretor de Carnaval se vê como um marisco, “que fica entre o mar e o rochedo”, conciliando a criatividade artística com a viabilidade econômica do desfile: “Tento administrar as criações e loucuras boas do carnavalesco (Alexandre Louzada) para imprimir uma plástica ao tema e, por outro lado, atrair recursos para a escola.O diretor nem sempre sabe de tudo, precisa ter bons profissionais para dialogar e criar boas ideias”. A apreensão nos barracões durou até novembro, quando a Liesa anunciou o adiamento dos desfiles para julho de 2021.
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Dudu, que chama a Beija-Flor de a “Soberana, maior de todas, deusa da passarela”, tem passagens por outras três escolas: Salgueiro, União da Ilha e Grande Rio, onde atuou por 16 anos. Em 2018, foi desligado depois do desfile em homenagem a Chacrinha. O último carro alegórico empacou na Avenida Presidente Vargas e não entrou no Sambódromo, atrapalhando a evolução da escola de Duque de Caxias. O desfile terminou com cinco minutos de atraso e passistas aos prantos. Em abril daquele ano, foi chamado para ser diretor de Carnaval da União da Ilha, e dela para a Beija-Flor.
Filho de Regina Célia e José Luiz Azevedo, antigos representantes de blocos, Dudu já nasceu imerso na folia e tem saudade dos carnavais dos anos 1980 e 90: “Hoje é difícil chegar num lugar e ver jovens curtindo samba. Sonho muito que um dia a gente volte a ter toda essa paixão”. Sobre como se vê daqui a 10 anos, faz uma breve pausa e responde: “Com pelo menos três títulos. Nunca fui campeão como diretor de carnaval, e tenho esse sonho”.
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Carolina Guimarães e Mylena Guedes*, estudantes de comunicação, sob supervisão da professora Itala Maduell e revisão de Veja Rio
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