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Por Marcelo Copello, jornalista e especialista em vinhos
Marcelo Copello dá dicas sobre vinhos
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A combinação entre vinho e música

Quando se menciona a harmonização de um vinho, supõe-se que seja com comida. Mas por que não ir além?

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Atualizado em 8 nov 2021, 12h32 - Publicado em 8 nov 2021, 08h56

“A música não diz tudo, mas diz, de algum modo, o todo”, José Miguel Wisnik.

“Bastam umas poucas notas para que Debussy crie uma atmosfera sutil e inefável que um escritor não conseguirá jamais, qualquer que seja o número de páginas que escreva”, Ernesto Sabato.

Em um estudo publicado na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences”, pesquisadores da Universidade de McGill (Canadá) e do Massachusetts General Hospital (Estados Unidos) relataram uma interessante descoberta em ralação à música. Utilizando um aparelho de tomografia, detectaram as partes do cérebro que foram ativadas quando dez pessoas ouviram músicas que, segundo elas mesmas, lhes deram intenso prazer. Estes cientistas avaliaram a pressão sanguínea exatamente no momento em que as pessoas diziam sentir este “êxtase”.

Verificou-se que ao ouvir música as pessoas acionaram exatamente as mesmas partes do cérebro que, em pesquisas anteriores, demonstraram relação com estados de euforia, prazer sexual, abuso de drogas e da alimentação. As partes do cérebro acionadas são tantas e trabalham com tal sintonia que eliminou-se a possibilidade de coincidência. Esta pesquisa comprova definitivamente a relação biológica entre música e prazer.

Nos meus tempos de aulas de piano no Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro, não precisávamos de cientistas para comprovar tal fato. Sabíamos que, para tocar realmente bem, nossa pulsação deveria acompanhar o ritmo da música. O ritmo está na base de todas as percepções. O feto cresce ao som do coração da mãe. Nossos batimentos aceleravam nas escalas e arpejos, diminuíam nos ralentandos até quase nos fazer perder a respiração nas pausas. Tocar um instrumento e ouvir música é um prazer – intelectual, emocional, físico, sensorial – sem palavras, que pode ser o complemento perfeito a uma taça de nossa bebida predileta.

Quando se menciona a combinação ou harmonização de um vinho, supõe-se que seja com comida. Saber harmonizar vinhos e alimentos com ciência é o ápice de uma educação eno-gastronômica. Mas por que não ir além e acrescentar mais complexidade a esta experiência sensorial? Já é notório que alimentos e bebidas evocam a todos os sentidos, menos a audição. A lenda nos conta que Dionísio, deus grego do vinho e da fertilidade, teria inventado o tilintar dos copos para evocar este sentido, único ausente da degustação de um bom vinho. Teria sido essa a origem do ato de brindar.

Nossos ouvidos, contudo, merecem não apenas o som do brinde, mas boa música. O vinho é a mais abrangente das bebidas, a que tem maior variedade e nuances. É a que mais apela ao cérebro e ao coração.

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A música, por sua vez, é a mais pura das artes, não tem substância. Evoca estados da alma não descritos pela literatura ou mostrados pelas artes plásticas. A música não nomeia coisas, como a linguagem verbal faz, nem tem uma forma visível ou palpável, como uma escultura. Por esta razão penetra mais facilmente em nossa mente, ultrapassando barreiras defensivas da consciência. A música através do som imaterial, e o vinho, através dos sentidos, nos tocam diretamente o intelecto e os sentimentos. Por estes motivos ambos despertam paixão e ódios inexplicáveis. A música é ao mesmo tempo nítida, porém invisível e impalpável. É corporal, física, mas por estas características é a arte que mais se aproxima da metafísica. As dissonâncias, na Idade Média, eram proibidas, pois poderiam invocar o demônio. A música é a ponte entre o mundo material e o mundo espiritual e invisível.

O vinho, por evocar os sentidos, seria o complemento perfeito para a boa música. Assim como a lira, o nobre fermentado nos emociona. Alguns nos entusiasmam, outros nos intrigam, alguns nos trazem lembranças, outros surpreendem. Degustar vinho ouvindo música seria, então, uma maneira de tornar a emoção mais completa e complexa.

Assim como harmonizar ostras com Chablis ou Sauternes com foie gras, algumas combinações de vinho e música poderiam se tornar clássicas, como tomar Champagne ouvindo standards de Cole Porter. Esta seria uma harmonização pelo glamour. Os standards do compositor americano embalaram as grandes festas da Belle Époque, regadas com o nobre espumante. Sem mencionar o fato de uma de suas mais famosas composições “I Get a Kick Out of You”, imortalizada na voz de Sinatra, mencionar a bebida.

Outra combinação candidata a se tornar um clássico é degustar um Bordeaux Grand Cru Classé ouvindo Beethoven. São clássicos entre os clássicos, síntese do vinho e síntese da música. Como uma versão moderna dessa harmonização, poderíamos apreciar um grande Cabernet Sauvignon californiano ao som de jazz. Aqui se fala em criações mais contemporâneas, dois clássicos surgidos no século XX.

O casamento de vinho e comida por tradição é um dos métodos mais usuais. Ou seja, pratos típicos de uma região servidos com seus vinhos tradicionais. Podemos fazer o mesmo com a música. Uma combinação estimulante é de um Chianti Classico com uma boa canção popular italiana. Típico, alegre e passional. Ou ainda, pelo mesmo princípio, um Beaujolais Nouveau com “La Vie en Rose”. São leves, descompromissados e inconseqüentes.

Pode-se harmonizar também por similaridade, como se faz ao servir vinho doce com a sobremesa. Usando este princípio, poderíamos degustar um Shiraz australiano ouvindo rock and roll. Ambos potentes, não ortodoxos e, de certa forma, rebeldes. Seguindo essa linha, as combinações podem ser muitas. Um grande Borgonha tinto com um de meus compositores prediletos, Chopin. São, vinho e música, finíssimos, complexos e inspiradores. Para os Borgonhas brancos amanteigados, a voz da cantora Sade, uma combinação sensual e smooth.

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E o que ouvir degustando um bom Rioja? Eu acionaria play na manjada “Habanera”, da ópera “Carmem”, de Bizet. Um pouco de exotismo cigano para harmonizar com os aromas de especiarias e carvalho do vinho.

Para o ritual que exige um Porto Vintage, algo solene como canto gregoriano. Com um Sauternes, Bach. Sua religiosidade, mostrando a grandiosidade do universo e pequenês do humano são adequadas ao vinho de meditação dourado de Bordeaux.

Para os vinhos realmente grandes, aqueles que transcendem a condição de bebida e alcançam a de obra de arte, recomendo simplesmente degustar em silêncio. Arte é o absoluto, não pode ser mensurado ou comparado. Então, para degustar obras de arte, recomendo absoluto silêncio.

As possibilidades são infinitas. Afinal, quantos tipos de vinho há no mundo? Quantos estilos musicais? How deep is the ocean? How high is the sky? Quantos são os sentimentos? Não espero que as pessoas concordem com minhas combinações, mas façam as suas próprias. Seja qual for seu estado de espírito, sempre haverá um vinho e uma música adequados.

Por Marcelo Copello (trecho do livro “Vinho & Algo Mais”, Editora Record)

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