Por que democratizar o esporte é inadiável à Saúde
Ministra Ana Moser terá de orquestrar interesses corporativos e econômicos em torno da prioridade de expandir o hábito esportivo nos estratos da população
Ana Moser reconhece a odisseia pela frente. A democratização esportiva lhe exigirá bem mais do que a biografia vencedora.
Logo na posse, a ministra comparou “a missão recebida do presidente Lula” aos duelos épicos contra as cubanas, Fla-Flu do vôlei latino-americano nos anos 1980. Nem Tom Cruise acharia moleza.
Para cumpri-la, a primeira mulher (enfim) a comandar o Ministério do Esporte encara três desafios nevrálgicos. Encontram-se entrelaçados.
O primeiro envolve competências gerenciais. Corresponde ao ajuste dos R$ 2 bilhões orçamentários à responsabilidade constitucional de facilitar e ampliar o acesso às práticas esportivas – adequadamente prescritas e orientadas. A tarefa inclui a propagação do esporte adaptado em colégios, praças, espaços comunitários.
A calibragem não supõe atrofia de incentivos ao alto rendimento olímpico, embalado por 43 pódios nos últimos dois anos. Pelo contrário: impulsionaria a descoberta e a maturação de talentos.
O segundo desafio recruta estofo político. Disposta a potencializar os benefícios do esporte à população moída pela desigualdade, Ana terá de vencer retrancas patrimonialistas. Trabalho complexo até para quem dirige há 21 anos o Instituto Esporte e Educação, ONG que inicia milhões de crianças em atividades esportivas.
Uma política pública com ênfase nas dimensões social e educacional do esporte depende de apoio parlamentar. A convergência do Congresso cobrará da executiva habilidade e tenacidade superiores à da atacante poderosa, bronze nos Jogos de Atlanta, em 1996.
Enquanto toma pé dos meandros nos quais mergulha, a nova ministra deve se debruçar sobre a orquestração do Plano Nacional do Esporte. Tramita há dois anos na Câmara e no Senado. Embora inerente ao xadrez legislativo, o prolongado vaivém indica a dificuldade de conciliar interesses econômicos, sociais, corporativos.
Aprovado em agosto passado pelos deputados, o PNEsporte aguarda apreciação dos senadores. Reúne diretrizes para efetivar a prática esportiva como direito social. Assim determina a Constituição.
A partitura engloba o terceiro desafio primordial de Ana Moser: articular esforços interministeriais para converter o esporte num propulsor de saúde aos diversos estratos populacionais. O objetivo alinha-se a dois compromissos no texto original do Plano, relatado por Afonso Hamm (PP-RS):
- Garantir acesso à prática e à cultura da educação física e do esporte nas escolas de educação básica, de forma a promover o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens e favorecer a inclusão social.
- Incentivar a prática da atividade física e do esporte, de forma a promover hábitos saudáveis que contribuam para a saúde e para a qualidade de vida dos jovens, dos adultos e dos idosos.
Atividade física regular é decisiva para prevenir doenças e preservar a saúde ao longo dos anos. Combinada com boas noites de sono e com uma alimentação harmônica, à base de legumes, verduras, grãos, carnes magras e massas integrais, a prática esportiva reduz o risco de obesidade, diabetes, problemas cardíacos, câncer, depressão.
Meia hora diária de caminhada, por exemplo, já faz diferença. Contém as comorbidades, atesta o Colégio Americano de Medicina Esportiva.
Exercícios regulares representam não só uma vacina contra as principais ameaças à saúde. Desdobram-se na redução de custos com terapias, medicamentos, hospitais.
Menos de um quarto dos brasileiros se exercita com frequência, estima o IBGE. A maioria continua distante dos 150 minutos semanais recomendados pela Organização Mundial da Saúde.
Se mais brasileiros se exercitassem regularmente, o SUS pouparia uma parcela razoável dos quase R$ 2 bilhões anuais consumidos por internações derivadas de doenças crônicas não transmissíveis. Em vez de prevenir incêndios, ainda preferimos apagá-los. Sai caro.
A economia com tratamentos reforça a importância da democratização esportiva. Não seria exagero somá-la às urgências de alimentação e saneamento – prioridades máximas num país em que 125 milhões convivem com o estio à mesa, 33 milhões passam fome e 35 milhões padecem sem água tratada.
Uma população bem hidratada, bem nutrida e ativa é uma população saudável. Provê-la de tais condições constitui dever estatal apontado no Artigo 5º da nossa Carta Magna.
O esporte precisa virar protagonista de uma política preventiva. Ana Moser pode contribuir para construí-la, a partir de ações coordenadas com a colega da Saúde, Nísia Trindade.
Isso ajudaria a tornar o esporte um hábito ao alcance de todos. Integraria programas federais, estaduais e municipais desenvolvidos para disseminá-lo em escolas, áreas de lazer, praias. A vocação esportiva do Rio o credencia a difusor desta inadiável política pública.
A oportunidade quica. Ana nunca foi de desperdiçar bola levantada.
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Ídolo multicolor
Roberto correspondeu com sobras ao apelido profetizado quando o repórter Aparício Pires, do Jornal dos Sports, percebeu a vocação do garoto de 17 anos para explodir as redes. O gol de estreia no Maraca, 2 a 0 sobre o Santos em 1971, prenunciava os recordes perenes.
Ninguém superaria os 279 marcados em Cariocas e os 190 em Brasileiros, 69 deles em 1981. Muito poucos chegariam perto de um tão espetacular quanto o arrematado de voleio depois da matada no peito e do chapéu no zagueiro botafoguense Osmar. A preciosidade, incansavelmente revista, eternizou aquele domingo de 1974.
Dinamite, lembram as maravilhas do artilheiro, é sinônimo não só de Vasco – da envergadura esportiva, sociocultural, histórica do gigante de São Januário. É sinônimo, sobretudo, do que o futebol tem de melhor. Por isso habita corações de diferentes cores, inclusive rivais.
Levado pelo câncer, aos 68 anos, o maior símbolo vascaíno reluz a universalidade e a simplicidade dos grandes ídolos. O sorriso fácil, contagiante, acolhia indistintamente torcedores, colegas, adversários, jornalistas. Nem nos piores dia dinamitava a gentileza.
Assim como as pernas goleadoras, sua alma larga batia um bolão.
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Alexandre Carauta é professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.