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Por Analice Gigliotti, psiquiatra
Comportamento
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Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito… mas até quando?

Rompimento de uma amizade pode significar muita coisa, de falta de paciência a respeito a si mesmo

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 28 jun 2023, 14h10 - Publicado em 27 jun 2023, 12h54

Relações humanas regidas pelo afeto tendem a ser cercadas por uma aura de sacralização. A maternidade e a paternidade avizinham-se da ideia do amor inquestionável. Um passo mais atrás, arrisco dizer que estão os amores (e seu “sejam felizes para sempre”) e as amizades. Amigo é família escolhida, dizem. E por ser uma escolha, e não uma imposição, desfruta-se da companhia, da intimidade e da convivência do outro apenas por querer. Mas e quando esse querer acaba?

Passamos por alguns meses de laços desfeitos por política, especialmente em período eleitoral (e não apenas entre amigos, mas também entre familiares). Mas agora, seis meses depois das eleições, fico sabendo com frequência de amizades que se desfizeram. O que leva uma pessoa a desistir da outra, que até ontem  lhe parecia tão querida?

Podem ser muitas razões. Incompatibilidade de gênios, impaciência, mudança de perspectivas de mundo, momentos desencontrados na vida (um só pensa em trabalho, o outro acabou de ter bebê). Porém, por trás de todas essas possibilidades, desconfio que há algo maior. Diante da vida atribulada e corrida, as pessoas estão decidindo que tem algo mais importante a fazer do que alimentar eventuais discordâncias que, quando não magoam, tomam tempo enorme. “Risque meu nome do seu caderno”, já dizia a genial letra de Ary Barroso, cantada por Nelson Gonçalves. Tem muita gente seguindo a dica de Barroso ao pé da letra e apenas riscando o nome do caderno (ou, atualizando para 2023, bloqueando o contato) e isso não se restringe apenas a amigos, mesmo entre familiares, há a opção deliberada pela distância da toxicidade em busca de paz de espírito e saúde mental.

Quando o rompimento acontece em concordância entre os dois lados é triste, mas a vida segue. E quando se trata de um rompimento unilateral, quando alguém decide a presença, as atitudes ou as opiniões do outro lhe causa incômodo? Ou pior, quando um dos lados apenas desaparece? Famosa prática de quando alguém corta a comunicação e simplesmente para de fazer contato sem aviso ou explicação, o “ghosting” também acontece entre amigos. Da noite para o dia, “gelo”.

A prática é mais comum do que se imagina: estudo de 2018 do Departamento de Psicologia da St. Mary’s College de Maryland apontou que 39% dos participantes afirmaram já ter levado um “ghosting” de um amigo. Segundo a responsável pelo estudo, o “ghosting” fere quatro necessidades humanas fundamentais: o senso de pertencimento, o senso de importância, a noção de controle e a autostima. É por isso que, invariavelmente, quem se vê abandonado por um amigo relata um certo sentimento de vergonha – impulsionado, em grande parte, pela crença de que amizades são para sempre.

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E o que fazer? Antes de mais nada, respeite o tempo do outro. Numa amizade, assim como num casamento ou numa relação de trabalho, nem tudo irá acontecer no tempo que você deseja. Se o outro sumiu, talvez ele esteja sinalizando que precisa de distância para refletir ou esfriar a cabeça. Portanto, conceda esse espaço. Em um tempo de comunicação imediata, onde todo mundo sente-se obrigado a estar disponível para o outro, respeitar espaços e tempos parece ser um comportamento respeitoso.

No mais, acredite na fluidez da vida. Quantos amigos de colégio você ainda tem? E de faculdade? E do primeiro prédio em que morou? E do primeiro emprego? Nennhum de nós vai “arrastando” todas as pessoas que conheceu, vida afora. Tudo muda o tempo todo, muito rápido. O que é uma verdade sacralizada num dia, é passado no outro. Algumas ficarão pelo caminho. Reconhecer isso é um importante passo.

E se é você quem está decidindo acabar uma amizade unilateralmente, por qualquer razão, saiba que você tem esse direito. Ninguém é obrigado a conviver com quem não deseja. Mas existem formas delicadas e respeitosas para se fazer isso. Não é preciso, por exemplo, deixar o outro sem resposta, mesmo que uma resposta definitiva, expondo os seus pontos de vista e necessidades atuais. Nenhum tipo de honestidade, por mais doída que seja, será pior do que o sumiço.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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