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Com desfile adiado, escolas driblam obstáculos para brilhar na Sapucaí

Após dois anos de espera, data foi remarcada para abril, trazendo desafios como conservar fantasias prontas e negociar contratos de trabalho e de serviços

Por Paula Autran
Atualizado em 21 fev 2022, 17h57 - Publicado em 18 fev 2022, 06h00
Prova de resistência: desde o último Carnaval, em 2020, as escolas aguardam para retornar -
Prova de resistência: desde o último Carnaval, em 2020, as escolas aguardam para retornar. (Fernando Grilli/Riotur)
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No Carnaval de 2022, o enredo da Portela abordará a simbologia do baobá, tida como a árvore da resistência. A espécie de tronco gigantesco, nativa das savanas africanas, consegue sobreviver ao fogo e a extensos pe­río­dos de seca por milhares de anos. A ideia da frondosa sobrevivência em meio a tamanhas intempéries está presente, como nunca, entre as doze escolas do Grupo Especial, que há dois anos vêm guardando a fantasia no armário à espera de voltar à Sapucaí. Foram freadas, mais uma vez, pela pandemia, que registrou rápida ascensão no número de casos da nova variante da Covid-19 nas últimas semanas, tornando necessário o adiamento da farra momesca.

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A data marcada para os desfiles agora é fim de abril, entre os feriados de Tiradentes e São Jorge, o que revirou a vida dos sambistas. Eles estão diante de dificuldades jamais vistas desde o longínquo 1932, ano do primeiro desfile oficial no Rio. “Parece mais a história da Caverna do Dragão, porque o fim nunca chega”, resume Fábio Pavão, vice-presidente da azul e branca de Madureira.

Em compasso de espera: fantasias armazenadas para evitar danos (acima) e cronograma de produção ajustado para as novas datas no barracão da Mocidade -
Em compasso de espera: fantasias armazenadas para evitar danos (acima) e cronograma de produção ajustado para as novas datas no barracão da Mocidade – (Eduardo Hollanda/Divulgação)

Há um variado leque de obstáculos a ser contornados daqui a abril, como por exemplo a renegociação de contratos já selados pelas escolas, o que impõe ao mundo do samba um permanente exercício de adaptação. Os integrantes que compõem as engrenagens do grande espetáculo também precisam, com o perdão do trocadilho, sambar. Aos 24 anos, o primeiro mestre-sala portelense, Marlon Lamar, é aluno bolsista do terceiro período de medicina da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) e, com a reviravolta no calendário, teve de reajustar a rotina, que combina estudos e ensaios.

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“Eu tinha acertado com os professores que ficaria inicialmente no Rio, em ensino remoto, para me preparar para a apresentação em fevereiro”, conta. Aí veio o adiamento e ele inverteu o esquema — ficará no presencial por ora e, às vésperas do desfile, acompanhará as aulas on-line. Para não perder o ritmo, sua parceira, a porta-bandeira Lucinha Nobre, se prontificou a ir a São Paulo para ensaiarem juntos no mês de março. Depois desse período se revezando entre a sala de aula e os rapapés, Marlon volta ao território carioca, onde o samba dominará sua agenda. “O mestre-sala é como um atleta de alto rendimento. Todo o treinamento teve de ser repensado para não prejudicar a preparação adequada”, explica.

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arte Carnaval

Marlon Lamar, mestre-sala da Portela: ensaios na ponte aérea com a parceira Lucinha Nobre -
Marlon Lamar, mestre-sala da Portela: ensaios na ponte aérea com a parceira Lucinha Nobre – (Raphael David/Riotur)

A alteração de datas afetou a vida de todos e trouxe incertezas, sobretudo quanto ao pagamento dos cerca de 150 profissionais contratados por escola para trabalhar nestes meses que antecedem a festa. São ferreiros, costureiras, aderecistas, uma lista longa. A incontornável pergunta que ecoa nos barracões é se vai haver dinheiro para manter o expediente, considerando que serão mais dois meses de despesas além do previsto.

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Will Costa, assistente do carnavalesco Fábio Ricardo na Mocidade, procurou o diretor de Carnaval e propôs uma reorganização das verbas: “Em vez de pagar hora extra para ter todo mundo até tarde e nos fins de semana, estamos poupando dinheiro para mais adiante, já que agora diminuímos um pouco o ritmo”. O vice-presidente da agremiação, Luiz Claudio Ribeiro, dá uma suavizada nas preocupações. “Vamos manter agora um cronograma mais lento, sem precisar varar noites na Cidade do Samba. E, como temos um prazo a mais, a ideia é que tudo fique ainda mais bonito”, diz o diretor da verde e branco.

O carnavalesco Leandro Vieira, da Mangueira: estratégias para conservar as fantasias já prontas -
O carnavalesco Leandro Vieira, da Mangueira: estratégias para conservar as fantasias já prontas – (Leo Lemos/Divulgação)

Há outros que tentam, como se diz por aí, converter limão em limonada. “Ganhamos um mês e 25 dias. Vamos usar esse tempo para inventar mais efeitos, mais meia dúzia de esculturas, os carnavalescos vão poder aproveitar para criar”, fala o diretor de Carnaval Thiago Monteiro, da Grande Rio, que levará à Avenida um enredo em homenagem a Exu, entidade de religiões afro-brasileiras.

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A Beija-Flor, que vai enaltecer a contribuição intelectual do negro ao Brasil, segue a mesma toada, olhando para as semanas extras como uma chance de dar aquela caprichada na reta final. Alguns processos foram forçosamente adiados. “Vamos deixar para colar os adereços dos carros depois de março, para que o calor não faça com que as coisas se desprendam na hora H”, diz o presidente, Almir Reis. Vê-se neste momento um empenho para manter o que já está pronto intacto. O carnavalesco Leandro Vieira, da Mangueira, precisou, por exemplo, elaborar estratégias para evitar que as fantasias já prontas, cerca de 95% delas, sofram danos. “Armazenamos tudo em cabides, de forma a não amassar penas e babados, pois a chance de isso acontecer com tudo ensacado em um intervalo tão longo é enorme. Já guardamos assim cerca de 500 figurinos”, calcula Leandro.

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Tempo extra: o diretor Thiago Monteiro promete mais efeitos e surpresas no desfile da Grande Rio -
Tempo extra: o diretor Thiago Monteiro promete mais efeitos e surpresas no desfile da Grande Rio – (Leo Lemos/Divulgação)

Responsável pela organização dos desfiles, a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio (Liesa) também está enredada em questões inéditas. O que fazer com os ingressos vendidos para as datas antigas? Como renegociar os inúmeros contratos, de montagem e desmontagem da festa? Porém o mais desafiante para o diretor de marketing da liga, Gabriel David, é avisar aos quatro cantos do Brasil e do mundo que o Carnaval cairá em abril, uma entre várias excepcionalidades destes tempos pandêmicos. “Precisamos batalhar para transferir para abril toda a movimentação turística que o Carnaval sempre trouxe ao Rio”, ressalta o dirigente.

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Não é pouca coisa: antes do vírus, o Carnaval atraiu 2 milhões de turistas e gerou 4 bilhões de reais à cidade. “Além de alavancar a economia, é a nossa essência, o nosso DNA que transborda fronteiras. É difícil dizer quanto ganhamos com ele, pois através dessa manifestação popular estamos presentes em todo o planeta, algo de valor incalculável”, reforça a presidente da Riotur, Daniela Maia. Espera-se que logo os tamborins estejam a toda.

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