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Ambulatório da UFRJ atende vítimas de traumas causados pela violência

No câmpus da Praia Vermelha, serviço no Instituto de Psiquiatria da UFRJ, sempre às terças, é gratuito e aberto ao público

Por Carolina Barbosa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 15 jun 2018, 08h00 - Publicado em 15 jun 2018, 08h00
O caminhoneiro Celso Xavier: 28 assaltos em rodovias o levaram a buscar tratamento (Fábio Cordeiro/Veja Rio)

No Rio, sob intervenção federal e abalado por sustos no noticiário — como o tiroteio que, no dia 8, aterrorizou turistas no Pão de Açúcar —, a sensação de insegurança é pública, notória e amparada em estatísticas. Esse medo difuso, no entanto, não é suficiente para definir o sentimento de um determinado grupo de pessoas: as vítimas que, atingidas diretamente por graves episódios de violência, desenvolvem problemas de saúde e simplesmente não conseguem voltar à rotina. A questão, preocupante, exige atenção especial. Em funcionamento desde 2003, o Laboratório Integrado de Pesquisa do Estresse (Linpes) reúne profissionais de áreas diversas para atender, de forma gratuita, pacientes com o diagnóstico de transtorno do estresse pós-traumático (TEPT). Trata-se de um quadro que, segundo os integrantes do Linpes, atualmente atinge 11% da população carioca exposta a agressões. Ligado ao Instituto de Psiquiatria da UFRJ, o serviço, instalado no câmpus da Praia Vermelha, recebe tanto membros da comunidade acadêmica quanto o público em geral.

Na manhã de 8 de abril de 2014, uma terça-feira, o administrador José Milton Santos, hoje com 48 anos, arrumava-se para ir trabalhar quando o telefone tocou. Do outro lado da linha, a voz do filho, entre gritos e ameaças. Os bandidos exigiam que Santos, funcionário de um banco, esvaziasse o cofre da agência para garantir a sobrevivência de Pedro, então com 15 anos, e dois amigos do garoto, também levados pelos marginais. Foram seis horas de pânico até a libertação dos reféns — sem negociação. O pior parecia ter passado, mas a licença no emprego, inicialmente de quinze dias, acabou durando quatro anos. Santos começou a conviver com pesadelos, insônia, alucinações, crises de choro, ansiedade e outros sintomas terríveis. Atravessava dias sem comer (perdeu quase 30 quilos), não encontrava ânimo para tomar banho nem levantar-se da cama. “Cheguei ao fundo do poço. Não fazia ideia das consequências desse sequestro em mim”, lembra o bancário, que há três anos frequenta o Linpes.

Mariana Luz, coordenadora do ambulatório: “Nenhum roteirista de Hollywood é capaz de imaginar as histórias terríveis que ouvimos aqui” (Fábio Cordeiro/Veja Rio)

No ambulatório da Praia Vermelha, a equipe, com cinco psiquiatras e dezenas de psicólogos, presta em média sessenta atendimentos por mês, sempre nas manhãs de terça-feira. São consultas de até duas horas e práticas terapêuticas orientadas por protocolos internacionais, que abarcam desde a exposição imaginária ao trauma até a superação dos principais medos, através do enfrentamento do alvo. A família, com frequência, participa do processo. “Um ato de violência contamina muitas pessoas. Nenhum roteirista de Hollywood é capaz de imaginar as histórias terríveis que ouvimos aqui”, afirma a psiquiatra Mariana Luz, coordenadora do ambulatório. Ela observou, no último ano, um aumento de 30% na demanda pelo tratamento. Uma pesquisa com 3 000 pessoas, no Rio e em São Paulo, revelou que, entre os cariocas, 88,7% dos entrevistados já haviam sido expostos a algum evento traumático. Outro levantamento mostra que 97% da população teme morrer em um assalto, em uma troca de tiros ou por bala perdida.

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Abalados em graus variados, os pacientes que sofrem com o transtorno do estresse pós-traumático têm em comum um conjunto de sintomas. Dão sinais de “revivescência dolorosa” (lembram-se sempre do episódio, em flashbacks ou pesadelos), “evitação” (evitam tudo e todos que evoquem o ocorrido), “hiperestimulação” (apresentam irritação e palpitações evocadas por recordações) e “cognição negativa” (perda de interesse nas pessoas, isolamento). “Encontrei aqui todo o apoio que não recebi lá fora. Hoje estou em busca de reinvenção e resiliência”, afirma José Milton Santos. Há três meses, seu filho, Pedro, também aderiu ao tratamento, após anos de sofrimento. Outro paciente, o ex-caminhoneiro Celso Xavier do Nascimento, 52 anos, passou a frequentar o ambulatório depois de ter sofrido 28 assaltos em rodovias, dois deles com risco de morte. “Ganho 1 680 reais, não teria condições de bancar o tratamento e os medicamentos em outro lugar”, conta. Como se vê, a violência, quando não mata, pode deixar sequelas severas. A boa notícia é que há gente séria trabalhando para mitigar seus efeitos colaterais.

*Para agendamentos, o telefone é 99849-0851.

(Arte/Veja Rio)
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