FODA e FOMA: o fim da pandemia e os novos medos
Luz no fim do túnel do confinamento traz dois novos medos: o de se relacionar afetivamente e o de voltar a ter uma vida social
Não foram poucos os medos que nos cercaram – e ainda cercam – nesta pandemia: medo de morrer, de perder pessoas queridas, de ficar sem emprego ou sem dinheiro. Medo sobre como será o amanhã. Mas agora, que a cada dia que mais e mais brasileiros recebem a vacina no braço e a possibilidade de nos livrarmos da pandemia se torna mais concreta, começamos a ouvir falar sobre dois novos medos que encaixam perfeitamente neste nosso momento: o F.O.D.A. (Fear of Dating Again, em tradução livre, algo como “Medo de Voltar a Namorar”) e o F.O.M.A. (Fear of Meeting Again, ou algo como “Medo de Voltar a Encontrar”).
Depois de quase dois anos ouvindo – e praticando! – que a distância era fundamental para se preservar do vírus, que não deveríamos tocar ou nos aproximar de qualquer pessoa que nos oferecesse risco, há um grupo de pessoas que começam a admitir o medo de retomar certos hábitos corriqueiros, como encontrar pessoas na praia ou em um bar à céu aberto – atividades já permitidas pelas autoridades, mas ainda desencorajada por especialistas em saúde, que acreditam que só haverá segurança plena quando pelo menos 70% da população estiver vacinada com duas doses (estamos longe disso, com menos de 20% das pessoas nesta situação). Esta condição gera angústia pelo medo de sair de casa e pela dúvida se conseguirá se relacionar socialmente de novo.
De certo modo, o medo de voltar a namorar deriva do medo de voltar a encontrar. Mas vai além. A possibilidade de ter momentos de intimidade com alguém desconhecido provoca apreensão. “Será que é verdade que essa pessoa tomou vacina? Será que ele respeitou o distanciamento? Ou será que pulou de festa em festa?” – são pensamentos possíveis – e capazes de gerar ansiedade. Não é à toa que os aplicativos de relacionamento explodiram de usuários nos últimos meses.
Curiosamente, observo uma terceira via: aqueles que não estão com medo de voltar a encontrar, mas não estão mais dispostos. O simples ato de sair de casa para ir ao encontro de alguém ou mesmo receber convidados em casa tornou-se valioso. Há aqueles que não estão mais disponíveis com tanta facilidade e não é por temor, mas sim por livre e espontânea vontade. Tornaram-se mais seletivos – e se orgulham disso.
Há algum tempo que a presença física das pessoas vinha sendo substituída pela “presença” online. A pandemia apenas acelerou essa tendência. De acordo com o Digital Global Overview Report, nunca tantas pessoas estiveram conectadas por tanto tempo. O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de tempo de uso de internet, com mais de 10 horas por dia. Mas daí a imaginar que o uso indiscriminado de comunicação online seja saudável vai uma longa distância. Como já escreveu a professora do MIT e escritora americana Sherry Turkle, “estamos esperando cada vez mais da tecnologia e cada vez menos uns dos outros”. Seria o espaço digital mais seguro por ser estéril ou teria ele mesmo esterilizado as relações humanas?
Somos seres sociais. Vivemos em grupo e a interação com outras pessoas é fundamental para nossa saúde mental. Porém, eventos traumáticos – e não há como negar que estamos passando por um grande trauma coletivo – podem deixar diferentes sequelas no curto, médio e longo prazos. O comediante Bo Burnham encerra seu brilhante seu show-performance “Inside” (Netflix), todo escrito, filmado e editado por ele durante a pandemia em um quarto, com uma letra de música tão divertida quanto provocadora em que afirma: “Prometo nunca mais sair”. O legítimo comportamento de quem sente F.O.M.A.
Será que todas essas consequências comportamentais da pandemia são temporárias? Como cada um de nós continuará reagindo à uma experiência tão radical com o passar dos próximos meses? É difícil saber. Mas é fácil supor que temos um caminho a cumprir para voltarmos a ser os mesmos de antes de março de 2020.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.