Continua após publicidade

“Entendo a Simone Biles. Eu também já travei”, diz Rebeca Andrade

Medalhista de ouro e prata em Tóquio, ginasta fala das dificuldades no início da carreira, conta que tem um irmão pastor e nega ausência do pai

Por Cleo Guimarães
Atualizado em 20 ago 2021, 10h22 - Publicado em 20 ago 2021, 07h12
Rebeca Andrade
Rebeca Andrade: evangélica, medalhista sonha em ir a um show de Beyoncé e diz que a religião é fundamental na sua vida (Tatyana Zenkovich/EPA/EFE/Divulgação)
Continua após publicidade

Protagonista da mais vitoriosa campanha da ginástica artística brasileira em Olimpíadas, Rebeca Andrade, 22 anos, saiu aos 9 da periferia de Guarulhos, em São Paulo, e muitos capítulos mais tarde acabou por entrar para a história. Primeira mulher do país a conquistar duas medalhas em uma mesma edição dos Jogos (as primeiras da ginástica feminina), a atleta do Flamengo virou xodó nacional não apenas pelo extraordinário desempenho, mas também por sua representatividade.

Garçons trans: na linha de frente, com orgulho e profissionalismo

Negra, filha de uma empregada doméstica, a quinta dos oito filhos de dona Rosa conversou com VEJA RIO sobre a vida antes e depois de sua participação nas arenas de Tóquio. E não se furtou a falar sobre velhos fantasmas que assombram os atletas de sua modalidade, como a pressão por resultados, que outras vezes não vieram, e os casos de assédio sexual, que apareceram de uns anos para cá: “Acontece, sim, mas não vivi isso. Se tivesse passado por algo assim, não estaria aqui”. Evangélica, Rebeca, de 1,54 metro, falou da importância da religião em sua trajetória, contou que tem um irmão pastor e negou que o pai tenha sido ausente: “Tenho lembranças ótimas com ele, sempre me apoiou”, declara.

Seu Jorge: como se não bastasse, ele ainda cozinha e faz tricô

Continua após a publicidade

Sua mãe autorizou que você se mudasse de Guarulhos para morar e treinar em Curitiba sozinha aos 9 anos. Foi dolorido? Lembro perfeitamente desse dia. Ela estava indo pegar o ônibus de volta para São Paulo, virou-se e disse: “Filha, a mãe te ama e vai embora agora, mas estará sempre contigo. Qualquer dia que precisar, a qualquer hora, pode ligar que eu venho correndo e te busco, faço o que for preciso por você. Só te peço para que não me esconda nada e me conte a verdade”.

E você fez isso? Sempre. Não só naquela época. Até hoje conto tudo para ela sobre o que for: treinos, namorados, amizades, sonhos, pesadelos. Às vezes, falo até demais, como nessa parte de namorados. Ela diz: “Você não precisa contar isso para a mãe”. Mas eu entrego tudinho e ela se diverte.

Templo boêmio, La Fiorentina volta em grande estilo

Continua após a publicidade

A ginasta americana Simone Biles afirmou que vinha “lutando contra demônios” e, por isso, desistiu de disputar quase todas as provas em Tóquio. Você já duelou com seus próprios demônios? Sim, quando eu era criança. Ainda estava em Guarulhos e isso me acompanhou por um tempo. Comecei a travar direto.

Travava como? Nos treinos, eu travava em tudo, principalmente na trave e no solo, onde a gente precisa dar piruetas e mortais. Quando fui para Curitiba ainda sofria desse problema, mas de forma menos intensa. No Flamengo, mais tarde, isso continuou, mas acabou passando. Eu não sei explicar que demônios eram esses que me paralisavam, era muito nova. Mas eles existiam e, nesse aspecto, os treinadores foram essenciais. Tiveram paciência e não me forçaram a nada. A partir dos 13 anos, passei a frequentar uma psicóloga.

Essa foi sua fase mais difícil na ginástica? Na verdade, não. Nada foi pior do que as cirurgias pelas quais passei (ela operou o joelho direito em 2015, 2017 e 2019 ). Foi uma barra. É muito complicado para um atleta de alto rendimento ficar fora não só das competições, mas também dos treinamentos. Mas no final isso me fez mais forte.

Continua após a publicidade

Roberta Sá e o amor em tempos de quarentena

Você já declarou ser evangélica e cantou um louvor ao vivo na TV. Qual a importância da religião em sua vida? Sou evangélica, sim. É de família. Aprendi com meus pais, mas hoje é uma escolha minha. Amo minha religião, sempre fui apaixonada pela igreja e sempre gostei de cantar.

É verdade que cogita ser pastora? Não acho que tenha capacidade para ser pastora. Meu irmão é. Moro no Rio e sempre que estou em São Paulo vou à igreja dele, em Guarulhos.

Continua após a publicidade

No que pensa naqueles segundos que antecedem a apresentação na frente dos jurados? Antes de começar, falo comigo: “Fica tranquila, você já fez milhões de séries, está superpreparada, vai lá e arrasa”. Nos vídeos dá até para ver a minha boca mexendo. Eu também oro. Estou sempre conversando com Deus.

“Eu não sei explicar que demônios eram esses que me paralisavam, era muito nova. Mas eles existiam”

Casos de abuso sexual na ginástica passaram a ser denunciados há alguns anos, no Brasil e no exterior. Já foi vítima? Felizmente, não. Esse é um assunto bem delicado, pesado. Para mim, é complicado falar disso justamente porque não passei pela situação, mas entendo que os casos tenham que ser expostos. Fiquei feliz com a força que as pessoas que já foram vítimas tiveram para botar as cartas na mesa e bater de frente. Muitas vezes, eram crianças que não conseguiam reagir. Se tivesse acontecido comigo, provavelmente não estaria aqui hoje.

Continua após a publicidade

Atletas, incluindo as ginastas, se posicionaram antes e durante a Olimpíada contra a sexualização de uniformes femininos que, ao contrário dos masculinos, não priorizam o conforto. Concorda com o movimento? Eu gosto de usar o collant. Me sinto bem assim, mas entendo e apoio às meninas que querem mudanças no uniforme porque se sentem confortáveis e protegidas de outra maneira. Não somos obrigadas a ficar ouvindo gracinhas na internet por causa do nosso uniforme.

Rufem os tambores: Sabrina Sato volta à Sapucaí no próximo Carnaval

A ex-ginasta e comentarista Daiane dos Santos exaltou na TV a representatividade da sua vitória: uma campeã olímpica negra, filha de uma mãe que a criou quase sozinha. Nunca teve contato com seu pai? Tive, sim, e as lembranças que tenho com ele são ótimas. A gente assistia a futebol juntos, jantava. Eu até morei um certo tempo com ele. Meu pai sempre me tratou bem, cuidava de mim. Não teve muita presença na época da ginástica porque eu morava em outra cidade. Mas me apoiou e nunca vai deixar de ser meu pai.

Você mostrou ao mundo o funk carioca ao se apresentar ao som de um remix de Baile de Favela. Pensa em manter essa música nas competições futuras? Agora não penso em mudar, mas, se acontecer, vou manter a surpresa ao máximo. Adoro a batida do funk, gosto de tudo que é música, até de rock. Mas meu estilo preferido é o pop americano. Amo a Beyoncé, uma mulher inteligente que escutou muitos nãos na vida e hoje o mundo todo a conhece. Meu sonho é assistir a um show dela.

+ Para receber VEJA Rio em casa, clique aqui

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de 39,96/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.