Olimpíadas: atletas do Rio contam os desafios da preparação para os jogos
Em meio à pandemia, os treinamentos para a Olimpíada de Tóquio têm sido uma prova de resistência para aqueles que sonham com medalhas
Em 23 de julho, a pira olímpica será acesa no Estádio Nacional de Tóquio, durante a cerimônia de abertura dos Jogos de 2020 — postergados por mais de um ano por causa da pandemia. Se a preparação em qualquer tempo já exige esforço e dedicação hercúleos dos atletas, que se lançam ao limite para perseguir medalhas, a maratona de treinos para a primeira Olimpíada da era pós-vírus é, acima de tudo, um teste de resiliência. Vencer os obstáculos impostos pela crise sanitária tem sido a grande meta entre os cerca de 300 homens e mulheres que vão defender a bandeira nacional do outro lado do mundo.
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“Quando o novo coronavírus chegou ao Brasil, estávamos a menos de um semestre do início da competição e, de repente, tivemos de parar tudo”, lembra Sebástian Pereira, gerente executivo de alto rendimento do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Àquela altura, a já esperada notícia gerou muita frustração e incertezas num momento em que a metade das vagas para o mundial ainda estava aberta. Mesmo assim, as provas qualificatórias foram adiadas e a tensão subiu.
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A partir daí, foi um corre-corre para prejudicar o menos possível os atletas. Até o COB conseguir selar um acordo com o governo de Portugal para enviar brasileiros a centros de treinamento de lá, a chamada Missão Europa, onde eles dariam continuidade à preparação, cada um se virou como pôde. “Ficamos dois meses fazendo exercícios por live, de casa mesmo”, conta a jogadora de vôlei de praia Ágatha Bednarczuk, de 37 anos, que forma dupla com Duda Lisboa, de 22. “A galera acompanhava pelo Instagram. Era uma maneira de incentivar as pessoas a se movimentarem, mas também de tentar manter nossa conexão e sanidade”, lembra Ágatha, que começou 2021 com o diagnóstico positivo para Covid-19, às vésperas de disputar as primeiras etapas do circuito mundial.
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As atuais campeãs brasileiras, aliás, foram o único time a conquistar medalhas, dezenove no total, em todos os eventos internacionais disputados este ano. O mais recente, no México, acabou no início do mês, após a realização de três etapas consecutivas no mesmo lugar, a “Bolha Cancún”, onde elas permaneceram isoladas por vinte dias, sendo testadas a cada dois. “Estamos vindo de resultados muito bons. Não descemos do pódio desde que voltamos às quadras”, comemora Ágatha, que treina no clube Mundo RioSporting.
Com a aproximação dos Jogos, uma das maiores preocupações do COB é com a saúde mental dos atletas, de quem é esperada alta performance em meio a tantas interrogações. Todo o corpo de psicólogos do comitê, constituído por seis profissionais, foi acionado para dar suporte direto à turma, e eles seguem vigilantes, já que o ambiente é de instabilidade — agravada pelas restrições à entrada de brasileiros em certos países. “Imagine não conseguir ir à Olimpíada e ver frustrado um sonho, aquilo para o qual você mais se preparou na vida?”, indaga Pereira, responsável pela gigantesca operação que envolve a participação do Time Brasil e seus 650 membros, incluindo comissões técnica e médica.
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Foi o que ocorreu com oito jogadores de badminton durante o Peru International e o Pan-Americano da Guatemala, torneios que valiam classificação para Tóquio, realizados entre 21 de abril e 2 de maio. Impedida de dar suas raquetadas, a niteroiense Fabiana Silva sabe que diminuíram suas chances de embarcar para Tóquio e, agora, conta com os pontos acumulados em outras competições para talvez chegar ao Japão.
Para os brasileiros que moram fora do Brasil, menos barreiras os separam do sonho olímpico. O carioca Ygor Coelho, maior representante brasileiro do badminton na modalidade masculina, vive na Dinamarca e conseguiu ir aos importantes torneios da Guatemala e do Peru, onde levou a medalha de prata. Dadas as circunstâncias, comemorou sozinho o feito. Classificado após vencer na categoria individual de tênis de mesa no Pan-Americano de Lima, em 2019, o também carioca Hugo Calderano, de 24 anos, sétimo no ranking mundial, é outro que mora fora, em Ochsenhausen, na Alemanha. Lá, ele joga profissionalmente pelo time local.
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“Eu me sinto privilegiado, pois pude continuar em atividade, mas tudo isso não deixa de me afetar”, conta Calderano. “A gente treina por resultados, mas também porque gosta daquela atmosfera calorosa da Olimpíada.” Com a entrada vetada de estrangeiros nas arquibancadas de Tóquio, os competidores terão de duelar pelo pódio sem o tradicional apoio da torcida. “Nosso coração está se acostumando para já chegar lá adaptado”, resume Duda, a jovem craque do vôlei de praia.
No centro de treinamento do COB, na Barra, o número máximo de atletas em exercício ao mesmo tempo baixou de 200 para oitenta. E, para frequentar as instalações, todos precisam apresentar, semanalmente, o resultado negativo do exame de PCR. “No meu único dia de folga, vou até a Fiocruz para me testar”, diz o nadador Guilherme Costa, de 22 anos — a entidade é parceira do COB e oferece os testes. Apesar de ter participado de apenas duas competições nos últimos onze meses, o nadador é uma das promessas do Rio em Tóquio: cravou os melhores tempos do Brasil e conseguiu se classificar para sua primeira Olimpíada em três modalidades, 400, 800 e 1 500 metros livres.
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A seletiva no Parque Aquático Maria Lenk ocorreu entre 19 e 24 de abril, sem público e em uma única etapa. “Foi muita pressão. Era uma chance só. E a plateia faz falta”, desabafa Costa, que estabeleceu uma nova marca sul-americana nos 400 metros, atravessando a piscina oito vezes em 3 minutos e 45 segundos.
Para que a Olimpíada pudesse ser realizada, ainda que sob críticas — os próprios japoneses eram em sua maioria contra —, foi necessário implantar uma série de adaptações estruturais e logísticas, além da adoção de protocolos rígidos elaborados pelo Comitê Olímpico Internacional e pela Organização Mundial da Saúde. Os procedimentos de segurança sanitária deverão começar catorze dias antes da chegada a Tóquio. Para embarcar, será preciso ter em mãos teste negativo para Covid-19 realizado até 72 horas antes. Outro exame será feito na chegada; depois, todos se submeterão a testagens diárias. Uma realidade que alguns atletas, como as velejadoras Martine Grael e Kahena Kunze, ambas de 30 anos, já vêm experimentando nos eventos internacionais — no início do mês, as campeãs olímpicas da Rio 2016 disputaram o Campeonato de Vela de Cascais, em Portugal, e ficaram com o bronze.
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Em Tóquio, se alguém contrair a doença, ficará isolado por pelo menos dez dias em um hotel reservado para esse fim — o que, na prática, custará a participação na competição, com duração de duas semanas. Os deslocamentos dos atletas deverão ser previamente informados aos organizadores, e um aplicativo vai rastrear cada passo deles. Frequentar restaurantes, o comércio ou mesmo dar uma voltinha, nem pensar.
Apesar das condições adversas e tão distintas das de Jogos passados, o time brasileiro está, no geral, entusiasmado com a chegada da maior de todas as competições esportivas. “É a realização de um sonho, nos preparamos muito para isso”, enfatiza a promessa carioca na ginástica artística Flavia Saraiva, de 21 anos, que busca recuperar o tempo perdido (ela passou quatro meses treinando somente em casa, pelo Zoom) com treinos de sete horas diárias, seis dias por semana.
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Em toda a história, apenas três edições olímpicas — as de 1916, 1940 e 1944 — foram canceladas em razão das grandes guerras. A primeira delas viria a ser remarcada para 1920, na Bélgica. Foi quando a bandeira branca com cinco anéis representando os continentes apareceu pela primeira vez, hasteada com orgulho. Também foi aí que o Brasil estreou em Olimpíadas, conquistando três medalhas, todas no tiro, uma delas de ouro. Que esses Jogos da era pandêmica também ajudem a renovar a esperança por dias melhores.