Teatro on-line: de paliativo a novos formatos duradouros
Atores e casas de espetáculo se reinventam para seguirem adiante
O setor artístico foi um dos mais afetados pela pandemia do novo coronavírus. O teatro, como a arte do encontro, ficou impedido de exercer as suas funções, com impactos tanto nas casas de espetáculos, quanto na atividade de atores, diretores, produtores etc. Assim, foram necessárias mudanças e adaptações para um possível “novo normal”.
Para Andréia Cevidanes, professora de teatro há mais de 20 anos, diretora e atriz, a tecnologia possibilitou a continuidade da profissão. “É preciso continuar trabalhando, aí a gente vai descobrindo novas formas. Quem pode parar?”. A professora produziu uma peça pelo Zoom e teve uma ótima experiência, porém ressalta que nem se compara ao presencial.
O ator Rodrigo Ferraro, que também trabalhou em uma peça online, considera que “é uma nova possibilidade de trabalho, uma nova experiência. E cada nova experiência só agrega ao trabalho do ator”. Ele aponta as redes sociais como uma forma de divulgação das peças online, mas que também pode ser usada pelo próprio ator para divulgar seu trabalho.
É importante ressaltar que, mesmo antes da pandemia, o teatro já sofria com falta de incentivos públicos e com a presença de públicos reduzidos. Para Tuila Jost, atriz, diretora e jornalista, o que faz as pessoas irem pouco ao teatro está relacionado a duas questões principais: a falta de reconhecimento do teatro e a sua elitização. “Temos esses dois lados: uma convenção social de que o teatro é quase sempre amador, como se você só fosse profissional da área quando está na televisão; e a questão dos custos, a falta de incentivo, de patrocínios e apoios financeiros”.
Tulia produziu uma websérie no Instagram, “Novelos”, gravada toda terça-feira, em ‘takes’ únicos, para que o público tenha a sensação mais próxima do teatro possível. A motivação veio da insegurança de não ter nenhuma perspectiva de quando poderia voltar ao palco e ao público. Para a diretora, vivemos em uma sociedade com pouco espaço para a potência da arte. “A pandemia trouxe um novo lugar de ver o mundo. As pessoas se deram conta do valor da arte: ‘O que seria da pandemia se nós não tivéssemos um livro pra ler, uma música pra escutar, um filme para assistir?’.
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Segundo Tulia, no entanto, é estranho a gente ter chegado a um ponto tão “duro e cruel” para a arte obter seu reconhecimento. “Nós não precisamos passar pela quarentena para entender que consumimos e somos nutridos pela arte.” A partir da pandemia e o consequente isolamento social, os teatros precisaram se adaptar de forma rápida.
Segundo a administração do Casa Grande, a paralisação abrupta, da forma como chegou, causou um grande impacto. “Fomos obrigados a revisar em poucas semanas toda uma estrutura técnica/financeira/operacional, visto que não sabíamos quanto tempo isso poderia durar. Seguimos nos adaptando, porém mantendo ativos os serviços fundamentais para que a casa permanecesse sempre pronta, como sempre esteve e está.”
Para o Teatro Solar de Botafogo, as dificuldades foram maiores. Em funcionamento há 15 anos, o Solar, construído sem a ajuda do poder público, já recebeu mais de um milhão de pessoas. As atrações são escolhidas pelo ator e dono do teatro, Leonardo Franco. “Ergui este teatro com dinheiro próprio e alguns apoiadores. Desde então é uma batalha para manter o teatro em atividade.” O teatro lançou uma campanha de arrecadação em um site de financiamento coletivo chamada “Vida longa ao Solar”. Depois de dois meses, a meta não foi alcançada. Sem patrocinadores, o teatro decidiu realizar lives para chamar a atenção do público. O projeto mais recente foi “Jazz in Rio Online”.
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Funarj: plataforma de streaming e mais de R$ 1 milhão em editais
A Funarj, que administra, entre outros espaços, Sala Cecília Meireles, Teatro João Caetano, Casa de Cultura Laura Alvim, Teatro Glaucio Gil, Escola de Música Villa-Lobos e Teatro Mário Lago, elaborou uma série de projetos para o período da pandemia, entre os quais uma plataforma de ‘streaming’ para os espetáculos. Tudo isso, conforme explica o presidente da Funarj, José Roberto Gifford, com uma verba pública orçamentária da fundação.
A plataforma única no país se chama Funarj Em Casa, disponível até o fim de novembro de 2020, por onde será possível adquirir ingressos para assistir a peças e espetáculos ‘online’, a hora que a audiência quiser. Os espetáculos também serão realizados nos seus espaços, já com público presente, porém ocupando apenas um terço da plateia e seguindo os protocolos sanitários.
O primeiro evento é o espetáculo “C.A.O.S.”, de Guto Goffi e O Bando do Bem, que ficará um mês em cartaz presencialmente (de 6 a 27 de novembro, na Casa de Cultura Laura Alvim) e um ano disponível ‘online’.
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O projeto, segundo a Funarj, possibilitará um maior acesso aos eventos dos teatros da Zona Sul do Rio de Janeiro. Os espetáculos poderão ser assistidos por pessoas de diferentes regiões do Brasil. Além disso, serão transmitidos gratuitamente em teatros de Marechal Hermes, Campo Grande e Villa Kennedy, possibilitando, assim, um acesso mais amplo à arte.
Gifford ressalta que o auxílio emergencial do governo é importante para o profissional do teatro mas não resolve. “O que as pessoas precisam é de trabalho, precisam atuar. Então a nossa ideia, como um organismo público é: primeiro, disponibilizar todos os seus equipamentos, todos os teatros vão reabrir de maneira segura; e segundo, criar a possibilidade de trabalho”.
Assim, para incentivar a produção cultural fluminense, depois que a pandemia paralisou completamente o trabalho de artistas, produtores e técnicos, a Funarj elaborou uma série de editais de estímulo à atividade cultural no estado. Os três primeiros editais através dos quais a Funarj injetará mais de R$ 1 milhão, foram abertos em setembro.
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“As atividades online só tendem a ser expandidas daqui para a frente, por isso estamos equipando nossos espaços culturais com a tecnologia necessária para transmissões ao vivo, via streaming, de altíssima qualidade, como têm sido os espetáculos transmitidos ao vivo da Sala Cecília Meireles”, complementa Gifford.