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O momento delicado da música erudita e clássica no Rio

Músicos da Rádio MEC FM e do Theatro Municipal relatam as dificuldades, existentes ainda antes da pandemia, para exercer um ofício dirigido pela paixão

Por Rodrigo Reichardt*
Atualizado em 20 jan 2021, 13h39 - Publicado em 15 jan 2021, 08h30

“Não é sabotagem: é projeto político”, afirma o violonista Luís Carlos Barbieri, em referência aos últimos trinta anos de gestão da MEC FM. Conhecido, dentre outros trabalhos, por seu duo com Fred Schneiter de 1987 a 2001, Barbieri é frequentador assíduo da rádio desde 1988, com seu programa “Violões em Foco” no ar de 2008 até 2016.

Barbieri destaca a situação de instabilidade de muitos funcionários da rádio e não entende o encerramento de seu programa. “O Violões em Foco tinha excelente resposta de público. Pesquisa da própria rádio apontava que era um dos poucos que atraía uma faixa etária de 30 anos de idade.” Segundo ele, era o único programa no Brasil destinado ao violão à época.

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“Na renovação, a direção da MEC FM fez de tudo para renovar meu contrato. Já o departamento jurídico da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) colocou todos os empecilhos, as alegações mais ridículas, para que isso não ocorresse. Já que a verba está disponível e existe interesse da rádio em contratar, como dizer não? Simples. Exija novamente documentos que já foram entregues, peça documentos desnecessários. Em resumo, enrole até que o prazo se esgote ou a verba alocada seja deslocada.”

Ele também cita o exemplo do maestro José Schiller. “Foi um dos que não teve contrato renovado com seu programa Música das Américas, de mais de uma década de existência. Criou o programa televisivo Partituras, que só passava em horário nobre, mas logo depois saiu desse horário. Hoje, só ao meio-dia de domingo, às duas e meia da manhã e às cinco da manhã. Só para dizer que existe.”

De acordo com Barbieri, a MEC FM sempre travou uma grande luta. “Como a música erudita sempre foi considerada de elite, nunca houve subsídios suficientes para a rádio, muito carente de recursos e de condições técnicas. Eu acompanhei o pessoal ter que comprar, do bolso, café, levar papel higiênico de casa, ter que reaproveitar as fitas para fazer os programas. Nas últimas décadas, houve um problema ainda maior: uma interferência política.”

Fred Schneiter (à direita), Barbieri (à esquerda) com instrumentos musicais
Lembranças: com a morte de Fred Schneiter (à direita), Barbieri (à esquerda) dedica grande parte de seu trabalho para manter a memória de seu amigo viva (Luís Carlos Barbieri/Divulgação)

Segundo o violonista, a partir da redemocratização, a postura governamental para com a MEC FM oscilou, alternando ora para a alegação de falta de recursos, ora para um elitismo intrínseco da música erudita para justificar a precariedade da gestão.

“Aconteceu de quererem acabar com a rádio porque era elitista e devia ser aberta para o povo, para a cultura popular. A Rádio MEC sempre foi totalmente dedicada às manifestações folclóricas e à música popular. Já se atendia à demanda, mas ainda assim queriam acabar com a MEC FM.”

Indagada quanto ao perfil do público que mais consome música erudita, Vanja Ferreira, harpista solista da Orquestra Sinfônica Nacional, atesta: “O mais variado que se possa imaginar.” Segundo ela, “quando o Theatro Municipal oferecia concertos com ingressos populares aos domingos pela manhã, víamos a plena adesão da população, que formava longas filas para assistir à programação oferecida. Famílias de classes menos favorecidas tinham acesso e compareciam em grupos para assistir aos concertos. Já no Festival de Harpas, que acontece há quinze anos na cidade, observamos um público de todas as idades e classes sociais que, a cada ano, prestigia o Festival.”

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A explicação desse fenômeno para a harpista é, acima de tudo, econômica. “Se recentemente o poder aquisitivo esteve em escala crescente, isto também favoreceu o acesso aos bens artísticos e culturais”, afirma Vanja. No momento atual de desaceleração econômica, o consumo de música erudita volta a ficar restrito a uma pequena parcela do público. “Mas há interesse por este bem cultural em todas as camadas sociais, falta apenas melhores condições financeiras para a maioria da população.”

Antes da crise da Covid-19, o cenário da música erudita no Rio de Janeiro, de acordo com Vanja, já estava pouco animador. “A necessidade de divulgação e o baixíssimo retorno financeiro chegam a ser desoladores para muitos artistas. Esta situação se agrava, de forma contundente, quando adentramos os bairros distantes do centro da cidade, onde não há qualquer oferta de espaço para concertos.”

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Perguntado quanto às ações da MEC FM, para além da frequência 99.3, no trabalho por uma democratização da música erudita, Thiago Regotto, gerente de ambas as rádios MEC AM e FM, assegurou que em 2019 muitas coisas foram feitas. “Mas, por conta da pandemia, tudo foi paralisado”. Dentre as ações, ele destaca o Festival de Música Rádio MEC, a transmissão ao vivo de concertos do Municipal e da Sala Cecília Meireles, e o programa semanal Sala de Concerto, com música clássica ao vivo a ouvintes no Teatro Dulcina.

Procurados, o vice-diretor do Theatro Municipal, Ciro Pereira da Silva, e o maestro José Schiller, não atenderam ao pedido de entrevista.

Rodrigo Reichardt *, estudante de comunicação, sob supervisão dos professores da universidade e revisão de Veja Rio

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