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Martinho da Vila sobre quarentena: “A alegria é uma necessidade vital”

“Em casos de melancolia, causada por um confinamento domiciliar, minha gente, solte a voz com a esperança de que o mal vai passar”

Por Martinho da Vila
Atualizado em 22 Maio 2020, 19h11 - Publicado em 1 Maio 2020, 08h00

Para todos os humanos, desde os primórdios, a alegria é uma necessidade vital. Quem não canta e não dança fica com a saúde fragilizada e perece com pouca idade. O importante é viver e não ter a vergonha de ser feliz, como cantava o saudoso Gonzaguinha. Em tempos obscuros, de guerra e de pragas, a tristeza é também uma ameaça, porque alimenta as tensões e as preocupações que, quando exageradas, alavancam os medos e o pânico. Os melhores remédios são a alegria, o riso e a música.

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É importante rir até da própria desgraça. Xingar sem raiva também é bom, como fizeram os que bateram panela durante a fala do “Bozo” e, alegremente, gritaram sorrindo: “Palhaçooo! Vai tomar no SUS!”. Procede o provérbio “Quem canta seus males espanta”, mas, segundo o rap Rappin Hood, “pra vencer tem que lutar”. Lutar com fé, não só no sentido religioso, mas acreditando que a união fortalece os que empunham a Bandeira da Fé e cantam: “Vamos levantar a bandeira de fé! / Não esmoreçam, fiquem de pé / Pra mostrar que há força no amor”.

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Os primitivos africanos cantavam e dançavam em todos os acontecimentos, ao som de tambores, e os atuais ainda assim procedem nos nascimentos, batizados, noivados, casamentos e até mesmo em doenças e falecimentos. Nas enfermidades, cantos rituais e religiosos, e, nas mortes, batuques profanos, danças e cantigas fora do âmbito religioso. Comparecer a um velório, denominado comba em Angola, é um ótimo programa, regado a comida e bebidas. Se os familiares do falecido têm pouco a oferecer, os amigos se cotizam e compram. Aqui no Brasil, os velórios são muito tristes. Epa! Este texto está descambando para a tristeza, o que não combina com o título, Alegria, Alegria. Aliás, o mesmo de uma bela música — e reflexiva — do Caetano Veloso, que diz: “O sol nas bancas de revista me enche de alegria e preguiça / Quem lê tanta notícia?”.

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Em casos de melancolia, causada por um confinamento domiciliar, minha gente, solte a voz com a esperança de que o mal vai passar. Cantem! Cantem sempre, no banheiro, na cozinha, em qualquer lugar. Cantando forte, alto, a vida vai melhorar. Quem canta afugenta os males. Pode ser um samba-enredo, uma canção lenta, uma bossa-nova, um partido-alto, um samba de roda, de breque ou o sincopado — que quase não se ouve mais. Quando chegar fevereiro, quase sempre o mês do Carnaval, caia na folia. Pule em blocos, bandas e gingue numa ala de escola de samba.

Religiosos radicais dizem que o Carnaval é coisa do demônio, mas não é. Ao contrário. Os dias do “reinado de Momo” podem ser classificados como uma festa cristã, pois sua origem tem relação direta com a quaresma. Segundo estudiosos, a palavra Carnaval é originária do latim, carnis levale, cujo significado é “retirar a carne”, ou melhor, não comê-la no período da quaresma, de arrependimento e reflexão pelos pecados e ofensas cometidas a Deus. Resumo: em função da contrição que viria naquelas cerca de seis semanas posteriores, os religiosos cantavam, dançavam, comiam e priorizavam a alegria nos dias que a antecediam. De brincadeira, escravos eram trajados de senhores e servas se vestiam de damas, assim como reis se travestiam de vassalos e esses últimos ganhavam ares de nobres. Eis a razão pela qual na folia vemos muitos homens vestidos de mulher e vice-versa. Nos tempos atuais, ninguém se priva dos prazeres da vida na quarentena quaresmal, mas não abrimos mão de carnavalizar, seja nos bailes de salão e desfiles de escolas cariocas, seja nas micaretas baianas.

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Em muitas cidades da Europa há escolas de samba que teimam em imitar as brasileiras. Alguém se arrisca a dizer o porquê? Vamos a um dedo de prosa: a fantasiosa Liga Dependente das Agremiações de Samba enviou ofícios a dez escolas europeias convidando-as para desfilar no Carnaval de São Sebastião e Estácio de Sá. Aceito, o trato inicial evoluiu para a criação de uma escola de samba comandada por brasileiros e com letra de um compositor nacional. Alguns trechos: “Eu te amo, eu te amo Brasil! / E vim desejar muita felicidade nos anos dois mil / Singrei os mares como os navegantes de Sagres / Cruzei os ares como o genial Santos Dumont / Pra confraternizar com a gente brasileira / E festejar no desfile das campeãs”.

Os estrangeiros chegaram quinze dias antes, foram ensaiados exaustivamente por um diretor de harmonia ao som de uma minibateria. Uns, desajeitados, custaram a entrar no ritmo, outros conseguiram logo assimilar a ginga. Por fim, cantavam o samba-enredo quase sem sotaque. Desfilaram com uma euforia incrível, sob efusivos aplausos. E um diretor gritava: alegria, minha gente!

*Martinho da Vila é patrimônio cultural e imaterial da nossa cidade

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