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Laranja é a nova cor das taças desejadas

Tão antiga quanto a própria história do vinho, a bebida milenar de tonalidade âmbar retorna às mesas do mundo todo — inclusive nas dos cariocas

Por Pedro Landim
17 fev 2023, 06h00
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Cor e sabor: contato longo com as cascas e pouca intervenção no processo (iStock/Getty Images)
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Branco, tinto ou rosé? A pergunta do maître caducou no universo do vinho. Basta se alojar nos balcões dos melhores bares dedicados à bebida ou à mesa de estrelados restaurantes para ouvir uma resposta menos provável: laranja. Não se trata aqui de nada parecido com a afamada mimosa — o coquetel que verte suco de fruta sobre espumante —, mas do resultado de um processo milenar de vinificação de uvas brancas. Eis que ao final dele se tem uma bebida de tonalidade mais amarelada, que vem encantando especialmente paladares mais jovens. Se em cidades como Nova York, Paris e Tóquio, afeitas à vanguarda em pratos e taças, já existem lojas dedicadas aos laranjas, no calor do Rio eles vêm tendo surpreendente saída. “É fresco e gastronômico, diferente e divertido”, define o músico e empresário Gabriel da Muda, que trabalha apenas com os rótulos naturais na Fabro, misto de padaria, empório e bar na Barra, onde as versões alaranjadas vendem até 20% mais do que as outras na temporada do calor.

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O líquido de cor intrigante vem se espalhando pela cidade em endereços como Sult, Trégua, Coltivi, Wine House, Cave Nacional e Marchezinho — locais que “alaranjaram” suas cartas com garrafas de variadas nacionalidades e bons exemplares brasileiros. Esses últimos, inclusive, são vistos nas torneiras de um projeto que leva vinho às ruas — o Tão Longe, Tão Perto, da sommelière paulistana Gabriela Monteleone, que garimpa rótulos de pequenos produtores nacionais e envaza em barris de inox para serem servidos de forma, digamos, mais popular. Um dos selecionados é da uva sauvignon blanc, feito pela gaúcha Vivente, do produtor Diego Cartier, que traça um interessante paralelo com as cervejas do estilo IPA, a primeira de muita gente que se inicia no mundo das loiras artesanais. “Os laranjas proporcionam uma explosão de aromas, e acabam trazendo muita gente para o universo dos naturais”, avalia Cartier.

Maíra Freire, sommelière do Lasai: laranjas na carta de vinhos e nos cursos da ABS -
Maíra Freire, sommelière do Lasai: laranjas na carta de vinhos e nos cursos da ABS (Evandro Manchini/Divulgação)
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No Rio, o líquido laranja da vez está chegando em torneiras como as das lojas da Slow Bakery, que também oferecem a versão engarrafada. Sommelière do celebrado Lasai, Maíra Freire deixa de lado as taças finas da casa para servir o vinho em copos americanos, representando o Tão Longe em barraquinhas da feira gastronômica Junta Local, e pontos nas esquinas do agitado Baixo Botafogo. Seja como for sua apreciação, ele guarda afinidade com os orgânicos, biodinâmicos e naturais, embalado por uma filosofia que resgata um método ancestral e de baixa intervenção, em que as uvas brancas são vinificadas como antigamente. Ou seja, as frutas são maceradas e fermentadas com casca e sementes por dias, meses ou anos, geralmente com leveduras selvagens, criando vinhos que variam na tonalidade — do amarelo ao laranja, do âmbar a tons de ferrugem — e na intensidade. No caso dos brancos tradicionais, após a prensagem das uvas, são descartadas as cascas, que no caso dos laranjas são protagonistas no processo de produção.

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E assim surge uma bebida complexa, às vezes carregada nos taninos e até oxidada, revelando diferentes camadas de sabor e um notável corpo aveludado. “É um vinho que tira a pessoa do óbvio, mas traz responsabilidade para o sommelier. Bem escolhido, pode se transformar na melhor coisa que o cliente já bebeu”, entusiasma-se o premiado sommelier Leonardo Silveira, do Oteque, que oferece exemplares italianos e austríacos nas harmonizações dos ousados menus do chef Alberto Landgraf. A versatilidade à mesa, superior à de tintos e brancos, é um diferencial citado por quem entende. “Ele vai bem com carnes suínas e ensopados, comidas condimentadas como a indiana e a tailandesa, frutos do mar, queijos e também carne vermelha”, recomenda o sommelier Dionísio Chaves, responsável pela chegada do primeiro laranja ao supermercado Zona Sul, onde o chileno Naranjo, das uvas viognier, se encontra por 149,40 reais. Ele aconselha uma temperatura de consumo entre 13 e 15 graus, mais elevada que a dos brancos, para melhor apreciação.

Tão Longe, Tão Perto: projeto busca exemplares nacionais para servir na torneira -
Tão Longe, Tão Perto: projeto busca exemplares nacionais para servir na torneira (Maria Carolina Castro/Divulgação)

Especialistas que se atêm aos aromas elencam um rol eclético nos rótulos laranja — de amêndoas, flores, frutas secas, damasco e mel a verniz, casca de laranja e até jaca. O leigo pode esbarrar com algum deles no animado bar de vinhos Belisco, em Botafogo, que disponibiliza oito opções em garrafa e duas em taça, como o argentino Casa de Uco El Salvaje (55 reais a taça), para o qual a sommelière e sócia Gabriela Teixeira sugere a companhia de ostras fritas com maionese de missô. “O laranja tem taninos que dão estrutura e amplitude para a harmonização”, diz Gabriela, que, ao lado de Maí­ra, do Lasai, compõe um grupo à frente de aulas sobre vinhos naturais na grade do curso de formação da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), instituição que completa quatro décadas observando os novos ventos. “Adoro os brancos, mas eles acabam tendo certa limitação do ponto de vista da gastronomia. O laranja ocupa essa lacuna”, opina Joseph Morgan, presidente da ABS.

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A ressurreição desses vinhos, consumidos na Antiguidade, deu-se há duas décadas em paisagens distantes do noroeste da Itália, na fronteira com a Eslovênia. Foi lá, na região de Friuli-Venezia, que o italiano Josko Gravner, considerado o papa dos laranjas (cuja cor ele prefere chamar de “âmbar”), voltou pelo menos 5 000 anos no tempo após visitar a Geórgia, nas montanhas do Cáucaso, a região vinífera mais antiga do mundo. Gravner lançou mão dos qvevri, ânforas de argila onde os vinhos fermentavam enterrados no solo, e seguiu exatamente o mesmo roteiro, criando com a uva ribolla gialla um vinho cultuado como joia. Num cenário de mais de 700 produtores de 35 países, as taças de um colorido que ainda intriga o carioca felizmente aportaram nestas praias.

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TESTADOS E APROVADOS
A opinião da sommelière Gabriela Teixeira sobre cinco rótulos

Gabriela Teixeira
Novo tons: Gabriela degusta laranjas no Belisco, em Botafogo (Leo Lemos/Divulgação)
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El Elefante Pisador
(./Divulgação)

El Elefante Pisador
“É produzido em Canelones, no Uruguai, com a aromática uva traminer, e apresenta acidez na medida certa.” 140 reais no https://www.europaimpor­tadora.com.br

Siegel Naranjo Viognier
(./Divulgação)
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Siegel Naranjo Viognier
“Maturado no calor do Vale do Colchágua, no Chile, com a uva viognier, revela frutas secas e toque floral no olfato.” 149,40 reais no https://www.zonasul.com.br

9 Is Enough
(./Divulgação)

9 Is Enough
“Na italiana Puglia, a produtora Valentina Passalacqua faz com as uvas pinot griggio um vinho fresco, que se equilibra com a acidez.” 275 reais no https://www.europaimpor­tadora.com.br

Casa de Uco El Salvaje Naranja
(./Divulgação)
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Casa de Uco El Salvaje Naranja
“Um blend de chardonnay e torrontés feito em Mendoza, não é filtrado e traz ainda mais sabores e aromas, de tamarindo e physalis.” 129 reais no https://www.winelovers.com.br

Gravner Ribolla Gialla
(./Divulgação)

Gravner Ribolla Gialla
“O mítico de Josko Gravner é fermentado cinco meses em ânforas, e passa seis anos em carvalho esloveno. Um rótulo de primeira, persistente e complexo.” 1 200 reais à espera da nova safra no https://www.decanter.com.br

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