Pesquisa inédita revela o que pensam e bebem os cervejeiros cariocas
Cem especialistas na bebida elegem as marcas preferidas, as tendências do mercado e os melhores bares, de acordo com preço, variedade e serviço
Basta olhar para o lado: não importa o caminho, o carioca inevitavelmente vai tropeçar em um bar com várias torneiras de chope, uma loja repleta de latas e garrafas de colorido variado ou algum evento dedicado a cervejas especiais. A bebida que talvez mais combine com o espírito do Rio encontra por aqui terreno fértil para crescer. Em 2017, foram contabilizadas 180 cervejarias registradas no estado. Dessa lista, 57 têm fábrica própria — eram doze em 2011. Atualmente, o setor cervejeiro movimenta cerca de 1,6% do PIB nacional, e o consumo anual da bebida chega a 60,7 litros per capita. Para efeito de comparação, na França cada pessoa bebe por ano 52 litros de vinho. Uma longa tradição e temperaturas altas permitem concluir que esse índice seja um pouco mais elevado no Rio. Para desvendar os meandros desse universo em plena expansão, VEJA RIO convidou 100 especialistas da área para participar de uma pesquisa exclusiva sobre o assunto. Ao longo de um mês, produtores, sommeliers, vendedores, donos de bares e realizadores de eventos responderam a 44 perguntas, apontando preferências, as marcas mais admiradas, no Brasil e no exterior, hábitos de consumo e as tendências do mercado (para o bem e para o mal) — um spoiler: as cervejas sour vêm com tudo. A maioria dos entrevistados é do sexo masculino (80,4%), tem idade entre 36 e 41 anos e ensino superior completo. Analisadas minuciosamente, as respostas revelam um panorama inédito e irresistível, tanto para quem se empenha em criar e oferecer os melhores goles quanto para quem não dispensa uma gelada. Aos trabalhos.
Beba menos, beba melhor
Os hábitos de consumo da turma que aprecia as artesanais
A despeito da recessão que vem atingindo diversos setores da economia fluminense, a maior parte dos entrevistados não se priva de abrir a carteira para beber bem — o que explica o crescimento em cenário adverso. Segundo a pesquisa, 33,1% dos participantes gastam mais de 200 reais com cerveja por semana. Quase todos dão preferência a rótulos especiais, em vez daqueles de larga escala, apesar dos valores mais altos. “Os dados do setor mostram que, mesmo na crise, as microcervejarias apresentaram um considerável crescimento no volume de produção e de vendas. O que reforça o lema dos entusiastas da revolução da cerveja artesanal: beba menos, beba melhor”, afirma José Gonçalves Antunes, especialista em desenvolvimento setorial da Firjan. O frescor também conta: mais da metade (59,8%) prefere degustar a bebida em bares e na versão chope (54,4%), direto da torneira, deixando a garrafa em segundo plano, com 36,9% dos votos.
As queridinhas do público
Marcas em destaque na opinião dos especialistas
Seguindo conceito difundido por países de cultura cervejeira, como Estados Unidos, Bélgica e Inglaterra, o movimento “Beba local” ganha força por aqui. Na hora de escolher, a maioria prioriza marcas nacionais, principalmente as fluminenses. Apenas 5,8% privilegiam as importadas. A carioca Hocus Pocus sobressaiu entre as nacionais, batendo as badaladas Bodebrown (Curitiba), Dogma (São Paulo) e Seasons (Porto Alegre). A cervejaria criada no Rio, batizada com o nome de uma música da banda holandesa de rock progressivo Focus, foi citada ainda como líder em inovação e dona dos rótulos mais criativos, com 41% dos votos. “Começamos de brincadeira, criamos receitas que gostaríamos de beber”, conta Pedro Butelli, dono do negócio ao lado de Vinicius Kfuri. A escola americana influencia as criações da dupla e o consumo de 51% dos cervejeiros, com seus exemplares lupulados e aromáticos. Embora militantes das artesanais, 58,3% dos entrevistados também consomem marcas produzidas em larga escala. No dia a dia, a verdinha Heineken domina as geladeiras de pouco além de 91% do grupo consultado, à frente das concorrentes Brahma, Antarctica, Skol e Itaipava — esta cravada como a pior do segmento.
OLD SCHOOL foi eleita a marca com a melhor relação custo-benefício na opinião de 17%
Entre um gole e outro
Conheça os bares com o melhor atendimento, custo-benefício e variedade de rótulos
Na hora de decidir onde beber, há uma extensa lista de opções que vai do pé-sujo mais próximo (e mais em conta) ao reduto exclusivo, de serviço impecável. Melhor para o cliente. Os resultados da pesquisa mostram um cenário democrático e pulverizado, com endereços apontados pelos quatro cantos da cidade. Há quase dois anos na Praça da Bandeira, o Hop Lab Pub ostenta cuidadosa seleção dos barris e equipe treinada: todos os atendentes no salão têm formação de sommelier. “O chope deve ser servido padronizado, em copo adequado ao estilo e com nível de espuma correto”, decreta Pedro Victor Freitas, sócio do estabelecimento reconhecido pelos consultados como referência em atendimento, um quesito ainda claudicante nas melhores casas do ramo. Na outra ponta, o informal Brewteco, com 36 torneiras divididas entre o Leblon e a Barra, abocanhou o título de melhor relação entre custo e benefício da cidade. À frente do bar, Rafael Thomaz diz que a estratégia sempre foi oferecer produtos frescos a preços acessíveis. “Entendo que tem hora para sentar e apreciar um rótulo com pompa, mas na maior parte do tempo a cerveja é para acompanhar a conversa ou um jogo de futebol, sem o risco de virar um cervochato”, provoca. Lá, os valores costumam oscilar entre 9 e 15 reais (300 mililitros).
Muito além do copo
Os cursos, eventos e personalidades que vêm se destacando no mercado
Até outro dia, quem quisesse enveredar pelo universo cervejeiro tinha de recorrer a instituições alemãs ou americanas. Na primeira década dos anos 2000, a crescente demanda por rótulos importados e a expansão do mercado levaram à criação de escolas como o Instituto da Cerveja Brasil, de Estácio Rodrigues, Alfredo Ferreira e Kathia Zanatta (a primeira brasileira formada sommelière). Com sede no bairro de Moema, em São Paulo, e módulos itinerantes, a escola, aberta há oito anos, foi eleita a melhor instituição de ensino por 62,6% dos cervejeiros. Desde 2013, o ICB formou 960 alunos no Rio. No primeiro trimestre deste ano, teve um aumento de 40% no faturamento, em relação ao mesmo período de 2017. “Com os cursos profissionalizantes consolidados, vamos investir em workshops curtos para atrair o público leigo”, afirma Rodrigues. Das primeiras turmas saiu o especialista Gil Lebre, hoje coordenador no instituto. Um dos melhores sommeliers da cidade, ele é também dono da loja A Perua da Cerveja, a favorita para a compra de latas e garrafas.
Navegar é preciso
Como os destinos turísticos e as tendências observadas no exterior influenciam o mercado local
Declarada Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco, em 2016, a cultura cervejeira belga movimenta cerca de 4 bilhões de euros. Reduto tradicional, com 1 500 variedades produzidas por 224 marcas, incluindo seis mosteiros trapistas centenários, a Bélgica é o principal destino internacional do turismo cervejeiro. O calendário em torno do tema traz eventos como o Belgian Weekend, festival anual realizado em setembro, na capital, Bruxelas, que recebe mais de 60 000 visitantes. Nos moldes do que se oferece lá fora, a serra fluminense dispõe de bem cotados espaços temáticos abertos à visitação: o complexo da Bohemia, em Petrópolis, e a Villa St. Gallen, em Teresópolis, lideram a lista dos pontos turísticos locais. Além dos espaços e eventos, tendências estrangeiras influenciam o mercado nacional. Destaques recentes, receitas ácidas e suas variações (com frutas, mais intensas ou em estilos combinados) devem continuar em alta, na opinião de 39% dos especialistas. Para 18%, é esperado um retorno a cervejas mais leves e estilos clássicos, como pilsen. Há modismos que começam a cansar — a polêmica maior vem das chamadas new england ou juicy IPAs, turvas e lupuladas, além de derivadas do estilo amarguinho. A inclusão de lactose nas receitas (que levou às milk-shake IPAs) também foi alvo de duras críticas