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Na trilha das delícias que vão da fazenda e do mar ao prato

Um roteiro em que o destino final são locais de cultivo de ingredientes de sabor único é promissora aposta para o turismo no Rio

Por Pedro Landim
20 set 2024, 06h00
A empresária Cris Beltrão: trabalho com a gastronomia peruana serviu de exemplo
A empresária Cris Beltrão: trabalho com a gastronomia peruana serviu de exemplo  (Andre Arruda/Divulgação)
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“Há milhares de espécies de peixes no oceano. Por que comemos sempre os mesmos?” A provocação do chef-celebridade René Redzepi, do aclamado restaurante dinamarquês Noma, na nova série Onívoros (Apple TV), em que o precioso atum bluefin roda o globo de avião para abastecer altas cozinhas, fez tilintar panelas mundo afora. Em uma era na qual alimentos locais passaram a ser supervalorizados, o conceito conhecido como farm to table (da fazenda à mesa ou do mar ao prato, neste caso), que enaltece o tripé variedade, frescor e sabor, ganhou agora um aliado no Rio, com a abertura do Instituto Bazzar. Funcionando em uma charmosa casa do Jardim Botânico, na Rua Visconde de Carandaí, o projeto foi idealizado pela empresária Cris Beltrão e tem como proposta investigar a história da cultura alimentar no estado e mapear pequenas produções com potencial para chegar às boas casas e ainda impulsionar uma rota turística feita sob medida para uma turma afeita a desbravar aqueles ingredientes capazes de dar a guinada numa receita. “O turismo da gastronomia movimenta 805 bilhões de dólares no planeta. Nosso potencial e paisagens naturais são imensos e precisamos explorar isso”, afirma Cris, que esteve por mais de duas décadas à frente do restaurante Bazzar, pioneiro nestas areias no uso de produtos locais.

Já há iniciativas notáveis a quem vive de garimpar matéria-prima para abrir os horizontes do paladar. Na Lagoa de Araruama, deu-se o “milagre dos peixes”, fenômeno que certamente surpreenderia o nobre cozinheiro dinamarquês, tamanha a profusão de tainhas, carapebas e camarões-rosas de primeira qualidade hoje ali pescados. Essa fartura só foi possível após investimento na dragagem de um canal e na instalação de estações de tratamento — tudo apoiado pelos pescadores, sob a liderança de Francisco Guimarães Neto, o Chico. E começou a dar peixe: a extração já subiu 30% por lá, e a Embrapa iniciou estudos para conceder um selo de qualidade à tainha de Araruama. Do japonês Mitsubá ao premiado Ocyá, comandado pelo chef Gerônimo Athuel, ela está por toda parte. “Pesquei com os locais e fiquei impressionado com o trabalho criterioso. É como na Sardenha, mas as tainhas aqui são ainda melhores, graças à hipersalinidade da Laguna”, avalia o chef italiano Silvio Podda, da Casa do Sardo, citando, com propriedade, sua ensolarada terra natal. Chico, o pescador, retribui: “O reconhecimento dos chefs é uma honra. Ganham clientes, e nós, a chance de poder vender diretamente o produto”, diz.

De primeira linha: o cacau fluminense, a tainha de Araruama e a charcutaria da Porco Alado
De primeira linha: o cacau fluminense, a tainha de Araruama e a charcutaria da Porco Alado (./Divulgação)

Na Região dos Lagos, o instituto estabeleceu a ponte entre pescadores e chefs, auxiliando na estruturação do Pescando Tradições, projeto que recebe pessoas para conhecer a atividade e degustar receitas, além de apresentar biojoias feitas com barbatanas e escamas. Está aí uma categoria de turismo que impulsiona economias ao enfatizar identidade territorial, produtos originais e sustentabilidade. No rol dos bons exemplos elencados por Cris, emerge a gastronomia peruana. “É emblemático o trabalho desenvolvido no Peru. O governo percebeu o potencial da gastronomia, investiu nessas frentes, e o turismo expandiu 800% em trinta anos”, conta. Em 2023, o restaurante Central, de Lima, adepto radical dos produtos locais, tornou-se o primeiro latino-americano a conquistar o títu­lo de melhor do mundo no The World’s 50 Best Restaurants, que tem outros três peruanos no primeiro escalão.

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No terreno da charcutaria, falta pouco para a iniciativa nascida em caves naturais escavadas nas montanhas de Nova Friburgo, na Serra Fluminense (única no Brasil a usar o modelo), invadir mercados e restaurantes premiados como o Sud, o Pássaro Verde, de Roberta Sudbrack, o Lilia, de Lucio Vieira, e o francês Didier — só para citar alguns dos que já provaram e serviram delícias como a coppa negra e o prosciutto de pato da Porco Alado, criada por Breno Furtado. Há anos tentando obter o Selo Arte, que certifica identidade e qualidade, um impulso ao comércio nacional de produtos artesanais que envolve as esferas municipal e federal, ele recebeu apoio do Instituto Bazzar, que produziu laudo com pesquisa histórica sobre a criação de suínos na região. E está perto de obter a decisiva chancela. “O produto do Breno se situa no nível dos melhores do mundo”, elogia Roberta Sudbrack, que já utiliza as linguiças e os embutidos em seus famosos sanduíches. São produtos feitos com porcos da raça moura, do Paraná, criados soltos e se alimentando de frutas e verduras. “A qualidade da matéria-prima muda tudo, da textura à gordura, o sabor e o aroma”, atesta o charcuteiro.

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Em meio ao roteiro, desponta uma deliciosa trilha do chocolate: ela se estende de Paraty, na Costa Verde, a Bom Jesus do Itabapoana, no norte do estado (de um sítio de lá, aliás, vieram as barras com 100% de cacau de agrofloresta que Cris distribuiu em restaurantes como Sud e Lasai). Esta atividade, por sinal, anda muito bem, obrigado, por aqui, na contramão do declínio observado mundo afora. O produtor Carlos Cipriano, da Fazenda do Cacau no Paraíso, em Cachoeiras de Macacu, vendeu quase 1 tonelada no último ano e tem como compradores o Maré Chocolate e a Eko Foods, dona da Bhering. O desafio é manter o foco no cacau fino, que é como ouro para os produtores. “A Bahia também não tinha cacau, que desceu do Amazonas. Nosso clima favorece o cultivo de exemplares com notas de frutas secas, ou frescas, dependendo da torra”, explica Patrícia Nicolau, especialista e consultora que vem capacitando produtores. Em dezembro, ela fará uma apresentação do cacau fluminense a chefs e confeiteiros na sede do Instituto Bazzar. Que venham sobremesas à base do mais puro terroir fluminense.

Tesouros para comer

Produtos fluminenses que estão na mira dos chefs

Arroz anã de Porto Marinho
Cresce na comunidade rural de Porto Marinho, na região serrana, uma variedade única em vias de obter o certificado de Indicação Geográfica (IG). Cultivado de forma orgânica em agricultura familiar, apresenta grãos pequenos e é macio e perfumado.

Tomates
(Sabinoparente/Getty Images)

San Marzano de Paty do Alferes
A versão brasileira dos melhores tomates do mundo encantou chefs como Nello Garaventa, do Grado, e Romano Fontanive, do Gabbiano. As sementes foram trazidas da Itália pela arquiteta Denise Porto, que faz cultivo semiorgânico em estufas. Delicado, o fruto comprido possui polpa carnuda e doçura acentuada.

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patês en croute, rillettes e presuntos
(./Divulgação)

Cochon Rouge
A história de Pedro Attayde, que se apaixonou pela charcutaria francesa e montou no Estácio uma fábrica de processos artesanais, certificada pelo município, reflete-se nos inesquecíveis patês en croute, rillettes e presuntos, que já ganharam as mesas de restaurantes como Quitéria, So_lo e Celeste.

Laranja de Tanguá
Maior suculência e doçura, com baixa acidez e cor pronunciada — esses são atributos da fruta que recebeu o selo de Denominação de Origem (DO) em Tanguá, na região metropolitana do Rio. Com adubação orgânica e uso de abelhas na polinização, as laranjas se beneficiam do solo e do clima típicos de lá.

Orgânicos da Fátima
Apreciada por Claude Troisgros e fornecedora de mais de trinta vegetais para os principais restaurantes do Rio, Fátima Anselmo toca a maior horta orgânica urbana do estado, no Itanhangá. Defensora das Pancs e de produtos brasileiros como a taioba e algumas abóboras, ela recebe chefs para colocar a mão na terra e conhecer o cultivo.

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