Gastronomia: a hora do leite vegetal chegou
Novas versões da bebida se popularizam, ganham as prateleiras dos mercados, dão origem a novos produtos e conquistam espaço da cozinha dos chefs
Uma rápida passada com o carrinho de compras pela seção de laticínios de qualquer supermercado confirma: há algo de novo no reino dos leites. O produto, que antes era originário unicamente das vacas, com uma ou outra variação feita a partir de soja, agora comparece nas prateleiras em uma infinidade de opções à base de grãos e cereais. Tem leite de amêndoas, de castanhas, de sementes, de aveia, de arroz, de coco — uma variedade explicada tanto pelo aumento da população vegetariana, que só no Rio representa 16% dos moradores, quanto pela maior preocupação com alergias e intolerâncias.
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Na rede La Fruteria, especializada em alimentos saudáveis, o número de novas marcas e variedades de leite triplicou no último ano. No mesmo período, as vendas do leite que não saiu da vaca cresceram 30%. A tendência se replica mundo afora, reforçando a estimativa de que o mercado global de leites vegetais, que já alcançava 9 bilhões de dólares em 2018, vá pular para 12 bilhões de dólares até 2024. Diante da demanda crescente, não faltam investidores interessados em ampliar as opções, como os cariocas Alexandra Soderberg e Felipe Ufo, que em dezembro lançaram a marca Naveia, nome engraçadinho derivado da tradicionalíssima aveia. “Estava em Berlim e provei um leite de aveia delicioso. Me deu um estalo: não tem algo assim no Brasil”, conta Ufo.
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Os testes começaram em fevereiro de 2018, em parceria com um laboratório de alimentos em São Paulo especializado no desenvolvimento de produtos vegetais, e culminaram com um acordo comercial com uma empresa alemã para o desenvolvimento do produto final. Acertada a receita sem lactose, açúcares ou conservantes, os sócios montaram uma pequena fábrica e começaram a produzir. “Este ano vamos investir no lançamento de novas alternativas, como uma versão especial, de vaporização facilitada, para baristas usarem nas cafeterias”, antecipa Ufo.
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Leites à base de amêndoas, castanha de caju e coco são a especialidade da Purifica, outra empresa do Rio que se dedica à produção artesanal da bebida vegetal. Após cinco anos testando a aceitação do produto em feiras e eventos, o casal Rafael Ferro e Paloma Blanc fechou acordos de venda conjunta com o Brownie do Luiz e o restaurante Prana, entre outros, e pôs à venda produtos derivados da bebida, como um creme de avelã, o brigadeiro de colher e até um achocolatado. No ramo desde 2015, eles afirmam que a produção cresceu mais de dez vezes no período. “Mesmo quem não é vegano, nem tem intolerância a lactose, fica curioso e experimenta”, diz Ferro.
Por mais que as vendas cresçam, porém, o preço ainda é uma barreira à popularização mais ampla. Enquanto o litro do leite comum fica em torno de 5 reais, as versões à base de plantas são três a quatro vezes mais caras, dependendo do produto-base — 1 litro de leite de amêndoas consome 200 gramas da custosa matéria-prima, por exemplo. “Além disso, o leite de vaca tem diversos subsídios, enquanto o vegetal paga quatro vezes mais impostos. É bem difícil competir”, observa Felipe Ufo, da Naveia.
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Tirando as variações de sabor, não há nenhuma contraindicação para o uso do leite vegetal em toda e qualquer situação onde o produto animal costuma marcar presença — inclusive no popularíssimo café com leite. A rede Starbucks passou a oferecer a bebida de amêndoas e de coco com castanhas em suas lojas cariocas, ambas da marca A Tal da Castanha, pioneira na fabricação do produto no Brasil. Os leites vegetais também entram no preparo de receitas de bolos, pudins, doces em geral e pratos mais elaborados, aumentando as opções para quem prefere um cardápio livre de produtos de origem animal. “A demanda é uma realidade, e todos os chefs estão desenvolvendo criações para esse público”, diz Christiano Ramalho, à frente do Bistrô da Casa, na Glória — que não é vegano mas tem entre seus carros-chefe o nhoque frito de raízes, salteado com cogumelos, ao molho de — surpresa — leite de castanha-do-pará. “As pessoas acham que as coisas vão perder o gosto, mas é justamente o contrário. Esses leites agregam mais sabores aos pratos. Não vai demorar muito para vê-los se popularizando ainda mais”, ressalta a chef Tati Lund, do premiado .Org Bistrô.
Antes de incluir leites vegetais na receita, o cozinheiro profissional (ou amador) precisa conhecer as texturas específicas de cada matéria-prima, o que faz toda diferença no resultado final. “O de castanha-de-caju, por exemplo, é mais denso, pode ser usado no preparo de um molho branco. Já o de amêndoas, mais fluido, substitui o de vaca em igual proporção numa receita de bolo”, explica a chef Mariana Duque, do serviço de delivery saudável Horta D. Famoso no cardápio, o castanhoff, uma espécie de estrogonofe de cogumelos, é preparado com leite de castanha no lugar do creme de leite. “Ele demora um pouco mais para engrossar, mas tem a vantagem de ser menos gorduroso”, diz a confeiteira Luisa Mendonça, da doceria Conflor, que também utiliza o ingrediente, só que no preparo de seu brigadeiro — sucesso de público e crítica até entre aqueles que não são veganos ou não possuem nenhum restrição. Pois é: ninguém mais vai precisar chorar pelo leite não tolerado.
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