Cecilia Aldaz: ‘vinhos naturais, um tema controverso’
Na coluna Carta de Bebidas, a sommelière dos restaurantes Oro e Pipo explica o conceito da bebida e faz algumas provocações
A enologia, tal e qual a gastronomia, precisa sempre de novidades. No universo do vinho, a bola da vez são os chamados “vinhos naturais”. Não existem definição formal nem certificações a respeito e, mesmo entre seus produtores, o tema é controverso. As associações de vinhos naturais criaram alguns princípios básicos, tendo em vista aclarar ao consumidor quais são, de onde vêm e como são elaborados tais vinhos. Partem do preceito de que devem ser feitos unicamente com suco de uva, sem absolutamente nenhum outro agregado.
Também não se pode retirar nada do vinho, ou seja, não se deve filtrá-lo excessivamente; a bebida não pode levar sulfitos (um antisséptico que muitas vezes causa dor de cabeça ao consumidor), ou deve possuir mínimas concentrações desses. Há outras questões mais difíceis de assimilar: os vinhos naturais devem refletir as condições da terra e do ano. Por esse motivo, não se podem corrigir acidez e açúcares nem fazer nenhum “acerto” de que o vinho necessite. Por fim, precisam ser elaborados com respeito ao seu entorno e à natureza. Em suma, com pouca ou nenhuma intervenção desde o vinhedo até a garrafa.
Dentro desses princípios, faço algumas provocações. Sobre o equilíbrio com o ambiente, a ideia do “natural” se opõe ao fato de se chegar a um lugar onde antes havia flora e fauna próprias, arrancar tudo e semear outra planta que não é dessa região. Colocar paus e arames e pensar que o resultado é o que a natureza decidiu fazer não soa muito sensato. Se você for amante dos vinhos e já tentou explorar o universo dos “naturais”, certamente encontrou bebidas com notas de cidra, acetona ou aromas não tão agradáveis e cores nada apetitosas. Tal e qual a comida, a aparência diz muito sobre o que está por vir.
A chave para a felicidade continua sendo a escolha de um ótimo produtor. Existem alguns capazes de elaborar vinhos apaixonantes, infelizmente a preços não tão democráticos. Josko Gravner, no Friuli, Itália, é mestre em fazer vinho natural em grandes ânforas, o tipo de bebida tão diferente que você ama logo ao primeiro gole… ou odeia. É difícil sentir indiferença. Mas e os vinhos que veneramos há anos e que não levantam essa bandeira natureba? Seriam “artificiais”? É claro que não. São excepcionais e feitos com a mesma paixão e seriedade por seus produtores, guiados pela busca, se não da menor, da melhor intervenção do homem. Existem também vinhos medíocres, que por abuso de “práticas enológicas” foram se tornando muito parecidos entre si.
A fronteira entre o respeito ao potencial da uva e a manipulação excessiva é tênue, pois um bom vinho não deve ser celebrado por seus defeitos, muito menos por sua homogeneização. “Natural”, para mim, é escolher um vinho que surpreenda pelo equilíbrio, faça sonhar com seu aroma, me ponha a pensar… e, principalmente, que deixe um sabor delicioso na boca. Afinal, um vinho maravilhoso é como Chanel: nunca sai de moda.
* Cecilia Aldaz é sommelière dos restaurantes Oro e Pipo