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Por Patrícia Lins e Silva, pedagoga
Educação
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Você sabe o que é menoscabo?

Não pode existir um grupo de crianças ‘não conectadas”, sem os instrumentos, as habilidades e as competências necessárias para a vida no século 21

Por Patricia Lins e Silva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
22 jul 2020, 11h03

Você sabe o que é menoscabo?

       Quando criança, um tio frequentava nossa casa e, nas conversas dos adultos, muitas vezes o escutei a enumerar quatro fatores que, segundo ele, impediam que o Brasil progredisse.

       O primeiro fator era a herança da escravidão. Nossa elite jamais abdicou de ser todo poderosa e continua a lidar com arrogância com quem considera sem importância e prestígio.

       Depois vinha o patrimonialismo, mentalidade de que o país não se livrou desde a colônia e que não faz distinção entre o público e o privado. Tudo o que é público, com frequência, se torna patrimônio de quem tem poder.

       A contrarreforma entrava como o terceiro fator, com o legado da intolerância da Inquisição. Proibição de livros, em nome de proteger a moral e o ponto de vista dos poderosos. Perseguição e eliminação de ideias diferentes e seus autores.

       Por fim, e de máxima importância, era o que ele chamava de menoscabo pela Educação. A estranheza da palavra menoscabo, que significa descaso, desprezo, menosprezo, depreciação, fez com que eu nunca esquecesse os quatro fatores que, para meu tio, emperram o progresso brasileiro.

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       Já escrevi aqui sobre a pouca importância que nós, brasileiros, damos à educação. Não brigamos pela qualidade das escolas nem exigimos políticas educacionais que garantam a boa formação das futuras gerações. Aceitamos o descalabro das escolas sem água, sem banheiros, sem estrutura para acolher quem a frequenta. Aceitamos que o professor não seja reconhecido, que seja mal remunerado, e que não tenha um programa de formação permanente, essencial neste momento de transformação da realidade. O menoscabo pela educação se confirma mais de meio século depois.

       Recentemente, o IBGE divulgou dados colhidos pela Pnad Contínua Educação 2019, que revelam que onze milhões de brasileiros com mais de 15 anos não sabiam ler e escrever em 2019. O analfabetismo persiste no Brasil como resultado da exclusão do passado, do descaso no presente e da falta de visão de futuro. A desigualdade social também é produzida na escola, lugar em que se espera que todas as crianças sejam expostas à mesma educação de qualidade. Mas sabemos que as oportunidades não são iguais. E não é um problema apenas educacional, é um sintoma cultural de um processo de exclusão amplo.

       Tivemos ultimamente duas gestões desastrosas no Ministério da Educação. Agora temos mais um Ministro, que surgiu na internet em vídeos surpreendentes, a pregar uma educação pelo castigo físico e outras bizarrias. Mas veio a renegar o que disse e no discurso de posse afirmou a laicidade da escola e uma abertura ao diálogo. Não deixa de ser um avanço depois do desrespeito com que os educadores brasileiros, a educação brasileira e o próprio conhecimento foram tratados no último ano e meio.   

       O Ministro da Educação tem uma tarefa pesada à sua frente, muitos problemas imediatos, como a volta das crianças às escolas com a pandemia, a alfabetização, o Fundeb, o ENEM, as pressões daqueles que lutam contra a ciência e a cultura e lidar com a complexa estrutura de educação desse país continental. É muita coisa grave com que se preocupar. Mas existe uma preocupação que não pode deixar de estar no horizonte de um Ministro da Educação, que é como preparar a geração das atuais crianças brasileiras para viverem no século 21.

       Estamos num mundo transformado e as crianças precisam ser educadas para viver nesta nova realidade. As tecnologias digitais já vinham mudando bastante nossas vidas. Mas a pandemia nos obrigou a dar um salto na direção de mais dependência cotidiana delas, o que torna urgente que as escolas públicas sejam digitalizadas. Não é possível viver no século 21 sem acesso a dispositivos digitais e à internet. A pandemia mostrou dramaticamente a lacuna existente entre alunos que puderam receber atividades escolares on-line e as crianças de baixa renda, sem computadores e sem internet, que estão há um longo tempo sem qualquer educação formal por impossibilidade de acesso ao mundo virtual. É urgente que se impeça esta exclusão de se agravar ainda mais. Não se pode criar um grupo de crianças ‘não conectadas”, sem os instrumentos, as habilidades e as competências necessárias para participar da vida neste século.

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       Para que as crianças de baixa renda tenham direito a um futuro interessante tanto quanto as outras crianças, é preciso que elas e seus professores possuam computadores, uma doação que deve ser encarada pelas autoridades como investimento e não como despesa. A participação principal no mundo contemporâneo acontece através dos dispositivos digitais com internet. Ao entregar computadores nas mãos de alunos e professores, o MEC precisa liderar uma política nacional e interministerial para um plano de acesso à internet em todo o país. O mundo mudou, é imprescindível que a escola mude e que o professor esteja capacitado para formar o aluno para o século 21.

       O computador não é mais só um instrumento para apoiar tarefas pedagógicas. É a plataforma onde acontece a própria aprendizagem. Não se recorre mais a cadernos ou livros didáticos ou apostilas. A sociedade precisa das novas gerações formadas para o contexto contemporâneo.

        No século 21, a necessidade é conseguir resolver problemas da vida real. Buscar solução para o enfrentamento de obstáculos prevalece sobre a educação enciclopedista. As informações de que se necessita estão nos sites de busca. Muda a escola, mas ela e o professor continuam com a função de formar as novas gerações. O mundo precisa de pessoas com raciocínio ágil, inventivas, criadoras, que sejam autônomas e que saibam trabalhar em grupo. São estes os objetivos que a escola deve ter, nesta terceira década do século 21, para a formação de seus alunos.

       Vamos lutar por uma educação de qualidade, uma educação que cuide da construção do conhecimento e da construção moral. Uma educação que invista na capacidade de analisar a realidade, de aprofundar a análise, de refletir, de construir autonomia. É a educação que leva a poder solucionar os desafios que a humanidade tem pela frente e também é a que faz compreender que tratar os outros com respeito é essencial para a convivência, que faz entender que o que é público é diferente do que é particular e, ainda, faz descobrir que as diferenças entre as pessoas, seus pensamentos e crenças, enriquecem a cultura humana.  

       Uma educação de qualidade para todas as crianças e jovens brasileiros é a única maneira de assegurar que todos tenham a possibilidade de sonhar com um futuro desejável e significativo, para si próprios e para o país.

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