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Laços de família

Minha mãe gostava de sair de casa. De ir ao cinema e ao teatro, assim como de fazer visitas. Encarava com disposição as festinhas de aniversário regadas a guaraná e os casamentos religiosos. Minha mãe gostava das flores nos jardins públicos e sentia pena das que morriam aprisionadas em vasos e buquês. Gostava do ar […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 17h36 - Publicado em 19 mar 2016, 01h00
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  • LEO MARTINS Minha mãe gostava de sair de casa. De ir ao cinema e ao teatro, assim como de fazer visitas. Encarava com disposição as festinhas de aniversário regadas a guaraná e os casamentos religiosos. Minha mãe gostava das flores nos jardins públicos e sentia pena das que morriam aprisionadas em vasos e buquês. Gostava do ar puro, da liberdade. Olhava o céu azul a todo instante e suspirava com e sem razão. Um suspiro que vinha do fundo da alma e que mais tarde compreendi que era um lamento.

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    Ela só não ia a enterros, evitando até mesmo passar diante dos cemitérios. Quando passava por um, fazia o sinal da cruz, sem nada dizer. Saía, na maior parte das vezes, na companhia das minhas irmãs. Nunca a vi sair com meu pai — os dois apenas, de braços dados, como tantos casais da vizinhança. Nunca.

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    Naquele tempo, todo e qualquer bairro tinha uma sala de cinema. Uma ao menos. Era o “cinema do bairro”, como a padaria, a igreja, a farmácia. O nosso era o Rialto, com sessões diárias, exibindo dois filmes alternados, além dos jornais cinematográficos. As matinês ou vesperais aconteciam aos sábados e domingos, e a tradicional “sessão das moças“, às quartas-feiras.

    Minha mãe sentia-se à vontade com tudo que era simples e comum. Almoçava frugalmente, diante de uma caneca de café, não comia carne nem jantava. Substituía a refeição noturna por café com leite e pão com manteiga. Era singela. Mesmo gostando de sair e de passear, dizia que uma das melhores coisas da vida era chegar em casa e tirar os sapatos, esticar os dedos e espreguiçar-se, estirada no sofá, os filhos à volta.

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    O mais divertido era quando vínhamos — todos nós — de uma reunião familiar — aniversário ou casamento.

    — Vamos falar da festa — dizia ela.

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    E todos nós passávamos a contar, entre risos, os pequenos acontecimentos da noite festiva. Cada um a seu modo. Lembro-me de que, numa dessas noites, antes que começássemos, ela pediu:

    — Vamos conversar, rir, mas nada de críticas cruéis e de mau gosto. Não vale ridicularizar as primas, fazer pouco das roupas dos convidados e menos ainda se divertir com a simplicidade e a ignorância de alguém.

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    Ouvindo essa advertência, minha irmã Leonor, então adolescente, cortou na hora, cáustica como sempre:

    — Ah, sem falar mal das pessoas não tem graça, prefiro dormir — levantou-se e saiu da sala.

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    Lembro-me de muitas passagens familiares, de conversas entre meus pais, ouvidas sem permissão, sem querer e querendo. Lembro-me do ruído do choro e dos suspiros — aqui, mais do que nunca — carregado de lamento, da minha mãe. E como esquecer a voz que entoava canções de ninar para o nosso irmão — o mais novinho entre todos — adormecer e ter bons sonhos?

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    Era um tempo de felicidade. Em que as dores pareciam doer menos.

    ***

    Laços de Família, a novela que escrevi no ano 2000, está sendo reapresentada no Canal Viva. Tenho conseguido vê-la e me sentido feliz pela harmoniosa combinação entre esforço e resultado.

    Assistam. São meus convidados especiais.

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