Dez perguntas para Morena Leite, chef do G20 e consultora do Itamaraty
"O Biden mandou me chamar na cozinha e parou uma reunião com o presidente Lula, levantou e pediu uma salva de palmas"
A chef Morena Leite não usa salto, mas anda super em alta na sua profissão: com atuação principalmente em Trancoso, São Paulo, Rio e Brasília, vive na ponte aérea entre esses lugares e Nova York, onde está morando desde o meio do ano e deve permanecer até o próximo mês, com as duas filhas, Manu, de 15 anos, e Júlia, de quase 5.
Depois de ser a chef oficial do G20 e do almoço em Brasília para Xi Jinping, viajou para Manhattan, onde permanece até a próxima terça (26/11), quando volta para o “Latin America’s 50 Best Restaurants 2024” no Museu Histórico Nacional, cozinhando para 500 pessoas.
Entre os líderes do G20, recebeu inúmeros elogios: mais efusivos do presidente da França, Emmanuel Macron, e do presidente dos EUA, Joe Biden, que lhe pediu autógrafo do seu livro “Sons e Sabores” (de receitas, com o músico Moreno Veloso) e a convidou para ir à Casa Branca. Dia 3 de dezembro, lança “Terapia na cozinha”, na Travessa do Shopping Villa-Lobos, em que reflete sobre suas contradições, fala sobre viagens, descobertas, lembranças e leva o leitor a repensar o comportamento alimentar, em coautoria com o médico Arthur Guerra.
Morena, 44 anos, 25 de carreira com muitas conquistas, é formada pela Le Cordon Bleu de Paris (“um país que me acolheu e me ensinou técnicas e valores gastronômicos”, diz ela) e tem experiência em outros grandes eventos, como Rock in Rio e camarotes da Sapucaí.
Em 2025, os desafios continuam, e agora, com mais uma unidade do Capim Santo, desta vez, em Brasília, mesmo lugar em que ela trabalha como uma espécie de consultora dos cerimoniais do Itamaraty.
1 – Qual o balanço do seu trabalho do G20?
O balanço do meu trabalho no G20 é como se, durante 25 anos, eu tivesse me preparado para esse momento. E ele aconteceu da melhor maneira possível. Fiquei muito, muito feliz. Acho que tudo saiu da maneira que eu planejei. A coisa que mais me deixou alegre foi ver a harmonia e a sintonia do meu time. Eu morri de orgulho de como a gente trabalhou bem junto.
2- Que comentários você destacaria de algum dos chefes para a chef? Foram vistas fotos suas com alguns deles, como Biden e Macron.
São duas pessoas extremamente carismáticas e atenciosas. O Biden mandou me chamar na cozinha e parou uma reunião privada com o presidente Lula e mais 18 pessoas, levantou e pediu uma salva de palmas pra mim e depois veio pedir um autógrafo do meu livro (“Sons e Sabores”). Parecia que eu estava vivendo um filme. E o Macron? Eu estava caminhando, ele descendo uma rampa, me viu e cruzou a rampa para vir me dar um beijo. Eu tinha feito um almoço para ele no Palácio do Itamaraty, em Brasília, em março, então fiquei muito emocionada com o carinho dos dois.
3 – Com uma chef que valoriza produtos sazonais e nacionais, qual a importância de apresentar a nossa culinária para o mundo?
Eu sempre entendi que essa era uma das minhas missões desde os 15 anos, quando saí de Trancoso e fui morar na Inglaterra, para mostrar esse Brasil colorido, saboroso, afetuoso. O Rodrigo Oliveira, que é um grande amigo e um chef muito competente (restaurante Mocotó, em SP), e a Adri Salay (mulher de Rodrigo, também chef) têm uma frase que eu adoro e compartilho, que é sobre não ser o melhor do mundo, mas sim o melhor pro mundo.
4 – A empresária Cristiana Beltrão, fundadora do Instituto Bazzar, disse à coluna que o Rio é uma cidade sem identidade gastronômica. O que você diria?
Eu acho que o Rio tem, sim, uma identidade muito forte. É num tripé de uma cozinha saudável? É. Eu tenho amigos cariocas que adoram tomar sucos incríveis e comer grãos; então, pra mim, o Rio me remete a uma comida saudável. É uma cozinha portuguesa do bolinho de bacalhau, do cabrito. O Rio também tem essa raiz africana, o tripé carioca, saboroso e divertido de ser.
5 – De um tempo pra cá, grandes eventos tomaram o Rio. Como, nas internas, você vê esse movimento da culinária na cidade carioca? O que destaca e o que temos que melhorar?
Faço Rock In Rio há alguns anos; faço também Web Summit (maior conferência de tecnologia do mundo), que é um outro evento incrível. Faço o Nosso Camarote no carnaval. Acho que o Rio tem uma espontaneidade e uma leveza, uma simplicidade, uma sofisticação que é encantadora e sedutora pra todo mundo.
6 – Pelo seu restaurante, Capim Santo, a ideia é profissionalizar mão de obra, que é uma falta que temos por aqui. Ainda vai levar um tempo?
Sim, o Capim Santo teve a honra de ser convidado para assumir a cozinha da Biblioteca Parque na Rocinha. A gente formou 30 pessoas no primeiro Rock in Rio em 2019, e essa turma só vem se multiplicando, crescendo e trabalhando com a gente; hoje temos no Rio uma das maiores brigadas do grupo. Temos operações em Trancoso, em Salvador, Itacaré, no Rio, em Brasília e São Paulo. Estamos muito felizes com a equipe que trabalha com a gente no Rio.
7 – O que significa exatamente ser curadora gastronômica do cerimonial do Itamaraty?
Eu ajudo os ministros a pensarem em cada evento, quem vão ser os chefs escolhidos, o menu, como vamos operacionalizar. Em alguns, estou à frente como chef; em outros, dou apoio aos chefs convidados. É pensando no que tem a ver com cada situação e com cada chefe de estado, que a gente vai receber. É um projeto que me dá muito prazer porque sou muito patriota. Eu quero ver o Brasil brilhando através da nossa cozinha e ver todos os chefs brasileiros também brilhando juntos. Somos um exército de pessoas focadas em divulgar a nossa gastronomia, a nossa cultura.
8 – Mal acabou o G20, em que você cozinhou para 300 pessoas por dia, e você viajou a Brasília para coordenar o jantar do presidente Lula para Xi Jinping. Como foi?
Foi lindo estar lá, no evento com a maior segurança no Itamaraty que já fiz até hoje (com presença de pelotões da Polícia do Exército nos arredores da casa oficial da Presidência). Primeiro veio um segurança experimentar tudo na cozinha que o chinês comeria, que foi exatamente o que o Lula comeu: um xinxim de galinha, prato de origem africana e muito popular na culinária baiana, com frango, camarão, castanha de caju, amendoim e azeite de dendê, e de entrada, um pato laqueado com pérolas de tapioca. Foi mais uma noite muito emocionante.
9 – E, por fim, você parte para NY, onde mora, e volta para trabalhar no 50 Best, quando cozinhará para 500 pessoas. Qual a logística, como vai ser, quantos funcionários por trás, qual a importância de o Rio ser, pela segunda vez, anfitrião de um evento tão importante e você estar como “embaixadora” da culinária brasileira. Mais ainda para uma plateia tão, digamos, especial?
Pois é, segundo evento mais importante da minha vida foi semana passada, cozinhando para 55 chefes de Estado, um dos maiores banquetes que o Brasil já ofereceu no G20 e, agora, no “50’s Best”, para os melhores chefs de cozinha do mundo. Eu ainda estou me sentindo num filme. Estamos com mais ou menos 100 pessoas trabalhando, e estou com o meu esquadrão de elite, meus melhores chefs, todos focados. Estou agora aqui, dentro do avião, decolando para Nova York (quinta, 21/11); na segunda (25/11), estou aqui de volta e superfeliz com mais essa situação tão especial pra mim. Acho que 2024 foi um ano que marcou a minha vida.
10 – Depois dessa agenda, o que vem mais por aí, seus planos para 2025?
Este ano, ainda tenho dois momentos: o “50’s Best” e o lançamento do livro chamado “Terapia na cozinha”, onde compartilho as minhas neuras e loucuras e crenças gastronômicas. E depois, no dia 12 de dezembro, lanço um livro chamado “Axé com vida para alimentar o corpo e a alma” com meu pai de santo babalorixá Paulo de Oyá, Sérgio Coimbra, de quem sou muito fã, um grande fotógrafo. Em 2025, vou inaugurar o Capim Santo em Brasília; então estou muito feliz depois de cinco anos meio nômade. Pretendo fincar um pouquinho mais de raízes aqui, ficar mais quietinha no Brasil, pra tocar mais de perto as minhas operações, estar aqui com as minhas filhas. Tenho vários projetos caminhando do instituto Capim Santo também, algo que nutre a minha alma.