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Por Lelo Forti, mixologista
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Reflexões em meio a copos de Negroni

Chegou-se à conclusão de que "A culpa é do Cabral". Nem tente explicar o Brasil para um estrangeiro. “Terra Brasilis” não é para amadores

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Atualizado em 17 set 2020, 14h15 - Publicado em 17 set 2020, 13h08

Como é bom encontrar os amigos. Papear, beber, queimar uma carne e jogar conversa fora. Os assuntos sempre são os mesmos. Piadas, bulling, filhos.  Casados contra solteiros, jovens contra velhos. Tudo vale na resenha. Não tem preconceito, feminismo, racismo ou machismo. Nada disso. Tem conversa, bebedeira e nostalgia. Um lembrete: estavam os amigos, homens e mulheres, de diferentes visões políticas, preferências sexuais e visões de mundo: o que comprova que, mesmo divergindo, podemos conviver, beber e sermos felizes, mesmo que nossas opiniões sejam totalmente contrárias uma das outras. O que vale é o respeito e o direito à oratória e à audição.

Recentemente, numa destas resenhas, foi levantada um pergunta, bem provável visto o excesso de Negronis, que me fez pensar e ter uma reflexão: Entre tantas indagações, entre goles e baforadas de cohibas, veio a brincadeira em forma de questionamento: Se você pudesse entrar numa máquina do tempo, visitar qualquer período da história da humanidade, e ficar lá por uma hora podendo fazer o que desejasse, mesmo que isso alterasse o curso da história, pra onde você iria? O que você faria? Por que o faria?

Entre gargalhadas infinitas e histórias mirabolantes, confirmando que a imaginação não tem limites, vale aqui a reflexão de uma analogia feita aos tempos atuais. Mas, antes, vale esclarecer que, tivemos muitas viagens, exemplo disso é o retorno à época de Jesus para confirmar a veracidade da história contada na Bíblia, ou, a 1969, quando o homem viajou para a lua. Acredite, um dos participantes defende a teoria de que tudo não passou de marketing e jogada política e que Luis Armstrong nunca pisou na lua e, sim, estava num grande estúdio de Hollywood. Tudo não passara de uma grande encenação para afirmar o poder bélico e tecnológico dos Estados Unidos, afinal estava em curso a Guerra Fria. A dissertação dele, muito bem argumentada e fantasiosa, rendeu muitas risadas e muito tempo de zoação. Coisa normal entre amigos.  

Depois da época do nascimento do Cristianismo, homem na lua ou a volta ao dia do sorteio da maior premiação paga pela Mega Sena, uma resposta foi muito direta: Eu voltaria para 22 de abril de 1500, armado até os dentes com todas as armas atuais e muita, mas muita munição para fuzilar a esquadra de Pedro Álvares Cabral, que, segundo os livros de história, atracou em algum lugar na costa brasileira, onde hoje conhecemos como a região de Porto Seguro, Bahia. A resposta continuou: Afundaria todas as três embarcações: Caravela Santo Antônio; Caravela São Pedro e Caravela Nossa Senhora Anunciada. Ao contrário do que se pensa, Santa Maria, Pinta e Niña foram as caravelas lideradas por Cristóvão Colombo em outra expedição. Estou falando aqui do assassinato de mais de mil homens que deixaram Portugal no dia 9 de março de 1500, com destino, segundo relatos da história, ao Caminho das Índias. Eles erraram um pouquinho a rota da viagem e, cruzando o Atlântico, se depararam com outro tipo de “índias”, indagou.

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Obviamente que essa “missão” ao passado rendeu muitos questionamentos e todo relato a seguir tem muita relação com a história de nosso país e tudo o que aconteceu e acontece no território nacional desde seu “descobrimento”. Faça sua própria reflexão dos fatos, sem julgamentos ou ideologias político-partidárias. Apenas se questione se não faz sentido e divirta se porque os relatos são, em diferentes pontos, divertidos e nos ajudam a levar a vida mais leve. Estamos precisando muito.

João: (nosso interlocutor)

“Eu ia esperar esses navios, que não foram afundados por Deus durante mais de um mês de travessia do Atlântico, atrás de um coqueiro, e quando a primeira Caravela surgisse no horizonte, o chumbo ia correr solto. Coisa de filme do Rambo mesmo. Bala pra tudo que é lado. Tiro, porrada e bomba. Esses homens não chegariam vivos em nossas praias. A Europa vivia em guerra. Saberiam que aqui, no futuro Terceiro Mundo, o “pau” já tava comendo solto desde 1500 também”, sorri João.

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Esta primeira resposta rendeu muitas gargalhadas, obviamente, e começamos a indagar o motivo de tanto ódio:

João: Analisem comigo: a culpa desta sacanagem que fazem com o Brasil nasceu em abril de 1500. A culpa de toda essa M…é do Cabral. A relação é simples: dos mais de mil homens que aqui chegaram a grande maioria era composta de baderneiros, ladrões, alcoólatras e outros tantos “tipos” que estavam nas esquadras de Cabral para não cumprirem pena por seus crimes em Lisboa. Logo, nossos primeiros “visitantes” lusitanos faziam parte de uma escória europeia. Vocês imaginem o paraíso que esses homens encontraram aqui: índias nuas, clima tropical, florestas abundantes, água, frutos, animais exóticos e nada para impedir o início do mal. Eles já estupraram muitas índias e mataram seus maridos nos primeiros dias de “colonização”. Era chumbo contra arco e flecha.

E o relato continuou: “Em 1530, a Coroa Portuguesa implementou uma política de colonização para a terra recém-descoberta que se organizou por meio da distribuição de capitanias hereditárias a membros da nobreza. Os primeiros políticos que aqui vieram “comandar”, eram, na sua grande maioria, corruptos condenados na Corte Portuguesa e que não tiveram escolha: ou viriam ao Brasil para “cuidar” da colônia, ou seriam banidos ou presos em Portugal. Olha o tipo de lacaio que chegou para nos comandar. Somos descendentes diretos dessa prática.  Já em 1548 é criado o Estado do Brasil, com consequente instalação de um governo-geral, cheio de corruptos e cidadãos da corte e da aristocracia portuguesa. Todos Mercadores da maracutaia, da corrupção e dos saques ao Brasil.  No ano seguinte é fundada a primeira sede colonial, Salvador. Nascem os postos públicos, os dezenas de assessores, empregados, regalias. Tudo que Salvador produzia na sua economia eram para dois fins: pagar a máquina pública e enviar riquezas para Portugal. Ao povo sobrava as migalhas, a escravidão e a falta de conhecimento e educação. Nada mudou”.

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Bem empolgado e cheio de dados históricos, João continua: “A economia da colônia, iniciada com o extração do pau-brasil e as trocas entre os colonos e os índios passou a ser dominada pelo cultivo da cana-de-açúcar — com o uso de mão de obra escrava, inicialmente indígena e depois africana —, que tinha em Pernambuco o seu principal centro produtor, região que chegou a atingir o posto de maior e mais rica área de produção de açúcar do mundo. No fim do século XVII foram descobertas, através das bandeiras, importantes jazidas de ouro no interior do Brasil que foram determinantes para o seu povoamento e que pontuam o início do chamado Ciclo do Ouro, período que marca a ascensão da Capitania de Minas Gerais. Nasce aqui o mensalão. Políticos desviavam mensalmente milhares de quilos de ouro, ou melhor, uma rachadinha, entre eles, antes de enviar as riquezas extraídas da mineração”, desabafa.

Entre a pausa para respirar e molhar a garganta com mais um gole de Negroni, João conseguiu nossa atenção, e pela primeira vez, ficamos em silêncio processando tudo que acabávamos de ouvir. Antes mesmo de qualquer um de nós esboçar alguma pergunta ou reação, João continuou: “Nós somos descendentes da corrupção. Não adianta. Este é o país do “jeitinho”. Somos famosos pelo jeito brasileiro de ver e fazer as coisas. E olha que nem uma, nem duas, mas várias vezes ao longo destes quinhentos anos, tivemos a oportunidade de ter sido colonizados por holandeses, franceses e ingleses. Naquela época, o Brasil era habitado por índios e escravos que foram enganados por lindas oratórias e promessas mirabolantes de líderes políticos e senhores feudais para lutarem junto aos mandatários contra outros invasores europeus. Aos escravos e aos índios sobraram somente a morte em massa, a escravidão e a miséria. Os negros brasileiros pagam até hoje essa conta, e os índios, principais aliados do homem branco no passado, hoje vivem quase extintos, brigando por terras que sempre foram suas. Nada mudou”, confirma.

Nunca vai mudar

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Num breve momento de sobriedade, indaguei se matar todos na chegada teria mudado o rumo das coisas, já que a nossa colonização teria sido iniciada com assassinato em massa. A resposta de João estava na ponta da língua: “e o que esses reis, administradores e políticos fizeram e fazem há mais de quinhentos anos não é assassinato em massa também não? Décadas de desvios da saúde mataram milhares de pessoas. Nossas crianças recebem uma educação ranqueada como uma das piores do planeta. A sina brasileira é de que pra tudo se dá um jeito. Não é à toa que, quinhentos anos depois, um novo Cabral surgiu para relembrar o mal que seu “xará” fez ao chegar ao Brasil”. Finalizou João. Depois disso a história rendeu ainda horas de conversas, piadas e gargalhadas, mas, na sua grande maioria, conteúdo pesado demais para relatar, e outra, eu também já não lembro mais de muita coisa.

Brincadeiras à parte, nós, brasileiros, precisamos entender e estudar nossa história, para tentar compreender como a máquina pública nacional funciona. Eu costumo comparar esta engrenagem como uma típica família. Para que uma casa funcione, ela precisa ter pessoas administrando, tarefas divididas, respeito mútuo e muita, mais muita organização. Se a casa gasta mais do que arrecada e se, somente uma pessoa trabalha, os demais vão viver às custas do suor de uma só pessoa e mês a mês a conta não vai fechar. Essa engrenagem alguma hora vai quebrar. Assim funciona uma cidade, um estado e uma nação.

Sempre tivemos descobridores, desbravadores, reis, príncipes e princesas, estadistas, ditadores, militares, populistas, coronéis, salvadores da pátria, construtores e construtoras, banqueiros, empresários, religiosos, ateus, democratas, socialistas, radicais, esquerdistas, coxinhas, batedores de panela e, a todos, maior ou menor que foram, pensaram num país para si e para os seus. O Rio de Janeiro tem mais funcionários federais que a capital Brasília, mas o Rio deixou de ser a Capital da nação em 1960, ou seja, há exatos 70 anos.

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Dos 10 hospitais de campanha previstos para o Rio de Janeiro (município e Estado), somente dois funcionaram, mas as verbas, de quase um bilhão, saíram dos cofres públicos. Aqui no RJ, ex-capital da República, nunca tivemos tantos políticos presos ou investigados. Já tivemos cinco governadores presos (a caminho do sexto em sequência), vários pedidos de impeachment do prefeito Crivella e seus guardiões incansáveis. Secretários municipais e estaduais réus, investigados por desvios, formação de quadrilha, peculato e tantos outros crimes. E um sistema sem fim. Poder e ganância acima de tudo – e de todos. Presidente da Assembleia Legislativa entre e sai da cadeia, assim como tantos deputados. Porto Alegre também pede impeachment de seu prefeito. A pandemia chegou, matou mais de 130 mil brasileiros (números atuais) e explicitou, mais uma vez, a corja que comanda todas as esferas políticas brasileiras, salvo raríssimas exceções.  Um pequeno resumo de que, realmente, nada mudou, somente o tempo e o “modus operandis”.

Infelizmente, foi assim desde o princípio e, com muita tristeza, quase que uma certeza absoluta que SEMPRE será assim.  Esta chegando mais uma eleição, num ano em que, mais do que nunca, tivemos provas Brasil afora que vale tudo na política. Momento perfeito para uma frase que carrego comigo. “Tudo que começa errado termina errado”. Lembre-se disso quando for digitar seu voto em novembro, afinal a eleição será “estendida” para evitar aglomerações, enquanto que o horário do comércio e do trabalho está “reduzido” para evitar aglomerações.

Será que tem lugar pra mais um na máquina do tempo?

*O subítulo desta crônica foi inspirada no programa do Ator e comediante Fabiano Cambotta, no quadro “A culpa é do Cabral”, do Comedy Central.

**Datas e alguns acontecimentos aqui relatados, você pode pesquisar na internet. Usei parte do conteúdo do Wikipédia. Basta clicar nas palavras-chave que você terá mais informações sobre o conteúdo aqui divulgado).

Cheers

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