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Fernanda Torres

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Zeitgeist

Leia na crônica de Fernanda Torres da semana

Por Fernanda Torres
Atualizado em 4 fev 2018, 13h36 - Publicado em 4 fev 2018, 13h36
 (Isabelle Barreto/Veja Rio)
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Estou em Lisboa, aonde vim para lançar meu livro A Glória e Seu Cortejo de Horrores. A cidade vai muito bem, obrigada. Luminosa e civilizada, ela se transformou numa coqueluche do turismo mundial. As ruas estão tomadas de estrangeiros, os restaurantes cheios e o boom imobiliário ergue gruas pelas esquinas. Existe uma placidez no ar, uma sensação de prosperidade de matar de inveja uma carioca da gema assustada como eu.

Portugal conseguiu passar incólume pela mcdonaldização do planeta. Ainda se come e se bebe bem e pagando pouco nas tascas, e o comércio tradicional não foi expulso pela pasteurização duty free shop. Vive-se com simplicidade, propriedade e requinte por aqui, sem a ansiedade consumista de outros centros urbanos.

Visitei Lisboa pela primeira vez em julho de 1974, aos 9 anos. Saí horrorizada. A Revolução dos Cravos, ocorrida em abril daquele ano, havia dado um basta a quatro sombrias décadas de regime autoritário. O obscurantismo imposto por Salazar, ditador que governou Portugal de 1933 a 1968, era visível, bem como a tristeza, a pobreza, o atraso e a depressão dos cidadãos.

Eu voltaria muitas vezes às terras banhadas pelo Tejo, pelo Minho e pelo Douro, a trabalho e de férias. Fui testemunha do primeiro sinal de modernidade lisboeta, o Centro Comercial Amoreiras, inaugurado no fim da década de 80. E assisti com gosto às escolhas políticas e econômicas acertadas que se beneficiaram da inclusão na União Europeia e evitaram a ruína grega.

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Os portugueses de hoje, ao contrário dos da década de 70, são seres cosmopolitas, gentis e afetuosos. O progresso do país agiu sobre a psique dos cidadãos.

Digo isso porque as notícias preocupantes do Rio de Janeiro, verdadeiro cortejo de horrores que reúne falência financeira, aliança entre narcotráfico e milícia, perseguição cultural e religiosa, colapso da saúde e da educação, guerra de facções na Rocinha, corrupção, febre amarela e todas as pragas do Egito, tornam a vida na Cidade Maravilhosa algo perto do impossível.

Durante o breve período que antecedeu a Olimpíada, vivemos a ilusão de futuro. Ela agiu sobre o bem-estar geral, íntimo e pessoal de quem nasceu na Guanabara ou a escolheu para viver. Sempre desconfiei da súbita bonança, mas jamais pensei que a reversão de expectativa se daria de maneira tão profunda, aguda e sem saída.

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O Carnaval 2018 se anuncia menos como folia e mais como desobediência cívica. Meu palpite é que o carioca irá para as ruas pular em protesto, rir e sambar em desafio. Não à toa, os ingressos para o Sambódromo estão encalhados. Não há nenhuma alegria na parada oficial, o gozo virá misturado com a raiva, nos blocos, nas brigadas de foliões.

O belo samba enredo do G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti deste ano bem traduz o lamento do Carnaval 2018. Trazendo a Lei Áurea como tema, ele inicia com a seguinte estrofe:

Meu Deus, Meu Deus
Se eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social.

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Dez! Nota dez em Zeitgeist! O famoso espírito do tempo.

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