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Falência

Sexta-feira. Meu filho combinou de sair da aula com a turma, para o aniversário de um colega. Terminei uma reunião de trabalho e o WhatsApp dos pais de alunos da escola começou a apitar. Dezenas de mensagens avisavam que um forte tiroteio explodira na Rocinha durante a tarde. Vídeos de moradores da comunidade ilustravam a […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 17h30 - Publicado em 4 jun 2016, 01h00

Isabelle Barreto

Sexta-feira. Meu filho combinou de sair da aula com a turma, para o aniversário de um colega.

Terminei uma reunião de trabalho e o WhatsApp dos pais de alunos da escola começou a apitar. Dezenas de mensagens avisavam que um forte tiroteio explodira na Rocinha durante a tarde. Vídeos de moradores da comunidade ilustravam a gravidade da situação.

A van já estava a caminho. O heroico pai do aniversariante tentava acalmar os familiares dizendo que a rua em frente ao colégio estava tranquila, apesar do som dos estampidos que espocavam a curta distância. Guinei o volante em direção à Gávea, mas o engarrafamento bloqueou a passagem. Liguei para a escola, alguns estudantes haviam sido transferidos de sala para evitar o risco de balas perdidas, e a saída foi dada mais cedo. Entreguei a Deus. O pai zeloso nos mantinha a par dos acontecimentos. Às 17h15, as crianças cruzaram a zona de perigo, às 17h45 estavam no clube, comemorando o aniversário, como se nada tivesse acontecido.

Na Rocinha, o bloqueio impedia centenas de mães de chegar em casa. A foto de um menino desaparecido foi postada na rede. O confronto fazia parte de uma ação para capturar um grupo que, anos antes, aterrorizara São Conrado munido de armamento pesado.

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Faz tempo que o Rio enfrenta uma guerra não declarada. A convivência com tanques, coletes à prova de bala e metralhadoras tornou-se habitual. Os carros de polícia circulam com fuzis para fora da janela, em meio aos ônibus, táxis e vans.

José Mariano Beltrame deixará o cargo após a Olimpíada. Na entrevista que concedeu, no dia seguinte ao pesadelo, o secretário reiterou que a polícia enxuga gelo. A lei nada significa, disse ele. A criminalidade, fruto do abandono social que se arrasta desde a escravidão, lida com as brechas da Justiça, recrutando menores e se aproveitando da horda de jovens sem educação, perspectiva nem futuro.

Anos atrás, numa reunião com a classe artística, o então governador Sérgio Cabral assegurou que o Brasil caminharia para a frente. A retomada das áreas sob domínio do tráfico seria o primeiro passo de uma estratégia maior, que se ampliaria em projetos sociais e culturais. O país prosperava, Lula era “o cara” e a Olimpíada apresentaria o novo Rio ao planeta.

O plano parou nas UPPs.

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A velha Guanabara retorna ainda mais violenta. É de sentar na calçada e chorar. A bandidagem em torno do Porto Maravilha extorque empresários, uma jovem sofre um estupro grupal, a saúde e o ensino colapsaram e o estado enfrenta, mais uma vez, a falência. Temo o que acontecerá conosco depois dos famigerados Jogos.

Assisti a 13 Horas outro dia. O filme narra a emboscada a um quartel da CIA, na Líbia, por milícias ligadas a Kadafi, um ano depois de seu assassinato. Assim como aqui, a promessa de uma sociedade democrática e justa transmutou-se num salve-se quem puder. Assim como aqui, a vida cotidiana segue seu curso em meio à selvageria. As crianças vão à escola; os torcedores acompanham o futebol na TV; vai-se à praia suja rezando para não sofrer um arrastão; os mosquitos proliferam e vamos em frente.

Não sei por quanto tempo resistiremos fingindo que tudo isso é normal.

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