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Psiquiatra infantil
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Falar sobre saúde mental pode trazer prejuízos para os jovens?

Estudos questionam se o excesso de informação e tratamentos traz algum tipo de prejuízo aos jovens

Por Fabio Barbirato
8 Maio 2024, 11h36

Quem levantou a questão foi o jornal americano The New York Times em edição recente: existiria um limite para se abordar a saúde mental sem acabar trazendo prejuízos? A preocupação se justifica: é crescente o número de jovens que se automutilam, que sofrem (e fazem) bullying nas escolas, que são diagnosticados com algum tipo de transtorno – questões que permeiam a saúde mental desta faixa estaria. Depois da pandemia, a situação se tornou ainda mais recorrente, em decorrência do isolamento social e dos traumas por ele impostos.

No entanto, agora alguns pesquisadores levantam a hipótese de se estar atento em demasia à saúde mental de crianças e jovens. Ainda de acordo com estudiosos em depoimento ao jornal americano, o excesso de campanhas preventivas acabaria por ter efeito contrário, despertando uma espécie de “histeria”, com interpretações exageradas de sintomas, fazendo-os acreditar que teriam mais complicações do que de fato tem.

Os estudiosos apontam como exemplo o resultado de uma pesquisa com alunos do Reino Unido e Inglaterra, que concluiu que aqueles que frequentaram aulas de mindfulness e terapia comportamental-cognitiva, por exemplo, não eram mais saudáveis mentalmente do que aqueles colegas que não frequentaram a aula; alguns deles, ao contrário, apresentaram resultados piores, mesmo que momentaneamente.

Uma nova pesquisa americana apontou que a autodenominação de pacientes que se dizem deprimidos ou ansiosos, na verdade, está associado a outras questões, como baixa habilidade de enfrentamento. Ano passado, dois psicólogos da Universidade de Oxford cunharam o termo prevalence inflation, que pode ser traduzido livremente como “inflacionamento da prevalência”, ou seja, um aumento artificial no número de casos de transtornos ou outras condições mentais. Segundo eles, campanhas de conscientização seriam uma das causas. “Elas criam a ideia de que jovens são vulneráveis, com mais propensão a problemas, e a solução é entrega-los aos cuidados de profissionais”, resume um dos pesquisadores, que chamam a atenção também para a forma como as escolas lidam com a saúde mental dos alunos. “Não precisamos voltar todas as casas do tabuleiro, mas é preciso fazer uma pausa estratégica e repensar. É possível que algo muito bem intencionado tenha se excedido e precise ser redimensionado”, completou.

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Nesse sentido, as campanhas de conscientização são importantes e precisam ser mantidas, como a campanha a respeito da psicofobia, idealizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), contra o estigma de transtornos mentais, que vejo cercar os transtornos mentais desde que comecei a exercer a psiquiatria infantil, há quase 30 anos. Cito também a campanha Setembro Amarelo, que trouxe para o centro do debate o tema do suicídio, até então um tabu.

No entanto, estas campanhas criam uma espécie de “nuvem de fumaça” entre quem não tem sintomas ou os tem de forma muito leve. A disseminação desse conteúdo, de forma irresponsável em redes sociais, por exemplo, acaba por dar um outro caráter ao conteúdo das campanhas. Não é raro que um jovem se apresente no consultório com um pseudo autodiagnóstico afirmando que “viu Tik Tok”. Isso é marketing, não é ciência. O The New York Times aponta um dado alarmante: quanto mais grave o caso de transtorno mental, menos ele tende a estar assistido. Cerca de 60% dos jovens americanos com depressão severa não recebem tratamento, de acordo com a ONG Mental Health America.

Especialistas americanos alertam que apressar-se para rotular um grupo de sintomas como um transtorno mental pode mais atrapalhar do que ajudar. Estudo da Stony Brook University com quase 1.500 alunos mostrou que 22% dos entrevistados se autodefiniram com depressão, mas 39% se encaixaram no diagnóstico do transtorno. Os pesquisadores concluíram que os jovens que autodenominavam com depressão sentiam que tinham menos controle sobre a depressão e eram mais propensos a pensamentos catastróficos e com menos tendência a responder ao sofrimento colocando suas dificuldades em perspectiva, em comparação com colegas que apresentavam sintomas de depressão semelhantes.

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Mas então existe um limite para se falar de saúde mental? Abordada de forma adequada, por profissionais qualificados, falar de saúde mental é fundamental. O que os pesquisadores americanos apontam é que aulas, treinamentos e campanhas que visam a saúde mental podem dar margem a “maus pensamentos”, abrindo a possibilidade de jovens entrarem em contato com sentimentos negativos, mas sem serem habilitados com as melhores ferramentas para lidarem com isso. Portanto, o que os pais devem estar atentos é se as suas fontes de informação são devidamente preparados para lidar com o tema, se tem embasamento e histórico profissional para emitir opiniões tão fundamentais.

Há algumas semanas escrevi neste espaço sobre o incômodo com um certo boom de transtornos mentais em jovens, com pacientes chegando ao consultório relatando sintomas que simplesmente não condiziam com a sua realidade, uma espécie de glamourização da doença. A matéria do jornal americano sobre este assunto é um extraordinário endosso ao que apontei há tempos, empiricamente.

Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).

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