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Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Cruyff: fome de bola devora os cantos da sereia

Recado aos jovens talentos: retratado no cinema, holandês polivalente jamais deixou holofotes ofuscarem o menino vidrado no futebol

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Atualizado em 2 Maio 2024, 21h15 - Publicado em 2 Maio 2024, 19h04

O garoto era fissurado. De tanto as peladas do bairro derrotarem as notas do colégio, a mãe tentou segurá-lo em casa. “Mas meu filho saía com a bola escondida embaixo da camisa, nas costas. Era mais forte do que ele”, conta Petronella, resignada.

O relato integra o documentário “O profeta do gol” (“Il profeta del gol”, 1976), uma das joias reunidas no 14º Cinefoot. Um punhado de moleques e um punhado de mães vivenciam algo semelhante.

A diferença é que o garoto de Amsterdã viraria um dos maiores craques de todos os tempos. Inspiraria sucessivas linhagens de jogadores e treinadores.

Johan Cruyff (1947-2016) fez História no Ajax, no Barcelona e no icônico Carrossel de 1974 graças à polivalência revolucionária, às fintas e aos passes decisivos, ao raciocínio ligeiro. O toque de Midas, contudo, foi continuar fominha. A fama não roubou o apetite.

Cruyff preservou também a simplicidade dos grandes. Repeliu firulas no campo, na rotina familiar, no trato com os fãs.

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Frequentava o supermercado e orquestrava a equipe com a mesma naturalidade. O imortal Camisa 14 cultivava, acima de tudo, o menino vidrado na pelota, o menino que um dia fomos ou sonhamos ser.

Jogasse hoje, driblaria o frigir das redes e a ganância do algoritmo. Evitaria badalações e assédios à espreita das boladas nas quais passam a nadar, da noite para o dia, jovens talentos. Vários afogam-se numa ilusória onipotência.

O holandês sobrenatural jamais se deslumbrou. Não é preciso nascer gênio para resistir aos cantos da sereia. Basta manter em dia a consciência profissional e a fissura pela bola. Nela Cruyff pregava os mil olhos com os quais os deuses abençoam bambas assim. Uma tara permanente. Uma coceira de estimação. Um espelho.

Tal fome não carrega o peso compulsório de um ritual, tampouco corresponde à fixação platônica do totó diante do frango giratório. Equivale ao cortejo recíproco entre o poeta e a palavra.

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Cumplicidade inarredável, como se uma saudade louca assaltasse a alma cada vez em que eventualmente a bola faltar. Inseparáveis que nem o pescador e o seu mar.

Até o exigente torcedor releva perebices ao reconhecer tamanha comunhão. Dela brota o vento nos pés, igual ao Maluquinho do terno e eterno Ziraldo. Brotam pulmões atômicos, de ímpeto renascentista e abnegação olímpica. Nada cativa tanto o torcedor quanto pulmões fiéis ao escudo no peito e à raiz boleira.

Muitos esquecem essa fome voraz pelo caminho, como um brinquedo desprezado no sótão. Deslocam o apetite para outras nuvens do desejo. Cavam um exílio da própria identidade. Quebram o espelho.

Os 110 minutos do documentário dirigido por Sandro Ciotti mostram que a genialidade de Cruyff reluz não só nos lances fabulosos, nos pódios, no tri de melhor do planeta (Bola de Ouro). Emana da maestria em não ter deixado os holofotes ofuscarem aquele menino. Um recado oportuno às novas gerações.

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Artilharia gigante

Sorato e Valdir Bigode nunca abrandaram o apetite pela bola, pela bola na rede. Multicampeões vascaínos, os artilheiros conversarão com a galera terça agora, dia 7, às 19h, na Cobal do Humaitá.

Eles vão lembrar histórias e gols que nos legaram. O papo reforça o encontro Gigantes do Museu, promovido quinzenalmente pelo Museu da Pelada.

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Como se fosse no outono europeu

Permanece à sombra a prudência recomendada pelos 60 graus de março e pelas evidências científicas do verão em progressiva hora extra. Flamengo e Botafogo duelaram ao sol do meio-dia como se vivêssemos um outono europeu. Felizmente as sequelas limitaram-se ao inchaço das cabeças rubro-negras injuriadas com a derrota.

Temperaturas cáusticas ameaçam a saúde também de atletas. O condicionamento primoroso e a hidratação protocolar não dissolvem o risco, por exemplo, de transtornos cardiorrespiratórios.

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O sacrifício corporal prejudica, na melhor hipótese, o rendimento físico e mental. Cai a qualidade do espetáculo, sem a qual espectadores e patrocinadores debandam.

O calor constante e intensificado do Rio sugere calibragens na programação esportiva alinhadas ao compromisso prioritário com a vida. Convenhamos, nada complicado.

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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação FísicaOrganizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

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