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Por André Heller-Lopes, diretor de ópera
A volta do Dito Erudito
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Cultura e política são música para meus ouvidos

A política precisa pensar na Cultura e Educação como parte essencial do futuro da cidade, se queremos ser uma cidade de artes

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Atualizado em 13 nov 2020, 15h25 - Publicado em 13 nov 2020, 12h58

Ultimamente ninguém está alheio ao tema eleições. A saga das eleições americanas não deve ter passado despercebida nem dos alienígenas, banhistas das recém descobertas piscinas de água da Lua. O Amapá às escuras mas nós já sabemos quais as tradições politicas de Iowa. O Havaí é “aqui” — talvez mais do que apenas poeticamente. Nada tão inverossímil quanto uma boa ópera ou balé do Romantismo. Porém, a nossa eleição começa em muito breve — e dela depende muito do que será a cidade do Rio de Janeiro no futuro e se conseguiremos resgatar algo da capital cultural que, um dia, já fomos.

Do que a cidade precisa? Certamente segurança e saúde são essenciais; da mesma forma, há vários outros itens pontuais na rotina de uma cidade. Porém tudo isso fala mais do ‘agora’, das necessidades imediatas, do que de um investimento no futuro. Uma cidade, como o futuro, dura muito tempo. Qual o pensamento dos candidatos sobre cultura ou educação? Nos encontros realizados com a classe artística, com poucas e honrosas exceções, o discurso tende a um apanhado de considerações genéricas — de quem talvez tenha pouca relação com Cultura e Educação. Cargos ligados à cultura, que seriam essenciais tanto para toda uma indústria quanto para um legado de humanidade, acabam virando uma mera moeda de troca politica entre aliados e alianças. Ao setor cultural, cabe a cada dois ou quatro anos reapresentar-se ao novo titular da cartola. Explica-se o básico, repetidamente, e que passa por cultura e educação serem muito mais do que escolas e teatros: tem a ver com formação e com o tipo de eleitores que queremos desenvolver. Quando nos parece absurdo que alguém nos EUA possa acreditar num vídeo caseiro, mostrando, por exemplo, a suposta descoberta de votos enterrados para fraudar a eleição, estamos falando de pura ignorância. O mesmo vale para uma bandeira toscamente tingida por um programa de computador ou a foto de uma personalidade ‘colada’ à uma imagem comprometedora. Há um precipício para além do que poderíamos chamar de ‘simplório’ e isso nada tem a ver com esquerda ou direita. Assim como saúde e segurança, a população também pode ser privada da capacidade de pensar, de imaginar. Tanto a violência quanto a pandemia, ou as lutas ideológicas e a falta de uma valorização da cultura sao traços de uma guerra — e se há uma coisa que o Rio de Janeiro precisa, é de paz.

No campo específico da ópera, dança e música de concerto, pergunto a mesma coisa a todos os candidatos: no Rio de Janeiro, qual o destino, quais o planos para a Cidade das Artes? Não que este enorme equipamento seja melhor ou mais importante do que qualquer outro, mas ele é simbólico da importância da cultura. A obra, incrível legado, gostem ou não, está aí: qual o seu foco? Depois de uma inauguração tumultuada, ainda em meio às obras, aquela que deveria ser a ‘Cidade da Música’ e até servir de sede para orquestra(s) sinfônica(s), foi rebatizada como sendo de todas as artes. Não há problema nisso, muito pelo contrário. Nem haveria como negar as qualidades da primeira gestão com grande destaque para a dança, ou da segunda gestão focada em diversificar, que possibilitou a um novo publico perder o medo do prédio imponente e foi super bem sucedida em apagar a imagem de elefante branco. É sempre tolo o exercício de criticar o que já passou — mas também não há como ignorar a música de concerto perdeu o protagonismo original, para o qual a sala foi acusticamente projetada; e a ópera nunca nem conseguiu entrar ali. Assim, é essencial solicitar que a música de concerto mereça um espaço cativo na Cidade das Artes. Há especificidades que nos dão o direito de pedir isso. Poucos talvez saibam, mas a antiga Cidade da Música é o único equipamento no Rio que possui salas de ensaios de instrumentos individuais, sala de musica eletroacústica, teatros com condições acústicas privilegiadas e, especialmente, um formato de palco onde é possível ter um grande numero de pessoas sentadas em duas ‘paredes móveis de camarotes’ atrás da orquestra — algo que, até onde sei, jamais foi nem mesmo estreado. Será que em meio a uma programação eclética não poderia haver um ‘quadro’ especifico para a musica de concerto, atendendo as várias orquestras do Rio, um outro dedicado à dança e talvez uma parceria com o Theatro Municipal para levar ópera para a zona oeste da cidade? Estímulo e acesso à cultura (e educação) faz-se também com oportunidade. Como disse o presidente eleito dos EUA, Joe Biden: “Let’s give each other a chance.” Não custa muito dar uma chance a todas as formas de arte — com o tempo cada publico decide o que mais chama à sua sensibilidade. A matemática é simples, basta alguém que entenda mais dos ‘números’ da cultura do que de acordos partidários.

O compositor britânico Benjamin Britten, ardoroso pacifista, criou uma ópera composta especialmente para a televisão chamada “Owen Wingrave”. Logo na primeira cena um personagem canta: “…falta de imaginação e falsas conclusões são um supremo exemplo de como perder uma batalha.” Supor que cultura e educação — em todas as suas formas — importam menos é caminhar para essa derrota. Elitismo é privar toda e qualquer camada da população da escolha do que encanta aos ouvidos de cada um, é não deslocar (um pouco que seja) o eixo de cultura da Cidade do Rio de Janeiro. Assim sendo, Sras. e Srs. Candidatos a Prefeito e Vereadores, qual o plano para a Cultura?

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André Heller-Lopes,
Encenador de óperas, Professor da Escola de Música da UFRJ e duas vezes Diretor Artístico do Municipal do Rio.

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