Corrida na menopausa: uma estratégia para viver a nova fase com leveza
Ondas de calor, fadiga, sono instável? Corredoras e especialistas ensinam como ajustar treino, hidratação e descanso para manter o esporte como forte aliado

Escrever este texto não foi fácil. Falar “estou na menopausa” ainda me causa um incômodo difícil de explicar, mesmo sabendo que não deveria. Existe algo de íntimo, quase silencioso, nesse processo. Talvez seja medo de parecer fraca. Ou velha. Ou tudo ao mesmo tempo. Talvez seja só o reflexo de um mundo onde o etarismo está em todo lugar: nas relações profissionais, nas piadas entre amigos, até dentro de casa.
Mas é esse o fato: sou uma mulher “50 menos” ( quase 49), estou na menopausa e isso mexe muito comigo e com a minha corrida, com meu corpo, com minha mente. Tem horas que acho que nunca estive tão bem: sigo em alta performance nas pistas, batendo recorde nas provas. Mas tem sido um processo desafiador, essa é a verdade.
Não sei dizer exatamente quando começou, mas lembro bem do calorão que me atingiu nos treinos para a Maratona do Rio em 2023. Sob o sol do Rio de Janeiro, o pior era sentir a falta de energia, um cansaço persistente que não combina com meu jeito sempre acelerado. Na largada, veio um fogo que parecia ter acendido um forno dentro de mim. Foi sofrida, mas foi a minha melhor maratona até então.

E eu ainda não entendia muito bem que era a menopausa. E o pior: meu médico também não. Era como se não levasse a sério. “Mas como você não quer se sentir cansada? Você faz maratona, trabalha, é mãe”, ouvi do meu então ginecologista, sem nenhuma escuta ativa. Foi trocando experiências com amigas da corrida que encontrei uma médica, no ano passado, que finalmente me enxergou. Comecei a reposição hormonal e, com ela, fui voltando a mim.
A busca pelo equilíbrio, no entanto, está longe de ser uma linha reta. Recentemente, precisei rever tudo: exames, dosagens, rotinas.
O que me sustenta? A corrida, sempre ela.
E o privilégio de contar com uma profissional de primeira linha e amigas ao meu lado. Eu sei que nem toda mulher tem isso. E por isso, para aprofundar o tema, conversei com duas especialistas em saúde da mulher e duas corredoras experientes, que abriram o coração sobre sintomas, adaptações e aprendizados.
Sabrina Soares, hoje com 54 anos, começou a sentir os sinais aos 47. Era a perimenopausa. “Tinha insônia, ondas de calor insanas. Mais tarde, vieram as dores musculares, o cansaço e uma tristeza que eu não sabia nomear”. Na época, ela treinava forte em busca de resultados.

“Consegui meu índice para a Maratona de Boston bem nesse início da menopausa. Mas foi no limite. Corria à base de anti-inflamatório. A corrida deixou de ser prazerosa. Era um sacrifício”.
Sabrina Soares
Já Renée Assayag passou pela menopausa precocemente, aos 40, começando com os sintomas de calor . “Os fogachos vinham do nada, no meio da noite ou durante uma conversa importante. Além disso, me sentia extremamente cansada. Meu corpo parecia desligado”.
O que acontece com a gente, afinal? A ginecologista do esporte Tathiana Parmigiano, médica do Time Brasil em quatro Olimpíadas, explica: “A queda do estrogênio impacta o corpo inteiro, causando sono ruim, alterações de humor, perda de massa muscular, dor articular e até problemas cognitivos. Para quem corre, isso interfere diretamente na recuperação e no desempenho”. Ana Paula Simões, ortopedista do esporte especializada em corrida, completa: “A mulher começa a sofrer com rigidez matinal, perda de força, sarcopenia, aumento de gordura abdominal. É um impacto físico e emocional que atinge vários níveis.”
Diante disso, manter uma rotina de treinos parece quase impossível. Sabrina chegou a parar. “Depois de Boston, fiquei um ano e meio sem correr. Não me reconhecia mais correndo daquele jeito sofrido”, desabafa. Renée seguiu outro caminho para ajustar a rota.

“Eu não parei de correr, mas reduzi tudo: ritmo, distância, intensidade. Corria para manter algo dentro de mim em ordem. Não era mais sobre performance, era sobre sobrevivência emocional”.
Renée Assayag
Nem sempre os sintomas são reconhecidos de imediato, nem pelas próprias mulheres, nem pelos profissionais. “Eu ouvi de um médico que precisava aceitar. Como se fosse destino. Mas achei duro demais. Procurei outras opiniões. Com a reposição hormonal, me reencontrei”, conta Renée.
Sabrina também só viu melhora com apoio médico. “A reposição foi decisiva. O corpo sentiu a diferença e a cabeça também. Só voltei com a ajuda de amigas e de uma nova endocrinologista. Hoje, corro num ritmo mais lento, mas com mais alegria”, festeja Sabrina, que de volta às pistas completou a Maratona do Rio em junho e se prepara para a Maratona de Tóquio em 2026.
Para as profissionais, a reposição não é sobre estética ou performance: é sobre bem-estar, dormir melhor, pensar com clareza. “Quando bem indicada, a reposição de estrogênio e progesterona pode ser benéfica, mas exige olhar amplo: exames de sangue, densitometria, vitaminas, assoalho pélvico”, ressalva Ana Paula.
Menopausa não é só “calorão”; é o corpo inteiro pedindo atenção.
Mesmo com todas as mudanças, a menopausa não é impeditivo à corrida, mas um convite à adaptação. A menopausa muda o corpo, a cabeça, mas não precisa nos tirar das pistas. E, se o ritmo desacelera, é só mais um ajuste de percurso.
Ambas recomendam ouvir o corpo, reduzir volume nos dias de maior fadiga e aumentar o descanso entre treinos. E destacam a importância de priorizar treino de força. “A queda do estrogênio acelera a perda de massa muscular e de densidade óssea, o que pede cuidado redobrado com impacto e lesões”, diz Ana Paula.
“O fortalecimento ajuda a proteger contra osteoporose, quedas e desequilíbrios”, diz Ana Paula. “A musculação melhora o metabolismo e a resposta ao treino, e é parte fundamental da saúde feminina depois dos 40”, completa Tathiana.
Sabrina traduz esse ensinamento na prática: “Se eu não fortalecesse, já teria parado. A musculação virou meu remédio, é o que me permite continuar correndo”, atesta ela. Renée idem. “Hoje, malho mais do que corro. Quando negligencio o fortalecimento, tudo dói mais. A musculação virou minha base”.
Há outro pilar tão importante quanto o físico: a rede de apoio.

“Nos treinos, eu via outras mulheres passando por tudo o que eu sentia. As conversas matinais e os quilômetros divididos me ajudaram a atravessar a fase sem me vitimizar”, lembra Renée. “As médicas me ajudaram, mas foram as amigas que me sustentaram. Mas no universo da corrida, ainda se fala pouco disso. Muita mulher tem vergonha de admitir que está na menopausa”, reforça Sabrina.

Segundo Tathiana, essa vergonha ainda é muito comum. Ainda há muita desinformação. “Por séculos, a menopausa foi tratada como decadência. E não é. É apenas uma nova fase. Quando a mulher encontra suporte de amigas, de médicos, de treinadores tudo muda”. Ana Paula também acredita no poder da escuta. “A corrida cria laços. E nesse momento, mais do que nunca, sentir-se vista, acolhida, entendida faz toda a diferença”.
“É duro aceitar que o corpo mudou. Mas é pior parar. Correr, mesmo num tom abaixo, ainda é minha terapia”.
Sabrina Soares
O consenso é que a menopausa exige coragem. Para continuar. Para mudar. Para se reinventar. E a corrida, nesse processo, pode ser o que nos mantém inteiras. Todas nós, sem exceção, estejamos destinadas a vivê-la. E se falar já ajuda, correr também. Ajustando ritmos, ouvindo os sinais do corpo e acolhendo as mudanças, eu, essas e muitas outras mulheres estão redescobrindo nas pistas um lugar não apenas de performance, mas de prazer, saúde e, acima de tudo, de liberdade.