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A mais nova mudança na paisagem da orla carioca custou 20 milhões de reais

Em meio a pandemia, a última casa na orla do Leblon, construída em 1930, foi demolida para dar lugar a um prédio residencial de 5 andares

Por Saulo Pereira Guimarães
Atualizado em 17 jul 2020, 21h38 - Publicado em 17 jul 2020, 06h00
Orla do Leblon: última cada da Delfim Moreira foi demolida e, no lugar, será construído prédios cujos apartamentos custarão até 36 milhões de reais (Alexandre Macieira/Riotur)
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Um sobrado branco de dois andares, que chamava atenção na orla do Leblon por ser a única casa naquele pedaço nobre da cidade, esteve durante anos no centro de uma acirrada disputa do mercado  imobiliário.  Um dos mais ambicionados endereços do Rio para quem pode pagar caro acabou nas mãos da construtora Gafisa, que já derrubou a antiga construção — posta de pé nos anos de 1930 por uma família de Juiz de Fora — para erguer ali um prédio de luxo de cinco andares.

Casa Leblon
A última guerreira: casa na Delfim Moreira resistiu à especulação imobiliária até 2020 (Divulgação/Divulgação)

Apesar de os valores serem mantidos em sigilo, o que se  comenta nos bastidores imobiliários é que a negociação do terreno de 336 metros quadrados foi fechada por pelo menos 20 milhões de reais e que um arquiteto de Londres vai assinar o projeto do edifício que se somará ao cartão-postal.

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Terrenos da Zona Sul ocupados por casas à beira-mar são cada vez mais raros. Em Copacabana, na altura do Posto 5, o antigo Consulado da Áustria foi demolido para dar espaço ao Hotel Emiliano, aberto em 2017. No Posto 4, a chamada Casa de Pedra, a derradeira da Avenida Atlântica, veio abaixo em 2013 e, em breve, surgirá no lugar um prédio residencial.

Já o novo edifício do Leblon está planejado para 2024. Calcula-se que o apartamento mais barato não sairá por menos de 12 milhões de reais, podendo chegar a 36 milhões, no caso da cobertura. “O local é objeto de desejo de investidores no mundo todo”, diz Cláudio Hermolin, presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio, que vem observando as mudanças cada vez mais frequentes nos imóveis da praia. Na última década, muitos prédios da orla de Ipanema e Leblon, originalmente da década de 70, ganharam
melhorias visíveis.

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De acordo com um levantamento da Secretaria Municipal de Urbanismo, cerca de 300 licenças para obras na faixa litorânea foram concedidas desde 2017. Um terço delas envolvia intervenções para “aumento da área construída”, o que abrange sacadas e varandas. É o caso do Edifício Ocaporan, na esquina com a Rua Venâncio Flores, que teve toda a fachada e portaria remodeladas depois de meio século, e do Cap Ferrat, uma das construções mais imponentes na área.

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A torre de 22 andares, inaugurada em 1976, passou por uma extensa reforma há três anos, alterando, entre outras coisas, os antigos balcões, agora todos de vidro, para não interferir na vista para o mar. Também trocaram as portas das varandas, castigadas pela maresia. Esse tipo de repaginação é conhecido como retrofit: as características originais são mantidas, mas entram em cena materiais mais modernos, funcionais e sustentáveis, como pede esta nova era.

O método vem sendo amplamente empregado mundo afora. Grandes metrópoles, como Paris, Barcelona e Lisboa, revitalizaram seus centros urbanos a partir de imóveis antigos, sem derrubá-los, mas lhes dando uma espécie de banho de loja.

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O próprio Empire State Building, inaugurado em Nova York na década de 30, passou por uma  transformação dessa natureza. Finalizada em 2013, a obra remodelou espaços internos e otimizou as soluções de energia, gerando uma economia anual de 4,4 milhões de dólares.

No Rio, os exemplos crescem à medida que escasseiam os terrenos para construção de novos empreendimentos em regiões nobres. O caminho então é modernizar o que já está aí. Nas duas primeiras semanas de junho, um edifício nos fundos de um casarão tombado no Jardim Botânico, que havia passado por um bom retrofit, teve 25 dos seus 34 apartamentos vendidos pela internet em plena crise sanitária.

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O crescimento do sistema de home office e o consequente esvaziamento de escritórios, tendências já apontadas para a pós-pandemia, devem aquecer ainda mais o mercado, estimulando uma onda  de intervenções desse gênero na cidade. “No Centro, é bem provável que muitos prédios comerciais deem lugar a residenciais”, prevê Leonardo Schneider, presidente do Secovi Rio.

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Apesar de permitir o melhor aproveitamento da infraestrutura e valorizar os imóveis, às vezes o retrofit esbarra em obstáculos, como construções tombadas pelo Patrimônio Histórico, que impõe uma série de limitações às reformas. Em situações extremas, a fachada chega a ser retirada durante as obras e recolocada mais tarde.

“O retrofit muitas vezes dá mais trabalho e pode custar até mais caro do que levantar um prédio do zero, mas compensa pelo aproveitamento da localização, uma característica insubstituível”, ressalta Carolina Lindner, gerente comercial da Mozak, responsável pelos projetos de modernização do Cine Leblon e do antigo Colégio Saint Patrick’s, no mesmo bairro.

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As mudanças na paisagem da orla e em outros pontos da Zona Sul compõem o mais recente capítulo da ocupação dessa parte da cidade. Restrita ao Centro até o início do século XX, a urbanização do Rio nesse período viu os mais pobres subirem nos trens em direção à Zona Norte, enquanto os mais ricos descobriam Glória, Flamengo e  Botafogo.

Jardim Botânico e Gávea prosperaram depois, e aí veio a abertura dos túneis, que viabilizou de vez locais como Copacabana. Com a inauguração do Hotel Copacabana Palace, em 1923, morar de frente para o mar naquele pedaço era sonho de consumo.

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A glamourização da região fez com que casas fossem dando lugar a edifícios, fenômeno que se repetiu em Ipanema e Leblon. Hoje, muitos desses imóveis são usados apenas na alta temporada. “Em um passeio de carro por lá à noite, dá para contar o número de apartamentos com luzes acesas”, lembra Igor de Vetyemy, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ).

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Apesar de várias demolições no curso da história, o Rio guarda uma riqueza arquitetônica expressa em construções de cinco séculos – um dos fatores, aliás, que contribuíram para sua escolha como capital mundial da arquitetura em 2020. Seguir transformando a cidade é tão importante quanto preservar esse tesouro.

 

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