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Maria Ribeiro: ‘Quer saber? Acho que vou virar Botafogo’

Dividida nos dias de Fla-Flu desde que seu filho mais novo se tornou flamenguista, colunista e atriz tricolor se vê torcendo por empates

Por Maria do Amaral Ribeiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
16 jun 2023, 07h00

Não conheço a vida sem o futebol. Quando criança, via meu pai e meus irmãos mais velhos indo para o Maracanã e percebia que algo muito sério — e mágico — os unia naquele programa. Nunca fui convidada. E nunca pedi para ir junto. Para falar a verdade, não entendia como um jogo em torno de uma bola podia despertar tanto entusiasmo. Mas era um mistério que eu achava bonito. Um propósito que eu compreendia tanto quanto a obrigação de ir à missa de domingo com a minha mãe. Como se fossem duas religiões. Ou uma espécie de montanha. “Um dia, chego lá”, pensava.

Mais tarde, já casada, passei a frequentar o estádio. Meu marido, paulista, não torcia com paixão por nenhum clube carioca, mas, leitor de Nelson Rodrigues, sabia da sacralidade de um Fla-Flu. A disputa, histórica, era mais do que uma partida. Sempre. Como suas filhas eram — e são — flamenguistas, acabávamos ficando, ainda que de forma não muito assertiva, em lados opostos. Amor é amor, time é time.

Sou Fluminense. E logo o corretor do computador me repreende, transformando o efe maiúsculo em minúsculo. Como se eu me referisse ao Estado onde nasci, e não à camisa verde e vermelha das Laranjeiras. Ou como se, secretamente, soubesse da forma estranha como tenho me comportado nos últimos clássicos, sempre implorando por empates, ao invés de vitórias.

Explico. Quando tive meu primeiro filho, vinte anos atrás, não tinha a menor ideia se ele gostaria de esportes. Me importava em mostrar músicas, filmes, árvores. Coisas que eu gostava. Que eu conhecia. O pai fez o mesmo, e aos 3 anos João já reconhecia as bandeiras de todos os países da Copa do Mundo, e sabia o nome de vários jogadores gringos. Pronto, o garoto era boleiro. Isso não era bom ou ruim, era uma realidade.

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“Para falar a verdade, não entendia como um jogo em torno de uma bola podia despertar tanto interesse. Mas era um mistério que eu achava bonito”

Não sei em que momento meu primogênito passou a se reconhecer como tricolor. Talvez em algum Natal, com meu irmão Leo, com meu pai, ou mesmo comigo. De toda forma, era o natural. Por mais que toda a família do pai fosse São Bento de Sorocaba, era no Rio de Janeiro que viveríamos nossas identidades mais ou menos atuantes nesse departamento. O fato é que eu nunca havia pensado no assunto até o dia em que meu caçula chegou em casa avisando que mudaria de time.

“Oi? Mudar de time? Como assim? A troco de quê? Isso não existe, Bento”. Fiquei perplexa. Se com meu filho mais velho o tema não chegou a virar resenha, com o pequeno rolou um certo drama. “Já temos muitas fotos com a camisa do Fluminense, Bento”. “Não acho legal virar casaca, filho”, exagerava. Falei, falei, falei. Nada. A decisão estava tomada.

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Fui mãe de novo com sete anos de diferença entre uma e outra cria. Separei, casei de novo — dessa vez com um corintiano —, mas permanecia sem concorrentes no campeonato carioca. E agora eu tinha, diariamente, na minha sala de estar, dois garotos chutando paredes. Pro meu desespero e pra minha alegria, meus moleques passavam dias inteiros fazendo gol a gol, e, a despeito de qualquer rixa, cantavam o mesmo hino. Era um caos, mas um caos cheio de cumplicidade.

Eis que surge 2018. O Fluminense não ia bem. A eleição presidencial, muito provavelmente, seria — como foi — ganha por Jair Bolsonaro. E Bento não queria perder as duas coisas: “Mãe, quero ganhar alguma coisa”. O candidato, pra mim, era inegociável. “Tá bem, filho. Muda de time, então”.

E assim, meio por acidente, cheguei aonde estou agora. No último Fla-Flu que vi em casa, sentada no sofá com os dois, uma dupla de torcedores fanáticos por clubes rivais, rezava por um zero a zero. Isso quando a divisão não é no Maracanã. Quer saber? Acho que vou virar Botafogo.

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