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“Meu sonho era trazer a diretora de ‘Lindinhas'”, diz criador da Flup

À frente da Festa Literária das Periferias, Julio Ludemir fala sobre os bastidores do evento e o convite feito à responsável pelo filme mais polêmico do ano

Por Cleo Guimarães
28 out 2020, 11h07
Julio Ludemir: 'Não sou eu, o macho branco, que vou falar de feminismo negro, por isso tento me cercar das pessoas certas' (Flup/Divulgação)
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A pandemia atravessou o caminho da Flup, a Festa Literária das Periferias, bem na hora de começar a montar a programação e de convidar os participantes para a edição deste ano. Sem problemas. Julio Ludemir, produtor cultural com faro incomum para as tendências de morros e comunidades, deu seu jeito – como sempre. Fechou parcerias com institutos culturais europeus e viajou a dois continentes para gravar entrevistas que serão transmitidas ao longo da programação. O evento, pela força das circunstâncias, chega à sua nona edição em versão digital, sim, mas sem perder o caráter inovador e de contestação jamais.

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Com debates realizados no Rio, Europa e África, homenagens a Lélia Gonzalez e Carolina de Jesus e discussões focadas no impacto recente da morte de George Floyd, que se tornou símbolo da violência contra a população negra, a Flup dá início às sua atividades nesta quinta (29), com a moral de mais um prêmio aparecendo no horizonte: o ‘festival literário de ideias e performances’, como Ludemir gosta de chamá-lo, foi indicado ao Prêmio Jabuti de 2020, na categoria Fomento à Leitura. Criador da Festa, ele concedeu a seguinte entrevista a VEJA RIO.

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Como você conseguiu adaptar o evento à realidade da pandemia? No início do ano eu me perguntei: ‘Como vou fazer esse negócio?’, e me neguei a ficar parado. Sou mendigo profissional e vou pedindo. Fui aos institutos culturais europeus e propus um diálogo das periferias mundiais. Pedi indicações, um foi me apresentando o outro, fui fazendo pontes.

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Você fez entrevistas que serão transmitidas ao longo da programação com poderosas vozes negras e femininas de vários países, e outras participarão de debates on-line. Ficou faltando alguém? Eu queria muito a Maïmouna Doucouré, diretora de Lindinhas (filme franco-senegalês premiado em Sundance, que causou polêmica ao ser acusado de hipersensualizar crianças e adolescentes). Conheço toda a rede dela, todo o rolé do feminismo negro francês. Consegui chegar nela, mas a Doucouré não quis. Disse que não queria falar, preferiu ficar quieta. Uma pena. Eu já tinha até pensado no nome da mesa de que ela participaria.

E qual seria? ‘Tudo o que você falar pode se voltar contra você’. Tem tudo a ver: qualquer que fosse o discurso dela, a extrema direita ia cair matando.

Como é fazer um evento como a Flup no atual cenário cultural brasileiro? A política cultural do Brasil no momento é não ter política cultural. Depois da Regina Duarte, com aquele histrionismo de Viúva Porcina, veio o garotão de Malhação que não sabe nada. Esse ‘Stop and go’ é um artifício do governo para descontinuar tudo. Porque para fazer política tem que haver continuidade, isso é óbvio.

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Você é o criador da Batalha do Passinho, da Flup, e sempre teve seu trabalho voltado para a periferia e as minorias. Já ouviu críticas por, supostamente, não ter ‘lugar de fala’? Muito. Sou um homem branco e com background de classe média, por mais que tenha passado fome, dormido na rua. Os brancos dizem que faço eventos para negros, e entre os negros, sou visto como branco. Fico nesse meio, tomando porrada dos dois lados. Mas tenho lugar de escuta. Não sou eu, o macho branco, que vou falar de feminismo negro, por isso tento me cercar das pessoas certas. Antes de fazer um evento, penso quantas mulheres, quantos homossexuais, quantos trans e quantos negros nós vamos ter. Essa equação de inclusão me ajuda a dar legitimidade.

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Por que você se afastou da Batalha do Passinho? Acha que virou mainstream? Exatamente. Se tornou uma batalha de mercado, não é o que me interessa. O passinho que me desculpe, mas passou, apesar de não deixar de ser uma manifestação cultural. O funk sempre será uma manifestação cultural, mesmo de camisa da Nike e da Adidas. Mas no momento em que a mulecada do Passinho passou a dizer que fazia passinho e não funk, eu saí fora. Acho que deu.

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