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O adeus a João Donato, pioneiro da bossa nova e multi-instrumentista

Influência declarada de nomes como João Gilberto, o artista de 88 anos tocou com grandes artistas internacionais e lançou seu último disco ano passado

Por Redação VEJA RIO Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
17 jul 2023, 15h32
João Donato é um homem branco na casa dos 80 anos. Ele usa boné e camisa de botão estampada azul e branca
João Donato: grande noma da música brasileira, artista lançou seu disco mais recente no ano passado (Pedro Palhares/Divulgação)
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Morreu nesta segunda (17), aos 88 anos, o cantor, compositor e multi-instrumentista João Donato, um dos precursores da bossa nova. Ele estava internado com pneumonia na Casa de Saúde São José, no Humaitá, e foi intubado há duas semanas. O corpo será velado no Theatro Municipal e a cremação contece no Memorial do Carmo, no Caju.

Ele era casado desde 2001 com a jornalista Ivone Belem. Teve três filhos, de relacionamentos diferentes: Jodel (com a atriz americana Patricia del Sasser), Joana (com dançarina Ana Maria Reis, também falecida) e o músico Donatinho (com a pianista Shirley Alves de Souza).

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João Gilberto, considerado o pai da bossa nova, contava que sua inspiração para a maneira como tocava violão tinha vindo do acordeom de João Donato e do piano de Johnny Alf, que ele e outros nomes do gênero haviam visto tocar na noite carioca no começo dos anos 50. Donato, no entanto, rechaçava o rótulo atribuído ao estilo musical: “Para mim, bossa nova sempre foi samba tocado por uma moçada que não é do morro”, disse ele à Folha de S. Paulo em 1986.

Entre os que lamentaram sua morte nas redes sociais, está a cantora e compositora Marisa Monte. “Muito triste com a partida do meu amigo e parceiro João Donato. Um homem sensível e único, criador de um estilo próprio com um piano diferente de tudo que já vi. Doce, preciso e profundo. Além da saudade, fica a obra eterna e presença luminosa em nossas vidas”, disse ela em seu Instagram, na legenda de uma foto dos dois.

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A ministra da Cultura, a cantora Margareth Menezes, foi outra a registrar a perda. “Partiu João Donato, que triste! Tive a honra ter dividido o palco com esse grande mestre da nossa Música Popular Brasileira”, disse ela, postando uma foto com ele no palco. “O seu legado e as suas contribuições marcam uma revolução na bossa nova, no samba, no jazz e no ijexá. João Donato forjou um estilo jazz/afro cadenciado, dinâmico, harmônico e diferenciando, com uma marca própria, e que influenciou gerações inteiras dentro e fora do Brasil”.

O cantor Silva também prestou sua homenagem ao artista. “Hoje meu ídolo maior se foi. Era um daqueles que sabem tanto de música que conseguem transformá-la em algo fácil de se ouvir, com o poder de melhorar o clima de qualquer momento esquisito da vida. Que honra foi ter tido um tempinho com você, Donato. gostaria de ter tido muito mais. te amo pra sempre!”, escreveu ele, que postou um carrossel com vídeos e fotos, algumas ao lado de Donato.

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Nascido em Rio Branco, no Acre, em 17 de agosto de 1934, João Donato conviveu com a música desde pequeno. Seu pai, um major da aeronáutica, tocava bandolim. Sua mãe cantava e sua irmã mais velha tocava piano. Ele gostava de brincar de música com flautinhas de bambu e panelas.

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Aos cinco anos, recebeu uma sanfona de oito baixos de presente e, mais tarde, uma maior. Aos 8 anos, compôs sua primeira música, a valsa Nini.

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Em 1945, sua família se mudou para o Rio. Ele começou a tocar em festas de colégio na Tijuca, na zona norte. Em uma delas, conheceu Lúcio Alves, Nanai e Chicão, do grupo Namorados da Lua. Tentou participar do programa de Ary Barroso, que revelava talentos, mas não conseguiu.

Iniciou sua carreira profissional em 1949, como integrante do grupo Altamiro Carrilho e Seu Regional, com o qual gravou, nesse ano, um disco de 78 rpm com as músicas Brejeiro (Ernesto Nazareth) e Feliz Aniversário (Altamiro Carrilho e Ari Duarte).

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Nessa época, frequentava o Sinatra-Farney Fã Clube, também na Tijuca, considerado por muitos estudiosos uma escola para toda a geração que mais tarde criaria a bossa nova. Johnny Alf foi outro frequentador do espaço que se tornaria ilustre.

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Aos 17 anos, João Donato namorou a cantora Dolores Duran, então com 21, por seis meses. Eles chegaram a marcar o noivado, mas a família dele não aceitava que ele se relacionasse com uma mulher negra, cantora da noite e mais velha que ele. Donato acabou cedendo à pressão: terminou o namoro e foi viver no México. Nos anos seguintes, Dolores viria a se tornar um grande nome da música.

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A partir de 1953, já como pianista, Donato passou a comandar seus próprios grupos instrumentais: Donato e Seu Conjunto, Donato Trio e o grupo Os Namorados. De 1956 a 1958, passou uma temporada em São Paulo. Quando voltou ao Rio, a bossa nova começava a ganhar força, mas só explodiria no ano seguinte, quando ele estava no exterior.

A convite de Nanai (ex-integrante do grupo Os Namorados), ele havia partido para uma temporada nos Estados Unidos. Donato fundiu o jazz com a música do Caribe, como integrante das orquestras de Mongo Santamaría, Johnny Martinez, Cal Tjader e Tito Puente. Em seguida, excursionou com João Gilberto pela Europa.

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Em 1962, voltou ao Brasil e realizou dois discos que são considerados clássicos da música instrumental brasileira:  Muito à Vontade (1962), seu primeiro álbum ao piano, e A Bossa Muito Moderna de João Donato (1963). Na época do relançamento de Muito à Vontade em CD, o jornalista e hoje imortal da ABL Ruy Castro escreveu: “Este disco abriu-lhes novos horizontes e devolveu Donato a um movimento que ele, sem saber, ajudara a construir.”

Em seguida, voltou aos Estados Unidos, onde ficou por quase uma década. Trabalhou com nomes do quilate ede Chet Baker, Bud Shank, Cal Tjader, Armando Peraza, Nelson Riddle e Herbie Mann. Ao lado de João Gilberto, Tom Jobim, Moacir Santos, Eumir Deodato, Sergio Mendes e Astrud Gilberto, brasileiros também radicados lá, ajudava a música brasileira a se tornar reconhecida no exterior.

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Entre os discos lançados no período, está A Bad Donato (1970), pelo selo Blue Thumb. Gravado em Los Angeles, o álbum mistura funk, psicodelia, soul music, sons afro-cubanos e jazz fusion, e é considerado um dos 100 melhores discos de todos os tempos pela revista Rolling Stone.

Em 1972, passando o Natal na casa de Marcos Valle, encontrou o cantor Agostinho dos Santos, que lhe sugeriu gravar um disco cantando, colocando letra em suas composições. Valle aproveitou para convida-lo a gravar um novo álbum no Brasil, com o repertório formado dessas canções. Quem é Quem (1973) é seu primeiro registro com letras e também foi considerado um dos melhores de todos os tempos pela Rolling Stone.

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A partir daí, saiu do nicho instrumental, e tornou-se parceiro musical de nomes como Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, Martinho da Vila, Cazuza, Arnaldo Antunes, Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, Ronaldo Bastos, Abel Silva, Geraldo Carneiro e o poeta Haroldo de Campos, entre outros.

O álbum seguinte, Lugar Comum (1975), também traz, em sua maioria, temas que elas instrumentais agora com letra, em parceria com grandes nomes, como Caetano Veloso, Gutemberg Guarabyra (da dupla com ), Rubem Confete e Gilberto Gil — são oito parcerias com ele no disco, entre elas os clássicos Bananeira e Emoriô.

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Depois desse período, João Donato ficou anos sem gravar. Ele só voltaria a lançar um disco ao vivo, o instrumental Leilíadas (1986), 11 anos depois. Levaria mais uma década até ele fazer Coisas Tão Simples (1996), produzido por João Augusto, que trazia uma parceria com Cazuza, filho do produtor: a faixa Doralinda.

A partir dali, voltou ao ritmo de muitos lançamentos. Em 2007, escritor americano Allen Thayer escreveu um longo texto sobre o artista para a revista de jazz Wax Poetics, onde afirma: “João Donato merece um lugar entre as lendas da música brasileira, ao lado de Antonio Carlos Jobim, João Gilberto, Dorival Caymmi, Ary Barroso e muitos outros, apesar de sua (…) experimentação com vários gêneros de música tornar um desafio classificá-lo”.

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Em 2017, João Donato e seu filho mais novo, Donatinho, lançaram um álbum em conjunto, Sintetizamor. Em 2021, foi a vez de um disco ao lado de Jards Macalé, Síntese do Lance. No ano passado, saiu seu trabalho mais recente: Serotonina, que traz parcerias com nomes como Céu, Rodrigo Amarante e Felipe Cordeiro, entre outros.

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