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Os sinais de recuperação do Zoológico do Rio

Após ser interditado pelo Ibama por ter animais vivendo em péssimas condições, o parque na Quinta da Boa Vista se prepara para uma grande intervenção

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 14 jul 2017, 19h49 - Publicado em 14 jul 2017, 18h00
O urso Zé Colmeia: atração local (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

Diagnosticado com um quadro crônico de neurose e stress, Zé Colmeia viveu um bom tempo à base de comprimidos de uma substância chamada haloperidol, usada por pessoas que sofrem de esquizofrenia e transtornos psicóticos. O medicamento, conhecido comercialmente como Haldol, fez-se necessário para reverter os traumas do urso-pardo de 16 anos, resgatado de um circo no interior do estado em 2007. Com comportamento maníaco, ele batia a cabeça nas paredes do recinto que ocupava no zoo, uma sequela do tempo em que passou enjaulado e sob tensão no picadeiro. Como resultado, a parte superior de seu crânio tinha pelos ralos e feridas que não cicatrizavam. Em tratamento desde outubro do ano passado, Zé Colmeia também passou a desfrutar um espaço mais digno. O recinto onde vive teve a piscina reformada e ganhou brinquedos como pneus e troncos, normalmente besuntados de mel para atrair sua atenção. Em 31 de maio, diante de uma impressionante melhora em seu estado de saúde, Zé Colmeia teve alta e deixou de tomar os medicamentos. Saudável e rechonchudo, hoje ele faz graça para o público e, diante da sua recuperação, virou uma espécie de símbolo do renascimento do Jardim Zoológico do Rio. Interditado pelo Ibama no início de 2016 e entregue à iniciativa privada em outubro, a instituição se transformará em um bioparque, onde os animais ocuparão amplos espaços, ambientes naturais das espécies serão recriados e as grades, abolidas. “Seremos uma referência no país e em toda a América Latina”, promete José Roberto Scheller, diretor do lugar, agora sob concessão do Grupo Cataratas.

Antes e depois: o urso Zé Colmeia recuperou o peso e a saúde (Acervo RioZoo e Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

Em sintonia com os mais avançados conceitos de zoo no mundo, o projeto da empresa, de origem paranaense e atualmente sediada no Rio, chama atenção pela ambição. O grupo, sócio do AquaRio e gestor do Parque Nacional do Iguaçu, do serviço Paineiras-Corcovado e do EcoNoronha, em Fernando de Noronha, não planeja apenas reformar o zoológico septuagenário, instalado na Quinta da Boa Vista. A ideia é pôr as instalações abaixo, mantendo apenas o majestoso portão, a alameda principal ornada com palmeiras-imperiais (ambos tombados) e as 1 300 árvores catalogadas no terreno de 122 000 metros quadrados.No lugar das estruturas gradeadas e dos cubículos decrépitos serão criados oito ambientes — de aves, animais domésticos (fazendinha), répteis, felinos e canídeos, primatas e ursos, espécies aquáticas, além de um espaço especial para elefantes e outro que reproduz uma savana africana. Entre as novas atrações planejadas, destacam-se o túnel de acrílico que serpenteará a área dos leões, de onde o visitante poderá olhar de perto os felinos, e uma piscina especial para os elefantes, que proporcionará uma visão inusitada dos animais nadando. No último dia 28, fiscais da Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente fizeram uma vistoria no complexo, trâmite necessário para o licenciamento das obras. A expectativa é que as obras comecem em agosto e sejam concluídas em dezoito meses. “O projeto contempla os anseios de uma instituição moderna que privilegia o bem-estar dos animais e proporciona uma experiência singular ao público”, diz Cláudio Hermes Maas, presidente da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil (SZB), que já teve acesso aos planos.

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(Veja Rio/Reprodução)

Além da sensação de proximidade com os bichos em ambientes que recriam seus hábitats, o novo RioZoo prevê atrações extras. Logo na entrada, será possível caminhar em meio a 500 aves, em um viveirão de 3 000 metros quadrados protegido por uma tela a 10 metros de altura — se desejar, o visitante poderá adicionar um pouco de aventura à experiência e cruzar o local em um circuito de arvorismo. Na área de savana, que substituirá a atual Passarela da Fauna, o público terá a chance de fazer um safári fluvial em um rio artificial com 400 metros de extensão percorrido por barcos. O setor abrigará espécies como zebras, gnus e girafas — essas últimas, aliás, poderão ser alimentadas pelos visitantes. Em quase todos os novos setores, os percursos incluirão trechos subterrâneos com aquários dedicados a animais como hipopótamos, leões-marinhos, pinguins e tartarugas. Tudo afinado com a tendência batizada de enclausuramento inverso, em que os bichos usufruem a maior parte do espaço disponível e são separados do público por barreiras naturais como fossos e painéis de vidro e acrílico de alta resistência. Programada para ser feita em etapas, a obra não fechará o zoo. O contrato de concessão assinado entre a prefeitura e o Grupo Cataratas, ancorado em um investimento de 65 milhões de reais nos primeiros 24 meses, chegou a ser suspenso por uma liminar no ano passado. Entretanto, em março, a Justiça julgou o mérito do recurso e manteve a concessão. “Não alteramos em nada os planos por causa dessa questão, tanto que vamos investir 15 milhões de reais a mais do que o previsto para esses dois anos”, afirma Bruno Marques, diretor-presidente do grupo.

(Veja Rio/Reprodução)

Com uma combinação invejável de natureza e história, o zoo do Rio, um dos mais antigos do país, aberto nos anos 1940, chegou ao fundo do poço em 2015. Bichos trancafiados em compartimentos exíguos, estruturas enferrujadas, recintos minados por vazamentos e animais expostos ao sol sem proteção compunham o retrato do descaso. Para reabri-lo à visitação em dezembro passado, a empresa que assumiu o parque precisou fazer adequações emergenciais. Também foi implantado um programa de medicina preventiva, em que os bichos, além de submetidos a exames de sangue e ultrassom, tiveram a dentição e as funções cardíacas e renais avaliadas. Ao entrarem no parque, os técnicos do Grupo Cataratas ficaram alarmados com o fato de apenas 5% dos 1 200 animais de 350 espécies ter prontuário médico. Logo nas primeiras avaliações, descobriu-se que um tigre-de-bengala vinha perdendo peso sistematicamente por causa de dor de dente — o felino passou por um tratamento de canal e voltou a comer normalmente. “As condições dos animais eram muito preocupantes. Nossos técnicos listaram oitenta irregularidades que tiveram de ser sanadas”, explica Pedro Castilho, superintendente do Ibama-RJ. No processo, também se verificou que a alimentação dos bichos era precária. Não havia balança na cozinha e as porções de alimentos eram medidas no olhômetro. “Tivemos de comprar equipamentos e comida às pressas. Só havia rações de cachorro na despensa quando chegamos”, lembra a bióloga Anna Cecília Leite Santos. A melhora no aspecto de certas espécies impressiona. A plumagem dos guarás, que era pálida e esbranquiçada, passou a ganhar viço e retomou a cor vermelho-vivo que caracteriza essas aves. Tudo graças a uma dieta especial de peixes e camarões.

Em um reflexo da pressão de ambientalistas e de uma legislação internacional rigorosa, a grande maioria dos países veta a captura e comercialização de espécies na natureza para exibição em cativeiro. Hoje, um zoológico que pretenda ampliar seu plantel precisa recorrer a instituições semelhantes que tenham espécimes disponíveis. É o que tem feito o Grupo Cataratas entre zoos e criadores brasileiros e no exterior. A volta de leões à Quinta da Boa Vista, no fim do ano passado — um macho de 9 anos e uma fêmea de 15 —, é resultado de uma parceria com o Zoológico de Pomerode, em Santa Catarina. Agora a concessionária quer adquirir três girafas — a última que vivia ali, Zagallo, morreu há dois anos —, um casal de zebras e outro de tigres-brancos. Estuda ainda arranjar uma namorada para Zé Colmeia, que, recuperado dos traumas do circo, já pode ter companhia. A entidade também planeja estreitar laços com ONGs e universidades para estimular a pesquisa científica. “Desde a concessão, já realizamos aqui seis estudos que foram apresentados em um congresso”, diz Scheller, diretor do RioZoo.

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Pesquisas recentes mostram que entre todas as modalidades de parques, dos temáticos aos de contemplação da natureza, os jardins zoológicos ainda lideram a preferência do público. Nas últimas décadas, essas instituições, criadas no século XVIII por reis europeus como demonstração de riqueza e poder, passaram por uma drástica mudança no sentido de dar tratamento mais digno aos animais e permitir ao público uma compreensão maior do ambiente em que eles vivem. Um dos complexos mais emblemáticos é o do Bronx, em Nova York, que investiu 43 milhões de dólares só numa instalação que reproduz, em detalhes, um trecho de floresta habitado por gorilas. Para reconstruírem o RioZoo, pesquisadores do Grupo Cataratas visitaram dezenas de complexos do gênero na Europa e nos Estados Unidos. Boa parte do projeto é inspirada no Zoológico de San Diego, na Califórnia, um dos pioneiros no conceito de exibição dos bichos ao ar livre e com a recriação de biomas. Zé Colmeia e sua turma merecem.

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