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A expectativa dos trabalhadores do Carnaval pela retomada do setor

Quase dez meses após a interrupção dos preparativos para os desfiles de 2021, alguns barracões e quadras ensaiam o retorno

Por Clara Alexandre*
18 jan 2021, 10h00

Em setembro, a Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA) confirmava o adiamento do Carnaval 2021, com a certeza de que não seria possível vacinar a população a tempo. Em outubro, representantes de blocos de rua anunciaram também que não desfilariam sem vacina. A Riotur apenas formalizou o entendimento de que, sem vacina, não seria possível aglomerar no Carnaval.

Enquanto o prefeito Eduardo Paes se esforça para garantir o quanto antes acordos com laboratórios para vacinar a população da cidade,Carlos Alberto Chaves, secretário de saúde do Estado do Rio, destrinchou, na ALERJ, como vai ser o plano de vacinação contra a Covid-19 no Rio. A estimativa é de que 3,5 milhões de moradores sejam vacinados, porém, o plano de imunização, que contará com quatro fases, ainda não tem data definida para ser iniciado. Do outro lado, as Escolas de Samba e a Liga redefiniram o cronograma da maior festa popular brasileira, que agora está prevista para 11 e 12 de julho deste ano.

Se o público do Carnaval lamenta o adiamento, o que dizer dos trabalhadores que sempre estiveram à frente nas Escolas de Samba ou atuando para elas, os responsáveis por literalmente fazer a festa? Carnavalescos, sambistas, produtores, marceneiros, eletricistas. Uma série de profissionais atua nos bastidores do Carnaval anualmente para tornar possível o espetáculo que cariocas e turistas acompanham na Sapucaí. Com o coronavírus, a rotina dessas pessoas mudou completamente desde março. Quase dez meses após a instauração da quarentena e a interrupção dos preparativos para os desfiles de 2021, a retomada, em alguns barracões e quadras, começa a ser ensaiada.

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Figurinha carimbada no carnaval carioca desde 1985, Washington Luiz Batista Jorge, carpinteiro da União da Ilha, tira a maior parte do seu sustento da folia carnavalesca há pelo menos 35 anos. Hoje, aos 47, se vê perdido em meio às incertezas com relação às novas datas para os desfiles. Com a paralisação total dos serviços que realizava desde março, o profissional, que confeccionava carros alegóricos no barracão e também na quadra da escola, teve que buscar outros serviços para conseguir se manter.

 “Continuei fazendo trabalhos de carpintaria, mas comecei a atuar em reforma de móveis, colocação de portas e aplicação de vernizes. Todo tipo de trabalho, até pequenos trabalhos de cenografia e vitrines de loja. Tem sido bem complicado”, contou o profissional, que, em um ano normal, trabalha no barracão praticamente o ano inteiro. “Paramos logo depois que acaba o carnaval em fevereiro, durante um mês, e depois voltamos para o desmonte das alegorias e a reciclagem desse material”, explicou.

Como faz parte do contingente de trabalhadores informais, Washington recebeu o auxílio emergencial do governo. Segundo ele, o auxílio emergencial ajudou, mas não foi o suficiente para se reequilibrar sem o trabalho que realizava para a agremiação. As últimas parcelas depositadas garantiram a ele apenas a metade do subsídio inicial. “Foi muito pouco perto das despesas que eu tenho. Eu pago aluguel”, disse.

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Há quinze anos vivendo do e pelo carnaval, Washington, que com o passar dos meses vê a saudade de trabalhar para que essa enorme celebração popular aconteça, aos poucos se prepara para retornar integralmente aos afazeres na Viradouro, e a torcida, obviamente, é para que aconteça o carnaval, porém somente se todos estiverem protegidos.

 “A nossa expectativa é que realmente tenha o carnaval, que antes disso tudo saia a bendita vacina. Aqui, na Viradouro, já começamos a encaminhar os trabalhos devagar e a gente quer que tenha um carnaval, mas um carnaval seguro, com todo mundo vacinado, todo mundo sem problema nenhum. Aos poucos as coisas tão voltando, espero eu que volte bem.

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É também nesse impasse que se encontra a profissional Lara Pereira, de 41 anos. Há 15 anos trabalhando no carnaval do Rio, atualmente gerencia um ateliê que faz composições de carros alegóricos, fantasias luxuosas de destaque, como as usadas por musas, mulheres que vêm à frente dos carros e alas, além das de rainha de bateria e comissão de frente. Lara realiza a confecção, pondo em prática o que foi desenhado pelos carnavalescos das escolas. A Vila Isabel era a principal cliente dos serviços do ateliê.

Sua história com a avenida teve início em 2003, quando estava desempregada e uma amiga que trabalhava em um ateliê a indicou. Dez anos depois, a profissional, que tomou gosto pelo ofício e passou por diversos setores do carnaval, adquiriu bagagem e abriu um ateliê junto ao estilista Sandro Carvalho, responsável pela parte administrativa e criação, enquanto Lara, pela confecção. Além do cenário difícil para o carnavalesco, Lara enfrenta também o preconceito no mercado de trabalho por ser uma mulher trans.

– Óbvio que a gente já está num lugar um pouquinho mais avançado, mas estamos retrocedendo. Por mais que as pessoas digam que “tá beleza”, as entrevistas só ficam nas entrevistas mesmo. A gente tem que se virar como pode, já que nossa inserção no mercado de trabalho já é tão difícil, pela discriminação que sofremos – contou.

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A fim de garantir seu sustento nesse período sem demandas de fantasias, Lara começou a revender cosméticos e reformar vestidos com o objetivo de vender para drag queens de shows e levantou até mesmo uma rifa da fantasia usada pela apresentadora Carla Prata no desfile da Imperatriz Leopoldinense, em 2020. Lara, que se mudou para a Cidade Nova a fim de facilitar o deslocamento e acesso ao trabalho, conta que não esperava que a paralisação devido à pandemia durasse todo esse tempo.

– Justamente aluguei aqui para minha logística de trabalho ficar melhor. Como eu trabalho para várias escolas, e para várias pessoas, eu ia para a avenida todos os dias. Realmente achei que ia ser coisa de 3 meses, nunca imaginei que fosse durar o ano todo e que fosse causar tudo isso que causou.

Com relação ao retorno dos trabalhos envolvendo a avenida, Lara conta que a retomada ainda não existe. O que existe, dentro dos bastidores das escolas, é uma expectativa de que se comecem os trabalhos em janeiro.  Eduardo Paes, prometeu, em entrevista, “a maior festa de carnaval que o planeta já assistiu”. É esperada a liberação para que as escolas voltem a trabalhar. “Com esse dinheiro, as escolas poderiam retomar os trabalhos e, caso não houvesse a possibilidade de ter o carnaval em julho, todo o trabalho pronto ficaria para 2022. Seria uma forma de ajudar os profissionais que trabalham dentro dos barracões. No meu caso, o ateliê continua fechado e ainda não há nada de concreto. O que existe é uma expectativa”, contou Lara.

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Nessa época de férias que antecede o evento, a profissional, que diz ser apaixonada pelo ofício que começou a exercer despretensiosamente, conta que sente falta de estar “enlouquecida de trabalho” e torce para que tudo se encaminhe e a festa possa acontecer:

– Financeiramente, a gente dá um jeito, faz outra coisa. Vende uma Avon, um Boticário, faz uma escova no cabelo de alguém, a gente se vira. O emocional é o que abala mais. Esse período costuma ser o melhor do ano, em que eu não tenho tempo de fazer nada, um monte de gente ligando e marcando horário para prova de fantasias. Mas tenho fé e esperança de que agora, em janeiro, vamos realmente começar, e dar o amor, que pelo menos eu tenho pela arte, e fazer o melhor carnaval da vida. Quando eu começar a trabalhar, eu vou trabalhar pensando que vai ser o melhor carnaval da minha vida – disse.

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Clara Alexandre*, estudante de comunicação, sob supervisão dos professores da PUC-Rio e revisão de Veja Rio

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