A rotina dos corredores de rua e as adaptações à quarentena
Tecnologia e criatividade renovam o fôlego dos atletas amadores em meio à pandemia
O professor de educação física Antônio Josiano sobe e desce as escadas do prédio para substituir a rotina corredor de rua. Pelo menos quatro vezes na semana, ele saía de casa para correr pela cidade. Josiano está entre os milhares de cariocas obrigados a adaptar os hábitos de atleta ao isolamento e à maratona online impostas pela pandemia. Uma contramão da escalada empreendida, nos últimos quatro anos, por uma das atividades esportivas que mais crescem no país: a participação em provas de corridas de rua avançou 20% no Brasil desde 2016, constata o estudo State of Running 2019.
+Atletas de alto padrão tentam manter o ritmo se exercitando em casa
Os cariocas acostumados a correr na orla, à margem da Lagoa, no Aterro e em trilhas da mata criam alternativas para substituir o exercício – sinônimo não só de condicionamento físico e mental, mas também de mergulhos na alma do Rio. Além de subir escada, Josiano faz polichinelos e corrida (?) estática. Assim compensa, em parte, seus habitais trotes nas ciclovias da Zona Sul. Ultramaratonista, ele teve que cancelar a inscrição em algumas provas, como uma disputa programada para a Patagônia argentina. O professor de educação física ressalta que o “Importante agora é pensar no coletivo”: “Se eu pensar em correr na rua, mesmo tomando todos os cuidados, muitas pessoas podem pensar (em correr) também, e isso vai gerar aglomeração. Por esse e outros motivos, não estou indo. Tento dar o exemplo para os meus alunos não saírem de casa. Os números de casos e mortes de Covid-19 só crescem. Então, faço a minha parte de isolamento social”.
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A nutricionista Sylvia Pozzobon também tem segurado a onda. Trocou a atividade ao ar livre por treinos funcionais em casa e pedaladas na bicicleta de treino. Há 20 anos Sylvia participa de provas de corrida de rua, e contribui para as mulheres terem se tornado maioria nesse esporte, como confirma o State of Running 2019. Ela tem experimentado alternativas para suprir os seis treinos de corrida e bicicleta semanais ruas. Nem sempre a adaptação é fácil: “Um dia corri no meu play, mas fiquei com muitas dores no joelho e tornozelo. Tentei também subir escadas do meu prédio, mas também não gostei, porque achei abafado e passei mal”.
As alternativas miram também o benefício mental proporcionado pela corrida de rua. Para a maioria desses corredores e corredoras, o esporte funciona como uma terapia. Sylvia acusa o golpe. A falta da atividade ao ar livre tem afetado a cabeça. A psicóloga Luciana Genial observa que a troca da rotina em espaço aberto pelo ambiente interno tende a abalar o humor do atleta, deixando-o irritadiço e ansioso.
O sono e os hábitos alimentares também podem sofrer com as mudanças no dia a dia dos praticantes dessa atividade, inclusive aquelas relacionadas à disciplina dos treinos. Segundo Luciana, alguns apresentam desânimo semelhante ao causado por uma lesão. Para evitar reações assim, a psicóloga sugere que o corredor “trabalhe a aceitação de que a pandemia é algo fora do controle do atleta” e exercite a mente com atividades lúdicas: “É importante que o corredor se ocupe com outras atividades que tragam alguma satisfação. Leituras, culinária, cursos online e até um envolvimento com atividades domésticas podem preencher esse espaço”, recomenda. “Existe também a possibilidade de o atleta dedicar um tempo do seu dia ao mental training, ou seja, atividades na quais ele simula situações de prova e mentaliza alguns aspectos técnicos a melhorar. Além disso, é um excelente momento para leituras de biografias de atletas renomados com histórias de superação. Isso pode servir de inspiração na retomada da modalidade, no fim da pandemia”, acrescenta Luciana.
Há muito o jornalista e maratonista Iuri Totti divide a rotina de treinos com diversos tipos de leitura. Com mais de 50 meias-maratonas e 13 maratonas no currículo, o ex-subeditor de esportes de um jornal segue à risca as recomendações médicas e as restrições para conter o avanço da Covid-19. Isso não significa que ele tenha parado de correr. Iuri passou a correr no play, três vezes por semana. É o paliativo adotado por quem há quase 15 anos faz da corrida de rua corrida de rua a principal atividade física. O pragmatismo garante-lhe o fôlego para seguir em frente: “É preciso pôr na balança o que vale mais: a vida ou a corrida. A corrida sempre foi uma terapia, uma válvula de escape para a pressão do dia a dia. Não correr com o mesmo volume de antes é complicado, mas é melhor estar quieto do que dando carona para o coronavírus”.
Palavra de quem conjugou a paixão por correr com a profissão. Entre 2010 e 2013, ele assinou uma página semanal e uma revista trimestral sobre corrida, chamada Pulso, publicada em um jornal do Rio. Depois de deixar o veículo, em 2015, criou o próprio site com informações sobre o mundo dos corredores de rua (corridainforma.com.br).
O isolamento afeta também a rotina e o humor dos atletas amadores. O estudante Victor Paiva tem malhado em casa para remediar a ausência dos treinos nas ruas. A musculação, com os pesos que tinha em casa, e os exercícios na máquina de remada de um amigo contribuem para manter a forma física. Mas estão longe da satisfação proporcionada pela corrida ao ar livre, ressalva. Paiva apaixonou-se pela atividade há dez anos, quando começou a se dedicar ao esporte depois de ouvir que corria torto. A partir daí, passou a treinar pelo menos duas vezes por semana, inclusive na areia da praia. Ele confessa já correu algumas vezes durante o isolamento social, porém não se sentiu “confortável”: “Corri bem pouco. Opto por horários alternativos e não corro mais em grupo. O clima na rua está estranho. As pessoas criticam muito. Até por isso, não me sinto confortável pra fazer esse tipo de treino”.
Treinos coletivos, comuns nos crescentes grupos de corrida no Rio, tornam-se temerários diante da necessidade de afastamento social. O médico intensivista Moyzes Damasceno lembra que a aglomeração representa o maior risco para a corrida ou qualquer atividade ao ar livre. “Se pessoa realmente precisar correr na rua, deve fazer isso sozinha, de preferência em horários com menor circulação, como de manhã cedo”, orienta.
A quarentena não deve, contudo, significar suspensão da atividade física. Pelo contrário, os exercícios regulares são, ao lado da alimentação adequada, a chave para conservar a saúde assombrada pelas privações e tensões da pandemia. Damasceno ressalta que a rotina (adaptada) de atividade física constitui uma prevenção importante contra os efeitos do novo coronavírus: “A doença compromete o quadro respiratório. Há uma coerência em achar que as pessoas com melhor preparo físico não sofram tanto, em geral, os seus efeitos. É claro que temos que levar em conta as condições de saúde de cada pessoa, mas os praticantes da atividade aeróbia têm mostrado uma melhor reação à doença. Por isso, as pessoas devem buscar o exercício físico regular, mas de forma moderada. E devem evitar, acima de tudo, não entrar em contato com outras pessoas”, reitera.
Profissionais de educação física e assessorias de corrida têm colaborado com as alternativas para se exercitar em casa buscada por corredores cariocas. Sylvia faz parte de duas delas: a Equipe Fox, que promove treinos online por lives no Instagram liberadas ao público e aulões no Zoom para os seus alunos; e a Equipe Thi Squad, que tem feito lives com desafios e treinos gratuitos.
Professor e dono de academia, Zeca Lima faz lives diárias, às 10h, com aulas de ginástica gratuitas. Para ele, tão importante quanto às orientações técnicas, são a “energia e a descontração” dessas atividades. Devem levar em conta, diz o professor, que as pessoas estão em casa, em circunstâncias adaptadas.
O também professor de educação física Bruno Damn é outro que oferece sessões de atividades físicas em perfis do Instagram e do Facebook. Começou a postar treinos de funcional, ao observar que o isolamento social estava se tornando sinônimo de sedentarismo. Além da parte física, Damn capricha nas práticas motivacionais: “Faço desafios semanais e mensais para motivar as pessoas. Procuro também publicar alguns informativos sobre a importância da prática de atividade física e da nutrição nas rotinas mudadas pela pandemia”.
Serviço:
Treinos Equipe Fox
Todos os dias no perfil do Instagram @equipefox
Treinos, desafios e lives Thi Squad
Consultar o perfil do Instagram @thi.squad
Treinos de ginástica com o professor Zeca Lima
Todos os dias, às 10h, no perfil no Instagram @zecabeachclub
Treinos de funcional com o professor Bruno Damm
Todos os dias no perfil do Instagram @time_damm e no perfil no Facebook @Bruno Damm
*Pedro Bueno, estudante de comunicação, sob supervisão dos professores da universidade e revisão de Veja Rio