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Teatro on-line: Lilia Cabral e Paulo Betti refletem sobre a nova arte

A convite de VEJA Rio, os atores se encontraram - numa sessão de videoconferência, é claro - e um entrevistou o outro

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 15 out 2020, 16h47 - Publicado em 15 out 2020, 16h38

Em meio à pandemia, Paulo Betti, 68 anos, e Lilia Cabral, 63, experimentaram algo novo na carreira: fazer teatro pela internet. Amigos desde a década de 80, quando Paulo dirigiu Lilia em um de seus primeiros espetáculos teatrais, os dois atores representaram para uma plateia vazia, mas espalhada pelo mundo por trás das telas. Eles foram os campeões de bilheteria da temporada carioca — cada um vendeu mais de 2 000 ingressos para as sessões virtuais do projeto Teatro Já. Ele encenou uma versão virtual de sua Autobiografia Autorizada. Ela está em cartaz ao lado da filha, Giulia Bertolli, com o espetáculo A Lista.

A convite de VEJA RIO, eles se reuniram — numa sessão de videoconferência — para um bate-papo sobre a arte nos novos tempos.

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Paulo Betti entrevista Lilia Cabral:

Como é dividir o palco com a sua filha?

É uma alegria que você não tem ideia. Acho que o orgulho que eu sinto passa para o público. Muitos amigos e espectadores comentaram que se emocionaram ao ver mãe e filha no palco. E o melhor de tudo é que eu passei a enxergar a Giulia como uma atriz. Ela é uma profissional responsável, que sabe o que quer e corre atrás. Nos ensaios, o comprometimento dela foi um exemplo para mim. O (Guilherme) Piva nos estimulava e, no dia seguinte, Giulia já trazia uma resposta ao que ele tinha proposto. É muito bonito vê-la trilhando o caminho no teatro. Eu sempre disse que era bom começar no palco, porque é lá que a gente aprende e carrega ensinamentos para a vida toda. A nossa profissão não é um mar de rosas, o que interessa são as conquistas diárias, não o sucesso imediato.

Você acredita que o teatro on-line vai permanecer por mais tempo?

Quando fui convidada para integrar o Teatro Já, em abril, eu achava que em outubro já estaria recebendo pessoas na plateia. Mas não é o que a gente está vendo na prática… Como vou colocar trezentas pessoas num teatro antes de sair a vacina? Então eu acho que esse modelo de peça on-line vai continuar, sim. Quem se dispôs a enfrentar esse desafio, como a gente, saiu na frente. A minha peça foi assistida por pessoas em Teresina, na Romênia… Isso é incrível. Acredito que, mesmo quando a gente voltar a lotar plateias, poderemos continuar oferecendo as transmissões pela internet. E acredito também que quem gosta de ir ao teatro não vai deixar de ir só porque existe a opção de assistir de casa. Ir ao teatro é uma experiência.

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Como você está vendo a cultura brasileira nesse momento?
Lembro-me de que fomos felizes e não sabíamos. Quando montamos Feliz Ano Velho, em 1983, a produção era cooperativada, a gente dava um duro danado. Conseguimos ficar um bom tempo em cartaz e fizemos um pé-de-meia. Naquela época, o preço do ingresso era acessível, a plateia era muito diversificada. Sinto que tudo mudou de lá para cá. A nossa profissão deixou de ser vista como necessária por quem está no poder, e isso me machuca.

Você acredita que os artistas devem se posicionar politicamente?
Meu posicionamento político é defender a nossa classe. Temos que tomar muito cuidado porque, como pessoas públicas, cada frase que falamos pode ganhar um outro contexto, ainda mais nas redes sociais, em que muita coisa é distorcida.

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Você foi produtora do filme Maria do Caritó. O que achou? Pretende repetir essa experiência?

Foi maravilhoso, porque tive ao meu lado a Elisa (Tolomelli, da Eh! Filmes). O longa não chegou a ser um sucesso de bilheteria, mas ganhou prêmio, então considero um bom trabalho. Cinema é tão diferente, né? É tudo muito demorado e, no final, a nossa cara fica gigante na tela. Tem que ter muita coragem. Pretendo continuar produzindo, sim. A peça A Lista me deu a ideia de falar diretamente para a faixa etária dos 60 anos na televisão. Teoricamente, somos idosos, mas ninguém se sente assim. Com isso na cabeça, juntei uma equipe feminina e vamos propor uma série sobre uma mulher de 60 e poucos anos que atravessa a pandemia sozinha. O projeto foi batizado de Nossa Senhora de Copacabana. E sei que isso só surgiu por causa do background que tive produzindo Maria do Caritó. Para mim, é fácil separar a atriz da produtora, não me desestabiliza no set de filmagem.

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Lilia entrevista Paulo Betti:

Quando você decidiu apresentar seu monólogo pela internet alguém tentou te desestimular, dizendo que não concordava com teatro on-line?

No início, sim. Cheguei a ouvir que era uma brincadeira pra passar o tempo. Mas não fiquei refletindo sobre o que é esse novo tipo de arte, isso não me interessava. O importante, para mim, era seguir trabalhando no meio de uma pandemia, o que me emocionou demais. Na primeira sessão on-line, os câmeras aplaudiram ao final. Isso me fez perceber que eu não deveria atuar para a câmera, como estou acostumado, e sim para o câmera, o profissional que estava ali no teatro. Nós, atores, adoramos plateia lotada, mas às vezes os melhores espetáculos acontecem quando há pouco espectadores. Ao longo da temporada, fui percebendo que fazer teatro on-line pode ser muito gostoso.

Eu assisti às duas versões de Autobiografia Autorizada, no teatro, e pelo computador. O espetáculo é uma catarse. Você sentiu que cresceu como ser humano ao longo desse processo?

Com certeza. É até engraçado, porque a peça fala muito da morte. Relembro a morte dos meus pais, dos meus avós… E, com a Covid, essas partes ganharam um novo significado. Quando estreei, há cinco anos, a duração do espetáculo era de 1h40. Lembro que você e o Antonio Fagundes me disseram que eu poderia cortar alguns trechos, mas tive dificuldade. No modelo on-line, enxuguei o texto para 45 minutos, porque quem assiste pela tela não tem muita paciência, né? E o resultado ficou ótimo. Na pandemia, consegui perceber que é só o essencial que importa. Parei de usar a maior parte das minhas roupas, quero me desfazer de muita coisa. No meio disso tudo, foi bonito notar que o teatro sobrevive pelas brechas.

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O que você sente quando está em cena e um espectador começa a mexer no celular?

É um pouco contraditório, porque, no início da minha peça, no modelo convencional, com público, uma mensagem em off diz que as pessoas podem fazer o que quiserem com o aparelho durante a sessão. É liberado tirar foto, atender ligação… Mas, quando realmente acontece, eu me aborreço, tenho vontade de dar uma bronca na pessoa. No entanto, acho que temos que nos acostumar com isso, porque o celular faz parte da vida. Meu filho de 17 anos consegue prestar atenção a tudo ao mesmo tempo.

Eu gostaria de te ver dirigindo teatro… Você tem vontade de voltar à direção?

Eu fiquei 25 anos cuidando da administração da Casa da Gávea, então acabei me afastando da direção teatral, porque era um trabalho que me consumia muito. Quero voltar a dirigir peças, sim. Agora, da direção audiovisual estou fora. No meu último filme, A Fera na Selva, tive dois codiretores, Lauro Escorel, fotógrafo, e Eliane Giardini, que também está no elenco. Mas eles só descobriram quando as filmagens terminaram e eu dei o crédito.

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Qual é a sua avaliação sobre o momento político e cultural que estamos vivendo?

Tenho uma opinião diferente da sua, acho que o governo atual considera a nossa função importante, por isso tenta acabar com ela. Eles sabem que a educação e a cultura criam mecanismos contra a dominação, por isso tentam destruir o conhecimento. Quem lê um livro ou vai ao teatro se engrandece. A condição humana é cruel, precisamos viver outras experiências através da literatura, da arte. Estamos enfrentando um momento barra pesada, me sinto num campo de batalha, porque vem tiro de tudo quanto é lado. Até saúde virou uma questão ideológica. Usar máscara no meio de uma pandemia virou um posicionamento político… Se até o Caetano está sendo chamado de comunista, eu, que me considerava razoavelmente socialista, também virei comunista.

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