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‘Meu novo disco tem um olhar de reconstrução do país’, diz Marcelo D2

Lançando novo show no Circo Voador nesta sexta (20), ele falou a VEJA RIO sobre a nova sonoridade, a luta contra o bolsonarismo e o samba como resistência

Por Kamille Viola
Atualizado em 19 jan 2023, 22h52 - Publicado em 19 jan 2023, 22h17

Preparando o álbum Iboru — Que Sejam Ouvidas as Minhas Públicas, previsto para 21 de março, recém-instituído como o Dia Nacional Tradições Africanas, Marcelo D2 apresenta nesta sexta (20) no Circo Voador seu novo projeto, Marcelo D2 e um Punhado de Bamba. No mesmo dia, lança o primeiro single do novo projeto, Povo de Fé.

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Em entrevista a VEJA RIO, ele falou sobre a nova sonoridade que buscou, sua luta contra o bolsonarismo, o encontro com o historiador e compositor Luiz Antonio Simas — umas das influências do novo trabalho —, sua iniciação no culto de Ifá e o samba como resistência, entre outros assuntos.

VEJA RIO: Como surgiu a ideia de fazer esse seu projeto novo, Marcelo D2 e Um Punhado de Bembas?

Marcelo D2: Como diz o meu empresário, é algo que que assim todo mundo já estava esperando, eu cantar, fazer show de samba. Não é algo que estava longe do meu radar, não. Eu já estava pensando nisso há muito tempo, mas não achava o jeito. Eu não queria tocar com uma banda de samba normalmente e tal. Fazendo esse disco novo, eu achei o caminho. Que é pôr esses graves que a cultura hip hop deu para a música pop. Hoje em dia qualquer música pop tem esse grave que veio do rap. E, desses ritmos brasileiros, todo mundo veio bebendo dessa fonte, mas o samba ainda não. Eu falei: ‘Cara, eu esse é o meu caminho.’ A figura que veio na minha cabeça era de uma roda de samba na frente de um sound system, de um paredão de caixa. E é basicamente isso que vai rolar.

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Fala mais pouco da sonoridade? O que você buscou, o que te inspirou?

Eu estava meio cansado do que eu estava fazendo, de samplear, essa fórmula que eu faço, que eu fiz lá em 98, se aprimorou ali em 2003 no À Procura da Batida Perfeita, mas, sei lá, eu estava meio cansado desse formato, procurando alguma coisa nova. No Amar é Para os Fortes (2018), eu acho que eu cheguei num lugar novo, que abriu um pouco a cabeça para essa coisa que é mais do que só música. Que poderia ser mais do que só música: escrevi roteiro, produzi, dirigi filme e tal. Esse projeto novo vem por aí: além da música. Na sonoridade, eu queria algo que representasse isso também, uma coisa nova. Tem esse pensamento que o Kiko Dinucci, a Juçara Marçal, o Metá Metá em si tem, desse samba que é quase um blues. A Juçara falou muito disso nesse último disco dela. Eu tinha visto eles ao vivo, o Kiko tocando violão e a Juçara cantando, parecia um show de blues, mas era samba. Tocando Adoniran (Barbosa), Batatinha, esses sambas mais antigos. Me chamou muita atenção o olhar que ele (Kiko Dinucci) tinha, eu quis juntar muito ele e o Nave (produtor). Os dois juntos seria esse lugar aonde eu queria chegar. E foi. O Kiko trouxe para essa essa sonoridade muito essa loucura, essa coisa punk de se desconstruir mesmo. E para mim, juntar violão do Kiko com o grave da 808 (bateria eletrônica fundamental nos primórdios do rap), era esse o lugar aonde eu queria chegar. Isso que vai acontecer amanhã no Circo Voador, é a ponta de um iceberg do que está vindo por aí.

Por quê?

Porque, como aconteceu comigo em 2003, com À Procura da Batida Perfeita, que minha cabeça abriu, quando eu vi um universo se abrindo assim, esse universo se abriu de novo agora, com essa possibilidade de um novo samba. De um novo samba é meio… É porque o samba se renova a quase todo dia, ele é vanguarda pra caramba, ele é contemporâneo pra caramba, o samba tem essa coisa que ele carrega a raiz e, ao mesmo tempo, é vanguarda, no mesmo lugar. Eu estive com o Fundo de Quintal esses dias e fui percebendo a revolução que os caras fizeram, ali no Cacique de Ramos com o repique (de mão, criação de Ubirany), com o pandeiro do Bira Presidente, com o tantã (criação de Sereno), aquele jeito de tocar samba diferente. A gente viu o samba passar por essas mudanças, algumas vezes. Eu acho que abriu para mim um lugar novo, está explodindo a minha cabeça. É um momento tão bom para isso, essa luz no túnel que está se abrindo agora, apesar de parecer que está se apagando (risos), não querem deixar a gente feliz. Mas tem esse olhar de reconstrução, de pensamento novo de país, de diversidade, de reconstrução de cultura. Putz, eu quero participar disso com uma ideia nova, acho que está tudo no momento certo e na hora certa.

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O disco do Planet Hemp (Jardineiros, de 2022) foi de revolta com tudo o que a gente viveu — você até falou que vocês voltaram porque você sentiu que precisavam. E esse disco que você está fazendo, é esse novo tempo, essa esperança?

É quase que o Planet fechando um ciclo e o meu disco abrindo outro. O Planet jogando a última pá, espero eu, nesse fascismo, o bolsonarismo, e o samba trazendo, pelo menos para mim, esse lugar novo. Me doeu muito fazer o disco do Planet Hemp, sabe? Eu pensar que, com 50 anos, tinha que fazer um disco de luta contra fascista. Custou muito caro na minha cabeça eu estar nessa idade e ter que fazer isso. Eu estou querendo é cantar a ancestralidade, é olhar para o futuro, juntar tecnologia com ancestral. Uma vez, eu estava conversando com o (Marcelo) Freixo, e ele falando do papel dele como deputado no meio dessa loucura dos quatro anos. O quanto ele tinha que segurar as maçãs que estavam caindo, porque não dava para plantar nenhuma outra macieira. O negócio era tentar não deixar os caras destruirem mais. E a gente parece que não saiu desse lugar ainda, eles ainda estão tentando destruir o máximo possível, deixar um rastro de destruição.

E por que o nome Iboru para o álbum? E para quando está previsto?

Eu acho que vou lançar dia 21 de março, que o Lula decretou como Dia Nacional Tradições Africanas, acho meio simbólico. Iboru, no sentido quase literal, é “para que sejam ouvidas minhas súplicas”. Eu me iniciei no Ifá (religião de matriz africana), e no Ifá a gente se cumprimenta com “Iboru, Iboya, Ibosheshe”, que são as três mulheres que Ifá encontra antes de encontrar Orunmilá. Então tem um sentido todo religioso. Eu gosto muito do subtítulo, que é “que sejam ouvidas minhas súplicas”, eu amo isso.

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É um album afrofuturista, é isso?

Não é afrofuturista, não, acho que é bem contemporâneo. Acho que talvez eu faça algo mais para a frente, mas eu primeiro quis… Acho que tem esse conceito de ancestralidade de futuro nesse disco, de pegar, como diz o (Luiz Antonio Simas), o ancestral que está aqui, o ancestral contemporâneo. A ideia é essa, valorizar o que está aqui, o que vem com a gente até aqui. E aí pode ter passado e pode ter futuro. Mas é contemporâneo.

O conceito do disco vem muito do seu encontro com o Simas?

O Simas é uma grande influência nesse disco. Eu falo que tem três influências grandes. Clementina de Jesus, porque eu ouvi muito ela e foi muito importante para eu escrever esse disco novo, cito ela algumas vezes no disco. Mateus Aleluia, que é uma grande referência, um cara com 80 anos fazendo música do jeito que ele está fazendo, e o Luiz Antonio Simas. Ele foi um parceiro, mais do que ele imagina. Porque ele foi muito parceiro de escrever música junto, fiz uma música com ele, que se chama Pra Curar a Dor do Mundo. Eu li muito ele para fazer esse disco, muitos livros dele, o Umbanda (2021) foi superimportante, Pedrinhas Miudinhas (2013), esse livro é incrível. Ele foi e tem sido uma influência muito grande, porque todo encontro que eu tenho com ele — amanhã ele vai abrir o show comigo, chamei ele para cantar a nossa música —, eu tenho encontrado ele por causa da música, e a gente tem feito uns programas juntos. É muito engraçado, ele escreveu um texto bonito sobre isso, sobre como nossa amizade se fortaleceu na pandemia durante o isolamento.

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E ele é do Ifá também.

Ele é Babalaô (autoridade máxima do Ifá).

É muito interessante o trabalho dele.

Ele é bom com as palavras. Ele tem esse poder de organizar ela de uma maneira muito interessante. Do jeito que ele fala. Algumas coisas você já até sabe, mas o jeito que ele fala é diferente. Ele é engraçado, e é da rua — o que é mais legal, não é um acadêmico chato. A linguagem dele é muito boa. Ele é necessário demais nesse momento. Eu fico impressionado com o jeito como ele passou esses quatro anos (de governo Bolsonaro na internet). Como resistência mesmo. Cada um luta do jeito que pode. Eu mandava os caras tomarem no c*, ele contava história.

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Você estava falando sobre o samba sempre se manter atual. Você acha que é um dos melhores símbolos do que é a resistência negra no Brasil?

Não só um dos melhores, mas o maior. Essa coisa do apagamento da história, essa coisa da colonização, ela não acabou lá atrás. Ela continua ali. É impressionante como se vende uma ideia de que o samba é alienado, de que o Carnaval é a alienação do povo. Isso é uma ideia muito colonizadora de tentar apagar a história. Eu cito até o Simas, que não se faz festa — essas festas populares —porque se está feliz. Muito pelo contrário. A festa é uma reivindicação. “Fight for your right to party” (música do trio de rap Beastie Boys). A luta pelo direito de ser feliz, a luta pelo direito de festejar. O Carnaval é isso. O Carnaval não é ópio do povo, o Carnaval é o povo lutando pelo direito de ser feliz. Indo para rua a para falar: ‘Eu tenho o direito de ser feliz.’ E aí você vê, do samba da Avenida ao samba de amor, você vê uma puta de uma resistência. A minha vida mudou muito quando eu entendi o quanto o samba era resistência. Ali no final dos anos 90, início dos anos 2000. Porque eu era bem punk, bem radical e achava que o único meio era esse “fuck off”. E aí quando você começa a entender Cartola, Candeia, Clementina, João da Baiana e o quanto isso era resistência, mudou a minha vida.

Circo Voador. Rua dos Arcos, s/nº, Lapa. Qui. (19), 22h. R$ 80,00 a R$ 160,00. Ingressos pelo Eventim.

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