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Negócios veganos ganham mercado no Rio

Não há crise no mercado de produtos que evitam a exploração de animais, que cresce 40% ao ano

Por Fábio Codeço Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Anita Prado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 18 set 2017, 18h18 - Publicado em 15 set 2017, 23h02
Vegetables on fork (Istock/Divulgação)
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Recado do documentário americano What the Health, lançado em março na Netflix, é claro. Em pouco mais de uma hora e meia, o filme pinta um cenário assustador a respeito dos males causados pelo consumo de carnes, ovos e laticínios. No estilo alarmista de Michael Moore (Fahrenheit 11 de Setembro e Tiros em Columbine), os diretores Kip Anderson e Keegan Kuhn, que já haviam realizado Cowspiracy em 2014, um libelo contra a indústria pecuária, associam a ingestão desses alimentos a doenças como diabetes, obesidade e câncer. Sempre ouvindo especialistas veganos, a dupla conduz o espectador a conclusões aterradoras, como “comer ovo é mais prejudicial à saúde do que fumar”. Ou à constatação de que a caseína, substância presente nos queijos, teria sobre os humanos o mesmo efeito da heroína. Não deu outra. Embora questionáveis — a metodologia da dupla chegou a ser desqualificada por médicos e cientistas —, os argumentos do filme tornaram-se importante bandeira a favor do movimento vegano, que combate a exploração animal para qualquer fim. “As redes sociais têm ajudado a reverberar o respeito pelos animais e as notícias de maus-tratos na indústria alimentícia. E filmes como esses dão força ao movimento ao expor, de um lado, as barbáries da pecuária e, de outro, os benefícios à saúde da adoção de uma dieta estritamente vegetal”, afirma Ricardo Laurino, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira.

REPRODUÇÃO
Só se fala disso: o documentário americano pinta um cenário assustador sobre os males causados pelo consumo de carnes, ovos e laticínios (What The Health/Reprodução)

Radicalismos à parte, o fato é que uma parcela cada vez mais significativa da população tem se interessado por esse estilo de vida: estima-se que já existam 5 milhões de veganos no Brasil. Pesquisa realizada em janeiro deste ano constatou ainda que 63% dos brasileiros pensam em reduzir o consumo de carne — e 73% se sentem mal informados sobre como ela é produzida. Enquanto isso, o volume de buscas pelo termo “vegano” no Google cresceu 1 000% no país entre 2012 e 2016. Simpatizantes da causa ou apenas atentos à demanda crescente, pequenos e médios empresários vêm investindo alto nesse promissor nicho de mercado, que, calcula-se, cresce 40% ao ano. Segundo o SindRio, sindicato de bares, hotéis e restaurantes, dos mais de cinquenta estabelecimentos voltados para esse público em funcionamento no Rio, trinta foram inaugurados nos últimos três anos e prosperam mesmo em meio à crise. É o caso do .ORG Bistrô, que, aberto em 2011, há três meses dobrou o tamanho do salão para acomodar a clientela. “As filas de espera chegavam a duas horas aos sábados”, comenta a chef e proprietária Tati Lund, formada pelo Natural Gourmet Institute, nos Estados Unidos, e convertida ao vegetarianismo desde 2000.

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Novo modelo: Marcos Leite, do Hareburger, está adaptando todo o seu cardápio (Ana Fischer/Divulgação)
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(Veja Rio/Veja Rio)

No segmento da alimentação, principalmente, não faltam bons exemplos de como o veganismo está em franca expansão no Rio. Pioneira no ramo de hambúrgueres sem carne, a rede carioca Hareburger está adaptando todo o seu cardápio ao conceito vegano, abolindo também queijo, leite e mel. “Ao longo dos anos, os itens sem nenhuma proteína de origem animal foram ganhando mais espaço. Foi uma evolução natural”, afirma o sócio-diretor Marcos Leite, ex-executivo da Mundo Verde, que começa a adotar o modelo nas casas cariocas nos próximos meses e calcula para a rede um faturamento de 11 milhões de reais em 2017. Seu plano é chegar ao fim de 2018 com trinta lojas. O Açougue Vegano, há apenas sete meses no Shopping Uptown, na Barra, contabiliza 300% de crescimento e é recordista de vendas na House of Food, cozinha colaborativa da loja multimarcas Void. Em um único dia de participação no projeto, vendeu 16 000 reais em quitutes à base de vegetais, batendo até o picadinho de outro convidado prestigiado — Batista, fiel escudeiro do chef Claude Troisgros. “Nosso esforço é para manter os produtos com preço e sabor equivalentes aos de proteína animal”, conta Celso Fortes, sócio da empresa, que, aliás, marca presença no Rock in Rio com sua coxinha de jaca, um dos carros-chefes. Em outubro, a marca chega a São Paulo, em novembro ganha uma filial na Zona Sul e já se acumulam 140 pedidos de franquias pelo Brasil. “Eu acho que o veganismo vai se tornar a principal fonte de alimentação no mundo. O que faltava eram opções saborosas”, acredita Fortes.

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Açougue Vegano
Celso Fortes e Michele Rodrigues, donos do Açougue Vegano: sucesso nas feiras e 140 pedidos de franquias pelo Brasil (Ana Branco/Divulgação)

Papo de comerciante? Nem tanto. A projeção da Lux Research, empresa americana de pesquisa, é que, em até 37 anos, um terço das proteínas consumidas no mundo seja de origem vegetal. A Nutrikéo, instituição francesa de consultoria em estratégias alimentares, calcula que o setor vai movimentar mais de 35 bilhões de reais em 2018. O filão vem chamando atenção até dos grandes conglomerados carnívoros. A Tyson Foods, a segunda maior indústria de carne processada do mundo — só fica atrás da JBS —, comprou no ano passado 5% da Beyond Meat, empresa especializada em proteínas vegetais que imitam o sabor tradicional. Enquanto os negócios crescem, um mundo se abre aos que desejam experimentar esse estilo de vida. Além de estabelecimentos de comida, começam a se multiplicar as feiras de arte, moda e gastronomia de temática vegana. A Veg Borá desde julho de 2016 faz edições mensais que atraem até os mais ferrenhos carnívoros. Na próxima Feira Vida Liberta, no sábado (23) e no domingo (24), o Downtown, na Barra, vai abrigar quarenta expositores de comida, roupas, acessórios e cosméticos. Vem aí ainda o iFood dos veganos: criado em Curitiba, o aplicativo Be Veg deve entrar em operação no Rio no ano que vem.

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Elza e Julia Barroso: linha de batons com extratos minerais e vegetais (ANNA FISCHER/Veja Rio)

Segundo a Sociedade Vegetariana Brasileira, o número de pedidos de certificação de produtos veganos no Rio saltou de dez, em 2014, para 145 no ano passado e deve aumentar ainda mais em 2017. Fundada em março, a Face It, especializada em batons, é a novidade desta temporada. “Eu e minha mãe começamos a pensar numa marca de cosméticos naturais sem chumbo nem mercúrio. Pesquisando, ficamos apavoradas com os testes em animais”, conta Julia Barroso, 36 anos. Foi quando conheceram o laboratório Labphyto, na Itália, que utiliza extratos vegetais e minerais. Elas vendem, em média, 200 unidades por mês da maquiagem cruelty free (livre de crueldade, em português), sem componentes como mel e colágeno. Com faturamento de 55 000 reais, a dupla tem na clientela nomes ilustres como o maquiador Fernando Torquatto e as apresentadoras Julia Petit e Astrid Fontenelle. Esse estilo de vida está se popularizando tanto pela cidade que já existe até uma região recém-batizada de “quadrilátero vegano”. O point está em Ipanema, nos arredores da Rua Aníbal de Mendonça, onde se instalou a loja de roupas Svetlana, da estilista Mariana Iacia. Depois de quase largar a moda, incomodada com o uso de couro por grifes como Jean Paul Gaultier e Moschino, ela foi parar no ateliê da estilista Stella McCartney, nome forte da moda vegana. Seu endereço fica pertinho de dois estabelecimentos que adotam a filosofia a favor dos animais, o bar Teva e a matriz carioca da rede Empório Veganza, com 500 itens, de produtos de limpeza e higiene pessoal a petiscos, queijos e sorvetes. Há um ano no bairro, a marca, depois de ter sido convidada, abriu, na última semana, uma loja maior no BarraShopping.

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Presença na moda: Mariana Iacia abriu a Svetlana depois de trabalhar com Stella McCartney (Ana Fischer/Divulgação)
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Emporio Veganza: primeira unidade carioca aberta e Ipanema, há um ano, e, agora, filial na Barra (Anna Fischer/Veja Rio)

A história do veganismo remonta ao tempo do filósofo e matemático grego Pitágoras e do líder espiritual Siddhartha Gautama, o Buda, em torno de 500 a.C., ambos adeptos da alimentação sem carnes. De acordo com a The Vegan Society, a primeira instituição do gênero, criada por Donald Watson em Londres, em 1944, o tema começou a ganhar o mundo quando médicos e especialistas passaram a se opor publicamente ao consumo de ovos e laticínios. O movimento organizado teria começado quando o fundador da instituição se uniu a outros vegetarianos que desejavam retirar os alimentos lácteos da dieta com o propósito de tornar a relação do homem com os animais mais digna, sem exploração. Na ocasião, foi criado o termo vegan, que tem como premissa não fazer mal aos bichos, domésticos ou não, seja matar bois para produzir bifes, desmamar um bezerro para tirar o leite da mãe ou estressar abelhas na retirada do mel. E isso vale não só para a alimentação. “O veganismo é uma decisão filosófica que se estende para qualquer profissão”, diz Pablo Henrique, do Inglórios Tattoo, em Ipanema. Todo o material usado pelo artista também é cruelty free. Sim, as tintas para tatuagem podem conter ossos torrados de animais (para dar o pigmento preto), glicerina (gordura animal) e gelatina de besouros. E as loções para cuidado posterior costumam levar lanolina (extraída da lã de ovelhas), cera de abelha e até óleo de fígado de bacalhau.

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Tatuagens cruelty free na Inglórios Tattoo: tintas convencionais podem conter ossos torrados de animais (ANNA FISCHER/Veja Rio)

O estereótipo associado aos hippies da década de 60 não faz mais sentido. De roqueiros a atletas, de adolescentes a senhores de idade, variadas tribos adotam esse estilo de vida. Aos 19 anos, Giulia Gayoso, que fez sucesso em Malhação e grava a nova novela das 6, na Globo, Tempo de Amar, é vegana convicta. “Sempre fui muito ligada a essas questões, mas a ficha caiu quando assisti a um filme sobre o impacto da indústria pecuária e leiteira no meio ambiente”, lembra a atriz, que não usa roupas de lã, couro ou seda, nem produtos testados em animais. Por mais improvável que pareça, até atletas de alta performance, indivíduos com a maior exigência nutricional do mundo, têm se destacado em suas áreas e provado que veganismo e saúde podem andar juntos. Levantador de peso americano que quebrou o recorde em sua modalidade na Rio 2016, Kendrick Ferris gabou-se, logo após a prova, de seu preparo físico. “Apenas escolho muito bem a minha comida”, disse. Médicos, mesmo os consumidores de carne, concordam que, com acompanhamento, é possível, sim, levar uma vida 100% vegana e sadia. “Por meio de ingestão calórica adequada, as necessidades são supridas com proteínas vegetais. Mas se, além da dieta à base de vegetais, houver restrição calórica, a alimentação poderá levar a deficiência proteica, redução da massa muscular e até desnutrição”, diz Rosana Radominski, vice-presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Equilíbrio e bom-senso, portanto, ainda parecem ser as melhores maneiras de manter-se saudável.

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(Veja Rio/Veja Rio)
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